Este café é uma viagem no eléctrico 28 de Lisboa
Próxima paragem: 28 Café. Um espaço que é uma homenagem ao emblemático eléctrico alfacinha
“Castelo de São Jorge! São Jorge Castle!”, avisa o guarda-freio do mais mítico dos eléctricos, o 28, à paragem no miradouro de Santa Luzia. Os passageiros, incluindo, como sempre, muitos turistas, vão saindo e procurando o caminho que sobe para o castelo. Mas enquanto os turistas buscam, mesmo, o monumento, nós, na verdade, buscamos é outro eléctrico, melhor dizendo um eléctrico 28 sem carris e em forma de café. Seguindo pela Rua Santa Cruz do Castelo, é, já ao largo homónimo que encontramos estacionado, juntinho às muralhas, o 28 Café.
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“Castelo de São Jorge! São Jorge Castle!”, avisa o guarda-freio do mais mítico dos eléctricos, o 28, à paragem no miradouro de Santa Luzia. Os passageiros, incluindo, como sempre, muitos turistas, vão saindo e procurando o caminho que sobe para o castelo. Mas enquanto os turistas buscam, mesmo, o monumento, nós, na verdade, buscamos é outro eléctrico, melhor dizendo um eléctrico 28 sem carris e em forma de café. Seguindo pela Rua Santa Cruz do Castelo, é, já ao largo homónimo que encontramos estacionado, juntinho às muralhas, o 28 Café.
Passada uma pequena esplanada, assim que transpomos a porta de entrada somos catapultados para o ambiente romântico do eléctrico (mas aqui sem confusões e aglomerados): o balcão é a frente do eléctrico modelo 330, de um amarelo antigo e onde nada foi deixado ao acaso. Desviamos o olhar até uma fotografia da Baixa de outros tempos, sobre a qual Ary dos Santos nos recebe com um poema “o amarelo da Carris vai de Alfama à Mouraria, quem diria. Vai da Baixa ao Bairro Alto, trepa a Graça em sobressalto, sem saber geografia (...)”.
Uma sala à direita recria um verdadeiro eléctrico, com bancos verdes, postes de apoio, janelas — aqui com vista para a igreja e fotos antigas da cidade — e tecto em abóbada de madeira onde nem os parafusos estão desalinhados. Além de textos explicativos e imagética, há ainda uma exposição de passes e bilhetes antigos.
Eunice e Nuno Brito são os responsáveis por esta viagem no tempo. Ela, advogada que mudou de vida e agora é “guarda-freio” deste “eléctrico”, ele um arquitecto apaixonado pelo século XX e que gosta de recriar matérias dessa época com todo o pormenor. Já tinha recriado aquela que foi a primeira mercearia do bairro (precisamente a Castello) — entretanto vendida mas que se mantém a funcionar; agora, recria o antigo espaço da Mercearia do Povo, que estava fechada há muito.
Para além da imediata ligação do bairro ao 28, a verdade é que Nuno é, desde sempre, um apaixonado por eléctricos, tanto que até nos confessa ainda sonhar conduzir um. “Nem que seja no museu da Carris”, diz entre sorrisos.
“O meu pai costumava levar-me a um parque em Monsanto onde tinha um eléctrico de brincar (no Alvito). Agora, este café foi o mais próximo que eu consegui arranjar para ‘conduzir’ um eléctrico sem parecer mal”, conta. Aliás, Nuno projectou este café com ajuda do pai, também ele arquitecto, contando ainda com o marceneiro Bruno Reis, da Noble Table, empresa especializada no restauro e fabrico de móveis que executou, peça por peça, num elaborado trabalho de carpintaria, esta réplica feita à escala — mas que até saiu, por conveniência, um pouco maior que o original.
“Cuidado com os carteiristas!”
Para ser o mais fiel possível, fizeram um protocolo com a Carris e com o museu da empresa de forma a conseguirem as referências das cores de todos os elementos da composição e de outros pormenores da sua construção, além de imagens e textos sobre a evolução histórica deste meio de transporte. Não se esqueceram do aniversário do emblemático eléctrico da Carris e abriram o 28 Café no preciso dia (31 de Agosto) em que se cumpriam 112 anos da sua primeira viagem.
Para Eunice, este café, já local de peregrinação de muitos turistas, é como uma extensão da sua casa. “Sempre gostámos de receber”, diz-nos. E o 28 Café é “uma extensão disso, até porque as pessoas que aqui vêm acabam por tornar-se nossas amigas”. Para que a viagem neste 28 seja mais substancial, a ementa inclui, além de chocolates quentes ou chás, tostas, sopas, saladas ou prato do dia. “São pratos simples e caseiros.” E os mais pequenos também não são esquecidos: especialmente para eles, há desde chupa-chupas com o eléctrico a caixas de pastilhas ou miniaturas do 28 (12,50€).
Para o futuro deste 28, a dupla já tem muitos planos, incluindo aumentar a exposição, acrescentando peças de vestuário ou ferramentas de figuras como o guarda-freio ou o famoso “pica”, disponibilizar jantares para grupos ou ter à venda t-shirts ou canecas com o logótipo do café.
Aqui sentados neste imóvel eléctrico quase nos sentimos realmente numa viagem no verdadeiro. É que, para mais realismo ainda, não faltam cartazes com os avisos históricos do 28. Tanto se informa que há “23 lugares sentados e 12 de pé”, como se aconselha: “Para sua segurança não se debruce nas janelas”. Nem sequer falta o mais chamativo de todos: “Cuidado com os carteiristas!”.