Pesca ajuda a Islândia a sair da crise e é o principal obstáculo à adesão à União Europeia
Governo diz que o país tem muito a ensinar à UE e está mais avançado ao nível da pesca sustentável
Trabalhar numa fábrica de peixe era a ameaça com que se acenava a um filho pouco estudioso. Um pouco como em Portugal se dizia “olha que vais para as obras”. Depois do colapso da banca, os islandeses voltaram a dar atenção aos sectores que sempre ali estiveram e que durante anos e anos foram a base da economia da ilha. As pescas são agora a menina dos olhos do governo islandês e a principal razão que levou à suspensão das negociações para a adesão à União Europeia no Verão deste ano.
“A crise ajudou-nos a voltar à base e ao que melhor sabemos fazer”, nota o ministro das Pescas, Sigurdur Ingi Jóhannsson, durante um almoço com jornalistas espanhóis e portugueses, no centro de Reiquivique. E é peremptório quanto à adesão União Europeia (UE). “A Islândia tem muito a ensinar à União Europeia, estamos mais avançados ao nível da pesca sustentável”, diz, evitando temas mais polémicos como o recente diferente sobre as quotas de cavala. “A União Europeia devia repor os seus stocks de pesca em vez de pressionar a Islândia a pescar menos quantidade”, limita-se a responder.
O sector das pescas tem um peso de 11% no PIB do país e emprega 5,3% da força de trabalho, percentagem que sobe para os 10% quando se olha para todas as actividades relacionadas com o mar. É por isso que o tema da adesão à UE gera algum desconforto no país: 60% dos islandeses não querem a adesão e os restantes 40% defendem as negociações, mas não têm a certeza se querem fazer parte da união. Em Setembro, o governo dissolveu a equipa de negociadores que liderava as conversações. A decisão não é um recuo definitivo, é mais um esperar para ver como evolui a crise na Europa, assim com a política de pescas.
Johann Sigurjonsson, director do Instituto de Pesquisa Marinha, é claro quanto às razões que levaram à suspensão temporária das negociações. “Se não mantivermos o controlo da nossa política de pescas não será possível aderirmos à UE”, frisa, para depois acrescentar que outro problema é o facto de a Islândia limitar fortemente o investimento estrangeiro no sector das pescas. Os investidores estrangeiros não podem ter mais de 49% de uma empresa de pescas.
Gunnar Tómasson, um dos donos da terceira maior empresa de pescas deste país, faz parte da maioria dos islandeses que estão contra a adesão. Gunnar conhece bem o sector e não admite que Bruxelas lhe venha impor um sistema de quotas que, na sua opinião, põe em risco a indústria.
Gunnar (na Islândia todos são tratados pelo primeiro nome, do presidente ao pescador) tomou o primeiro contacto com esta indústria aos oito anos, quando fazia umas horas, depois da escola, na empresa do pai. A história da Thorbjorn, criada em 1953 na cidade piscatória de Grindavik, é um exemplo do que tem sido a evolução de um sector que, nas últimas décadas, viveu ofuscado pelo brilho da alta finança.
A empresa que exporta bacalhau para Portugal, Espanha e Itália, esteve nas mãos da família Tómasson durante muito anos até ter sido colocada em bolsa. Em 2004, descontentes com o rumo que a economia e a empresa tomavam, Gunnar e os irmãos decidiram adquirir 90% das acções e tomar as rédeas da empresa.
Os Tómasson não embarcaram no deslumbramento do dinheiro fácil. Foi isso que lhes permitiu atravessar a crise sem grandes sobressaltos. No entanto, durante os anos do colapso financeiro, a empresa teve de tomar medidas drásticas e os seus barcos passaram a levar directamente o peixe fresco a Inglaterra, dispensando intermediários.
Mas mesmo nessa altura, com o desemprego em níveis nunca antes vistos, Gunnar recorda que continuava a ser difícil encontrar quem quisesse passar três semanas no mar. Gunnar tem agora entre os 150 pescadores que emprega, alguns jovens - e menos jovens – que perderam o emprego na banca depois do colapso. Todos trabalham no mar – onde os salários são elevados. Nas fábricas de transformação de peixe trabalham maioritariamente polacos, filipinos e tailandeses.
Com Gunnar trabalha um dos seus três filhos, os outros dois estão fora do país. Também a saída para o estrangeiro é comum na Islândia e ganhou expressão com a crise de 2008 que deixou o país à beira da bancarrota e provocou uma onda de emigração, principalmente para a Noruega.
Convencer os jovens a olhar para a pesca como um sector de futuro não é tarefa fácil. Que o diga Robert Ragnarsson, o presidente da câmara de Grindavik, uma das cidades com maior taxa de população até aos 18 anos e que luta para que eles depois da faculdade voltem e encontrem o seu lugar nas empresas da região ou no turismo, que tem vindo a desenvolver-se mais recentemente em torno de um spa natural, a Lagoa Azul. A cidade, em conjunto com as empresas, relançou a escola de pescas, que pretende formar quadros médios para as empresas da região.
Robert, 37 anos, antevê que “dentro de dez anos, as fábricas só terão trabalhadores estrangeiros”, o que na sua opinião, acabará por implicar um menor envolvimento nas empresas e pôr em causa a sustentabilidade do sector.
Grindavik tem 70% a 80% da sua economia assente nas pescas, mas Robert não descura o turismo e “o elevado potencial de desenvolvimento que ainda tem”. Grindavik, que fica a cerca de 40 quilómetros da capital, tem falta de hotéis e o presidente da câmara espera que esse seja outro pólo de atracção dos jovens da cidade.
Investir na inovação
Perante o peso das pescas na economia islandesa, a aposta do país é na sustentabilidade. Existe um sistema de quotas definidas anualmente pelo governo, tendo como base as recomendações do Instituto de Pesquisa Marinha, que determina a quantidade de peixe capturada. Cada empresa não pode ter mais do que 10% da quota total.
“Não há outro caminho do que estar focado no longo prazo”, nota Johann Sigurjonsson, director daquele instituto, que explica que ao longo dos últimos anos as quotas têm permitido controlar as populações de peixes e aumentar a longevidade das fêmeas.
“Durante a crise, a indústria e o governo decidiram juntar-se para promover a pesca sustentável”, nota o ministro das Pescas que acumula com a pasta da indústria.
Outra coisa que a crise trouxe consigo foi uma maior pressão para valorizar tudo o que sai do mar. Nada se desperdiça. É proibido rejeitar peixe no mar e nas fábricas de processamento de peixe tudo é utilizado. Isso levou a que nos últimos anos se tenha desenvolvido à volta das pescas um sector inovador, que emprega jovens qualificados e apostado em novos produtos. É na área da inovação que o emprego tem crescido.
A Zymtec é uma das empresas que está a crescer à custa da inovação. Desenvolveu um produto a partir das enzimas do bacalhau que é usado nos cosméticos e produtos farmacêuticos, tendo parceiros em vários países europeus. Bjarki Stefansson é o director de pesquisas da empresa e faz parte dos jovens que vêem na inovação o futuro, longe do sonho da alta finança que atraiçoou muitos.
Uma portuguesa perto do pólo
Teresa Silva chegou à Islândia um ano antes da crise estalar. Com uma licenciatura em biologia marinha no bolso, veio ter com o pai, depois de passar oito meses à procura de trabalho em Portugal sem sucesso. Durante quase três anos trabalhou numa fábrica de peixe. Agora está a terminar um doutoramento sobre o krill (crustáceos semelhantes aos camarão) com uma bolsa paga pelo Instituto de Pesquisa Marinha, em Reiquiavique.
Grávida de quatro meses, não tenciona regressar a Portugal. A família mudou-se toda para os pólos. “A nossa vida é aqui”, diz sentada à secretária do gabinete com uma vista rasgada sobre as montanhas nevadas.
Como ela estão os cerca de 400 portugueses que vivem em Reiqiavique. Teresa não se incomoda com o facto de no inverno amanhecer já perto das 10 da manha e anoitecer a partir das três e meia da tarde. Prefere destacar as 15 piscinas de que pode usufruir em Reiquiavique. O equivalente à ida ao café em Portugal. Toda a gente vai à piscina ao final do dia, com a família ou com os amigos.
Não é só a pesca que se está a reafirmar na Islândia. O turismo é cada vez mais um sector de futuro. Também por isso, a capital Reiquiavique está em transformação. O antigo porto regenera-se com restaurantes, bares, hotéis com ar acabado de estrear. Essa zona da cidade está na moda e à noite enche-se de jovens e executivos. No início de Dezembro, a cidade estava enfeitada para o Natal. A riqueza da Islândia está nas suas águas e também na sua paisagem. Pedra vulcânica decorada, nesta altura, pela brancura da neve. Não há árvores na ilha, e os pinheiros são importados da vizinha Dinamarca.
A jornalista viajou a convite da Promote Iceland
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Trabalhar numa fábrica de peixe era a ameaça com que se acenava a um filho pouco estudioso. Um pouco como em Portugal se dizia “olha que vais para as obras”. Depois do colapso da banca, os islandeses voltaram a dar atenção aos sectores que sempre ali estiveram e que durante anos e anos foram a base da economia da ilha. As pescas são agora a menina dos olhos do governo islandês e a principal razão que levou à suspensão das negociações para a adesão à União Europeia no Verão deste ano.
“A crise ajudou-nos a voltar à base e ao que melhor sabemos fazer”, nota o ministro das Pescas, Sigurdur Ingi Jóhannsson, durante um almoço com jornalistas espanhóis e portugueses, no centro de Reiquivique. E é peremptório quanto à adesão União Europeia (UE). “A Islândia tem muito a ensinar à União Europeia, estamos mais avançados ao nível da pesca sustentável”, diz, evitando temas mais polémicos como o recente diferente sobre as quotas de cavala. “A União Europeia devia repor os seus stocks de pesca em vez de pressionar a Islândia a pescar menos quantidade”, limita-se a responder.
O sector das pescas tem um peso de 11% no PIB do país e emprega 5,3% da força de trabalho, percentagem que sobe para os 10% quando se olha para todas as actividades relacionadas com o mar. É por isso que o tema da adesão à UE gera algum desconforto no país: 60% dos islandeses não querem a adesão e os restantes 40% defendem as negociações, mas não têm a certeza se querem fazer parte da união. Em Setembro, o governo dissolveu a equipa de negociadores que liderava as conversações. A decisão não é um recuo definitivo, é mais um esperar para ver como evolui a crise na Europa, assim com a política de pescas.
Johann Sigurjonsson, director do Instituto de Pesquisa Marinha, é claro quanto às razões que levaram à suspensão temporária das negociações. “Se não mantivermos o controlo da nossa política de pescas não será possível aderirmos à UE”, frisa, para depois acrescentar que outro problema é o facto de a Islândia limitar fortemente o investimento estrangeiro no sector das pescas. Os investidores estrangeiros não podem ter mais de 49% de uma empresa de pescas.
Gunnar Tómasson, um dos donos da terceira maior empresa de pescas deste país, faz parte da maioria dos islandeses que estão contra a adesão. Gunnar conhece bem o sector e não admite que Bruxelas lhe venha impor um sistema de quotas que, na sua opinião, põe em risco a indústria.
Gunnar (na Islândia todos são tratados pelo primeiro nome, do presidente ao pescador) tomou o primeiro contacto com esta indústria aos oito anos, quando fazia umas horas, depois da escola, na empresa do pai. A história da Thorbjorn, criada em 1953 na cidade piscatória de Grindavik, é um exemplo do que tem sido a evolução de um sector que, nas últimas décadas, viveu ofuscado pelo brilho da alta finança.
A empresa que exporta bacalhau para Portugal, Espanha e Itália, esteve nas mãos da família Tómasson durante muito anos até ter sido colocada em bolsa. Em 2004, descontentes com o rumo que a economia e a empresa tomavam, Gunnar e os irmãos decidiram adquirir 90% das acções e tomar as rédeas da empresa.
Os Tómasson não embarcaram no deslumbramento do dinheiro fácil. Foi isso que lhes permitiu atravessar a crise sem grandes sobressaltos. No entanto, durante os anos do colapso financeiro, a empresa teve de tomar medidas drásticas e os seus barcos passaram a levar directamente o peixe fresco a Inglaterra, dispensando intermediários.
Mas mesmo nessa altura, com o desemprego em níveis nunca antes vistos, Gunnar recorda que continuava a ser difícil encontrar quem quisesse passar três semanas no mar. Gunnar tem agora entre os 150 pescadores que emprega, alguns jovens - e menos jovens – que perderam o emprego na banca depois do colapso. Todos trabalham no mar – onde os salários são elevados. Nas fábricas de transformação de peixe trabalham maioritariamente polacos, filipinos e tailandeses.
Com Gunnar trabalha um dos seus três filhos, os outros dois estão fora do país. Também a saída para o estrangeiro é comum na Islândia e ganhou expressão com a crise de 2008 que deixou o país à beira da bancarrota e provocou uma onda de emigração, principalmente para a Noruega.
Convencer os jovens a olhar para a pesca como um sector de futuro não é tarefa fácil. Que o diga Robert Ragnarsson, o presidente da câmara de Grindavik, uma das cidades com maior taxa de população até aos 18 anos e que luta para que eles depois da faculdade voltem e encontrem o seu lugar nas empresas da região ou no turismo, que tem vindo a desenvolver-se mais recentemente em torno de um spa natural, a Lagoa Azul. A cidade, em conjunto com as empresas, relançou a escola de pescas, que pretende formar quadros médios para as empresas da região.
Robert, 37 anos, antevê que “dentro de dez anos, as fábricas só terão trabalhadores estrangeiros”, o que na sua opinião, acabará por implicar um menor envolvimento nas empresas e pôr em causa a sustentabilidade do sector.
Grindavik tem 70% a 80% da sua economia assente nas pescas, mas Robert não descura o turismo e “o elevado potencial de desenvolvimento que ainda tem”. Grindavik, que fica a cerca de 40 quilómetros da capital, tem falta de hotéis e o presidente da câmara espera que esse seja outro pólo de atracção dos jovens da cidade.
Investir na inovação
Perante o peso das pescas na economia islandesa, a aposta do país é na sustentabilidade. Existe um sistema de quotas definidas anualmente pelo governo, tendo como base as recomendações do Instituto de Pesquisa Marinha, que determina a quantidade de peixe capturada. Cada empresa não pode ter mais do que 10% da quota total.
“Não há outro caminho do que estar focado no longo prazo”, nota Johann Sigurjonsson, director daquele instituto, que explica que ao longo dos últimos anos as quotas têm permitido controlar as populações de peixes e aumentar a longevidade das fêmeas.
“Durante a crise, a indústria e o governo decidiram juntar-se para promover a pesca sustentável”, nota o ministro das Pescas que acumula com a pasta da indústria.
Outra coisa que a crise trouxe consigo foi uma maior pressão para valorizar tudo o que sai do mar. Nada se desperdiça. É proibido rejeitar peixe no mar e nas fábricas de processamento de peixe tudo é utilizado. Isso levou a que nos últimos anos se tenha desenvolvido à volta das pescas um sector inovador, que emprega jovens qualificados e apostado em novos produtos. É na área da inovação que o emprego tem crescido.
A Zymtec é uma das empresas que está a crescer à custa da inovação. Desenvolveu um produto a partir das enzimas do bacalhau que é usado nos cosméticos e produtos farmacêuticos, tendo parceiros em vários países europeus. Bjarki Stefansson é o director de pesquisas da empresa e faz parte dos jovens que vêem na inovação o futuro, longe do sonho da alta finança que atraiçoou muitos.
Uma portuguesa perto do pólo
Teresa Silva chegou à Islândia um ano antes da crise estalar. Com uma licenciatura em biologia marinha no bolso, veio ter com o pai, depois de passar oito meses à procura de trabalho em Portugal sem sucesso. Durante quase três anos trabalhou numa fábrica de peixe. Agora está a terminar um doutoramento sobre o krill (crustáceos semelhantes aos camarão) com uma bolsa paga pelo Instituto de Pesquisa Marinha, em Reiquiavique.
Grávida de quatro meses, não tenciona regressar a Portugal. A família mudou-se toda para os pólos. “A nossa vida é aqui”, diz sentada à secretária do gabinete com uma vista rasgada sobre as montanhas nevadas.
Como ela estão os cerca de 400 portugueses que vivem em Reiqiavique. Teresa não se incomoda com o facto de no inverno amanhecer já perto das 10 da manha e anoitecer a partir das três e meia da tarde. Prefere destacar as 15 piscinas de que pode usufruir em Reiquiavique. O equivalente à ida ao café em Portugal. Toda a gente vai à piscina ao final do dia, com a família ou com os amigos.
Não é só a pesca que se está a reafirmar na Islândia. O turismo é cada vez mais um sector de futuro. Também por isso, a capital Reiquiavique está em transformação. O antigo porto regenera-se com restaurantes, bares, hotéis com ar acabado de estrear. Essa zona da cidade está na moda e à noite enche-se de jovens e executivos. No início de Dezembro, a cidade estava enfeitada para o Natal. A riqueza da Islândia está nas suas águas e também na sua paisagem. Pedra vulcânica decorada, nesta altura, pela brancura da neve. Não há árvores na ilha, e os pinheiros são importados da vizinha Dinamarca.
A jornalista viajou a convite da Promote Iceland