Erdogan contra-ataca na grande luta de poder aberta na Turquia
Um escândalo de corrupção que não pára de aumentar envolve muitos aliados do primeiro-ministro, este diz que o país “nunca foi sujeito a um ataque tão imoral”.
Sob pressão, Erdogan contra-ataca: este sábado acusou “grupos internacionais” e “alianças sombrias” de estarem por trás dos processos que já levaram à detenção de 24 pessoas, incluindo filhos de ministros, banqueiros e políticos membros do seu AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento). Entretanto, já afastara cinco oficiais da polícia de Istambul, acusando-os de “ultrapassarem o seu poder”; os media turcos dizem que mais 18 responsáveis da polícia foram afastados em Ancara – numa e noutra cidade os demitidos são membros da direcção financeira, a unidade que comanda as duas investigações.
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Sob pressão, Erdogan contra-ataca: este sábado acusou “grupos internacionais” e “alianças sombrias” de estarem por trás dos processos que já levaram à detenção de 24 pessoas, incluindo filhos de ministros, banqueiros e políticos membros do seu AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento). Entretanto, já afastara cinco oficiais da polícia de Istambul, acusando-os de “ultrapassarem o seu poder”; os media turcos dizem que mais 18 responsáveis da polícia foram afastados em Ancara – numa e noutra cidade os demitidos são membros da direcção financeira, a unidade que comanda as duas investigações.
Sábado, a justiça mandou deter 16 pessoas, incluindo os filhos dos ministros do Interior, Muammer Güler, e da Economia, Zafer Caglayan, o director geral do maior banco público, o Halk Bankasi, Suleyman Aslan, e o empresário Reza Zerrab. Outros suspeitos ficaram em liberdade, enquanto aguardam a conclusão do inquérito. Foi o que aconteceu ao presidente do município de Fatih, da grande Istambul, Mustafa Demir, membro do AKP investigado num caso de pagamento de luvas em concursos públicos de construção. Um caso paralelo investiga suspeitas de corrupção, fraude e branqueamento de capitais em vendas de ouro e transacções financeiras entre a Turquia e o Irão.
Erdogan e aliados disparam acusações. Os culpados são “o Estado profundo”, que o AKP acredita incluir parte da oposição kemalista, as Forças Armadas e o poder judicial; “o Estado paralelo”, dominado por grupos religiosos, e “conspiradores internacionais”.
“Certos embaixadores estão empenhados em acções de provocação", afirmou Erdogan, num encontro com apoiantes numa cidade junto ao Mar Negro. “Não somos obrigados a manter-vos no nosso país”, ameaçou, sem nomear ninguém mas a pensar no embaixador norte-americano, Francis Ricciardone. “Fora deste país”, titulou o jornal Yeni Safak, a propósito de Ricciardone, que alguns media pró-Governo dizem ter pedido ao Halbank para cortar todos os laços com o Irão por causa das sanções internacionais.
Como fez no Verão, durantes os protestos sem precedentes, Erdogan insiste nas teorias da conspiração, acusando os poderes que o seu próprio poder porá em causa. “Há alianças extremamente sujas nesta invenção, alianças sombrias que não podem tolerar a nova Turquia, a grande Turquia.” E dramatiza: “A Turquia nunca foi sujeita a um ataque tão imoral.”
O imã zangado
O outro nome que Erdogan não nomeia mas que todos na Turquia ouvem quando ele fala é o de Fethullah Gülen, o imã que lidera uma rede global de escolas e instituições de caridade com milhões de seguidores. Fundamental da ascensão política de Erdogan, e na guerra que este lançou contra a influência dos militares, autores de três golpes de Estado ao longo do século XX, Gülen colocou os seus seguidores nos serviços secretos e na justiça.
Os dois foram-se afastando e a guerra aberta começou nas últimas semanas, quando o Governo decidiu fechar escolas privadas de preparação para os exames de acesso à universidade, argumentando que davam uma vantagem injusta aos alunos com dinheiro. As escolas eram uma importante fonte de financiamento para o Hizmet (Serviço), o movimento de Gülen. Segundo a imprensa turca, o procurador de Istambul que está a liderar a investigação de corrupção, Zekeriya Oz, é muito próximo de Gülen.
“Os que não vêem o ladrão mas tentam apanhar os que se esforçam por apanhar o ladrão, os que não vêem o assassino mas tentam difamar outros ao acusar pessoas inocentes – que Deus traga o fogo às suas casas, arruíne as suas casas, quebre a sua unidade”, disse Gülen, numa declaração publicada na sexta-feira num dos seus sites.
A batalha de Istambul
A oposição pede a demissão dos ministros cujos filhos estão sob investigação e do próprio Erdogan. “A Turquia precisa de uma classe política e de uma sociedade limpas”, disse o presidente da principal formação da oposição, o Partido Republicano do Povo (CHP), Kemal Kiliçdaroglu, chamando “ditador” ao primeiro-ministro.
Para limitar os custos políticos deste caso Erdogan poderia deixar cair os ministros. Claro que isso seria admitir uma derrota e esse não é definitivamente o seu estilo. Apesar da dimensão do seu movimento, a força eleitoral de Gülen não é fácil de medir. Alguns membros do partido no poder temem que o religioso esteja a tentar dividir o AKP – já houve demissões, como a de Hakan Sukur, ex-estrela de futebol eleito deputado – e financiar uma formação rival.
A maioria dos que saíram à rua no Verão são jovens seculares e de esquerda; os apoiantes de Gülen são religiosos e conservadores. Mas ambos consideram Erdogan um autoritário e essa união de ódios pode virar-se contra o homem que dominou a política turca na última década.
“Começou uma grande luta política na Turquia”, diz Soner Cagaptay, director do programa turco do think tank The Washington Institute, citado pela Reuters. Para este analista, será preciso esperar pelas municipais e pelos resultados em Istambul para saber quem está a ganhar. “Se o movimento de Gülen conseguir usar a sua influência entre os eleitores e a sua base financeira para virar a corrida a favor da oposição, vai provar ser um poder efectivo contra Erdogan. Se Erdogan vencer em Istambul, apesar de Gülen, vai emergir como a figura política mais dominante da história moderna da Turquia.”