O ano do "caso Crivelli" e do reconhecimento de Coimbra e da dieta mediterrânica pela UNESCO
Balanço de 2013 sobre Cultura.
A má notícia
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A má notícia
O “caso Crivelli”
Em 2012, quando autorizou o empresário Miguel Pais do Amaral a vender em França a importante pintura Virgem com o Menino e Santos, talvez o então secretário de Estado da Cultura Francisco José Viegas – sozinho? E, se não, com quem? – tenha pensado que a decisão nunca chegaria ao conhecimento público. Não foi assim. E o “caso Crivelli” tornou-se então numa narrativa sobre o que de pior se pode esperar da política: a preponderância da ideologia sobre a lei, a prepotência de decidir acima – e ao contrário – dos melhores especialistas nacionais, a falta de transparência de manobras feitas em segredo, as suspeitas de favorecimentos e trocas de influências… Meio ano volvido desde o rebentar da polémica, o Governo mantém fechado o dossier com a documentação relativa a este caso. Depois de errar, volta a descredibilizar-se protelando o que deveria ser célere: esclarecer o país e apurar responsabilidades. Vanessa Rato
A boa notícia
Coimbra e dieta mediterrânica reconhecidas
A Universidade de Coimbra e a dieta mediterrânica foram classificadas pela Unesco como Património da Humanidade – e essa é, sem dúvida, a melhor notícia do ano na área da cultura. Houve, em ambas as candidaturas, um longo e cuidadoso trabalho de preparação. Mas como se valoriza agora este reconhecimento? No caso de Coimbra, a visibilidade da Universidade e do seu vasto património material e imaterial é importante para todos, pelo que é fundamental que organismos oficiais e não oficiais trabalhem juntos para que os visitantes não sintam que a cidade vive a diferentes velocidades e que o seu potencial como um todo ainda está por cumprir. No caso da dieta mediterrânica, liderada pela Câmara de Tavira em colaboração com vários ministérios, a questão é: como se transforma agora este trunfo num projecto nacional, e quem o fará? Alexandra Prado Coelho
A incógnita
Jorge Barreto Xavier, secretário de Estado da Cultura
Quando tomou posse, em Outubro de 2012, Jorge Barreto Xavier foi recebido com algum alívio por agentes que com ele se foram cruzando ao longo de um percurso de quase três décadas. Depois de uma subida degrau a degrau, da base ao topo, o novo secretário de Estado perfilava-se como um profissional com bom conhecimento do terreno, ambicioso, com capacidade de diálogo, de gestão, execução e, até, algum músculo político. Não quer dizer que houvesse grandes expectativas: na ressaca de um biénio de cortes drásticos, bastava a ideia de que, com ele, talvez o naufrágio não fosse total. Por então, havia no entanto também muitos agentes – demasiados (e são cada vez mais) – para quem parecia já irrelevante quem ocupava o cargo. Para estes, a questão era o que poderia fosse quem fosse face a uma tão dramática descapitalização e desestruturação sectorial. Ficará por saber o que poderia outro. Barreto Xavier tem-se afirmado com a posição geral do Governo de que todas as áreas têm de participar na consolidação das contas públicas, incluindo a Cultura, com os seus irrisórios 0,2% do Orçamento do Estado a que em 2014 faltarão ainda mais 15 milhões de euros. Era de esperar. A questão, porém, é que a Cultura, espelhando os restantes sectores do país, tem vindo a esvaziar-se de mais do que margem financeira. Sabe-se, por exemplo, que entre 2012 e 2013 milhares de arquitectos emigraram. À falta de outros dados, é um indicador sobre o ritmo de um desvanecimento de massa crítica que atravessa todas as áreas de criação. E não é só a emigração: há a desistência, o regresso massivo aos empregos de sobrevivência num sector em que os trabalhadores são maioritariamente precários. É este o manto de silêncio que paira hoje sobre um meio onde há ainda pouco tempo o burburinho do debate era constante. Era a música de um tempo em que se questionavam políticas. Talvez porque esse fosse o tempo em que existiam políticas. Com o tempo das medidas chegou o mutismo. Não foi responsabilidade de Barreto Xavier. A incógnita é se ele será o líder para protagonizar novo sopro de vida. Vanessa Rato
A seguir em 2014
Porto volta a ter política cultural
Quando Rui Moreira escolheu Paulo Cunha e Silva, um dos rostos da Porto 2001, como seu mandatário para a Cultura, estava a garantir aos portuenses, sem ter de se demarcar demasiado expressamente da governação de Rui Rio, que a câmara da segunda cidade do país voltaria a ter uma política cultural digna desse nome. Antes de se tornar mais amplamente conhecido como programador da capital europeia da cultura, Cunha e Silva ganhara notoriedade nos anos 90 enquanto organizador de uma pioneira série de colóquios interdisciplinares em Serralves. E já então eram óbvios alguns dos talentos que hoje se lhe reconhecem: a capacidade de criar acontecimentos originais e de os sustentar com sedutoras narrativas teóricas, o dom para escolher pessoas e para colocar em diálogo os parceiros mais improváveis, a transversalidade dos seus interesses – que se estendem das ciências exactas aos estudos sociais e das artes do palco à pintura ou à literatura –, um cosmopolitismo que não desdenha o local, uma capacidade de organização que não ignora que convém deixar alguma margem ao imprevisto.
Apesar das inevitáveis restrições orçamentais, o novo vereador da Cultura tem todas as condições para um mandato bem-sucedido, mas enfrenta o desafio das expectativas que o seu próprio currículo cria, a somar ao facto de o país estar de olhos postos no Porto, à espera de ver se o independente Rui Moreira vai mesmo marcar a diferença. Luís Miguel Queirós