Um Messias à procura das suas raízes barrocas

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Clint van der Linde DR

Ao contrário da maior parte dos seus contemporâneos, Handel foi um dos primeiros compositores a usufruir de uma tradição interpretativa ininterrupta, na qual a oratória Messias ocupa um lugar primordial. Estreada em Dublin em 1742, passou a ser apresentada anualmente em Inglaterra a partir de meados de setecentos e foi estreada em cidades como Florença, Hamburgo e Mannheim poucos anos depois da morte do compositor.

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Ao contrário da maior parte dos seus contemporâneos, Handel foi um dos primeiros compositores a usufruir de uma tradição interpretativa ininterrupta, na qual a oratória Messias ocupa um lugar primordial. Estreada em Dublin em 1742, passou a ser apresentada anualmente em Inglaterra a partir de meados de setecentos e foi estreada em cidades como Florença, Hamburgo e Mannheim poucos anos depois da morte do compositor.

No século XIX converteu-se numa forma de propaganda do Império Britânico (sendo interpretada com efectivos vocais e instrumentais de enormes dimensões) e no século XX ganhou em diversidade de abordagens, incluindo o campo das práticas históricas da música antiga. O próprio Handel nunca seguiu rigorosamente a sua primeira versão da partitura e, como era hábito na época, o Messias foi regularmente revisto em função das circunstâncias de cada nova execução.

Como tal, muitas são as opções interpretativas em aberto. Nos concertos de Natal de 2013, a Orquestra Metropolitana procurou seguir a linha proposta pelo seu novo director artístico (Pedro Amaral) que, na conferência de divulgação da temporada, destacou como objectivo “a aposta no amadurecimento da interpretação da música barroca numa perspectiva historicamente informada”. Essa preocupação estilística é pertinente, ainda que a orquestra possua instrumentos modernos (pelo que há aspectos de colorido tímbrico e técnicas de execução que serão sempre distintos) e que a maior parte dos seus membros não tenha especialização nessa área.

Nesta perspectiva, optou-se por uma formação reduzida à maneira dos agrupamentos de época (10 violinos, 3 violas, 3 violoncelos, 2 contrabaixos, 2 oboés, fagote, 2 trompetes, órgão, cravo e tímpanos) de modo a ficar equilibrada com o Coro de Câmara Lisboa Cantat, com apenas 16 cantores. Neste último caso não era preciso exagerar na dimensão minimalista (nalgumas das primeiras apresentações do tempo de Handel o coro tinha cerca de 20 vozes).

É certo que muitos dos exaltantes coros da obra, com as suas texturas imitativas em fugato e figurações rítmicas velozes que põem à prova a agilidade dos cantores, beneficiam com a transparência de um coro mais reduzido, mas há momentos da obra que pedem maior plenitude sonora, em especial na última parte.

Há que dizer que o Coro Lisboa Cantat, dirigido por Jorge Alves, correspondeu muito bem ao desafio, cantando com brilho, clareza, expressividade e um bom balanço dinâmico. Revelou apenas algum cansaço e menos apuro nalgumas das intervenções finais ou nas passagens sem o suporte da orquestra.

A direcção de Marcos Magalhães, que além de cravista se tem destacado como maestro especializado no Barroco, foi responsável por uma transmissão da obra atenta ao estilo e aos códigos do discurso da música setecentista (por exemplo em matéria de fraseados e articulações), à qual a Metropolitana correspondeu de forma apreciável, ainda que possa vir a solidificar esse tipo de abordagem no futuro e não obstante pontuais dessincronizações.

Quanto aos solistas, destacou-se o contratenor Clint van der Linde pelo seu belo timbre, desenvoltura técnica e interpretação eloquente das árias que Handel dedicou à voz de contralto. No final da primeira parte fez uma óptima parceria com a soprano Sara Braga Simões, cantora de voz cristalina, que mostrou uma dicção e pronúncia de grande nitidez e uma elegante expressividade.

O baixo João Fernandes, com a sua voz poderosa, fez justiça à sua reputação internacional no plano técnico e artístico num desempenho que culminou na famosa ária The trumpet shall sound, em diálogo com o ágil trompete solista, e o tenor Mário João Alves teve uma prestação eficaz, ainda que um pouco aquém de outras actuações a que temos assistido ao longo da sua carreira.