Secretismo e desencontros no primeiro dia de liberdade de Khodorkovski

Logo após sair da prisão, o ex-magnata do petróleo seguiu para a Alemanha, onde a sua mãe de 79 anos tem sido tratada a um cancro. Mas ela estava em Moscovo.

Foto
Khodorkovski foi recebido à chegada a Berlim pelo ex-ministro Hans-Dietrich Genscher khodorkovsky.ru/REUTERS

Mas a mãe de Khodorkovski estava em Moscovo, à espera de notícias do seu filho. A libertação de Khodorkovski fez-se no maior dos segredos, sem avisar ninguém – a advogada de defesa que o devia ir esperar desencontrou-se dele, levaram-no da colónia penal de Segezha, perto da fronteira com a Finlândia, horas antes de ela lá chegar, possivelmente de helicóptero, para a cidade de Petrozavodsk ou então para São Petersburgo.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Mas a mãe de Khodorkovski estava em Moscovo, à espera de notícias do seu filho. A libertação de Khodorkovski fez-se no maior dos segredos, sem avisar ninguém – a advogada de defesa que o devia ir esperar desencontrou-se dele, levaram-no da colónia penal de Segezha, perto da fronteira com a Finlândia, horas antes de ela lá chegar, possivelmente de helicóptero, para a cidade de Petrozavodsk ou então para São Petersburgo.

“Foi uma operação dos serviços secretos: queriam a menor publicidade possível, nada de jornalistas, fazer tudo de forma escondida. Khodorkovski nem pôde telefonar à sua mãe nem à mulher depois de ser libertado”, disse à AFP a jornalista da oposição Zoia Svetova.

Khodorkovski foi libertado às 12h20 (hora local) e pediu logo documentos para viajar para o estrangeiro, diz a televisão russa RT. Mas só pelas 17h00 (mais três horas do que em Lisboa) é que na Rússia se soube do seu paradeiro: estava a caminho da Alemanha, para se encontrar com a mãe, que está a fazer tratamentos contra o cancro em Berlim. Só que a mãe estava em Moscovo, à espera de notícias do seu filho.

“Não sei por que é que o Mikhail foi para a Alemanha para me ver. Estive lá a tratar-me, mas agora estou na região de Moscovo. Ele não me telefonou”, disse Marina Khodorkovski à agência ITAR-TASS, confusa com os passos do filho.
O estado de saúde da mãe de Khodorkovski tinha sido citado na quinta-feira por Vladimir Putin para justificar a decisão de amnistiar Khodorkovski.

O jornal Kommersant, citando fontes não identificadas, tinha adiantado uma possível explicação para o comportamento de Khodorkovski: terá sido visitado na prisão de Segezha, junto da fronteira com a Finlândia, por membros dos serviços secretos, que o convenceram de que o estado de saúde da mãe se estava a agravar, e que era provável que avançasse um terceiro processo contra ele, o que resultaria no aumento da pena de prisão.

Esta conversa passou-se sem a presença de um advogado e os agentes secretos terão levado Khodorkovski a escrever uma carta ao Presidente Putin, o que implicaria reconhecer-se culpado, algo que ele sempre recusou fazer. Isto explica também por que é que os advogados de Khodorkovski nada sabiam.

Numa declaração colocada no seu site, Khodorkovski, diz que escreveu a Putin, mas não se deu como culpado: “A 12 de Novembro, dirigi-me ao Presidente russo solicitando um perdão da pena, devido a circunstâncias familiares. Mas não pedi clemência”, escreveu.

Agradeceu aos que o apoiaram durante os dez anos que passou na prisão – era considerado um prisioneiro de consciência, por se ter recusado a alinhar com Vladimir Putin – e é na família que diz estar a pensar: “Estou impaciente pelo momento em que possa abraçar a minha família e apertar a mão pessoalmente a todos os meus amigos e colegas.”

Qual é o futuro imediato do homem que antes de ser preso, em 2003, era o homem mais rico da Rússia e, possivelmente, o candidato presidencial de oposição a Putin? Os seus meios económicos já não são os de antigamente, quando a sua companhia, a Yukos, chegou a valer 36 mil milhões de dólares, mas a maior parte dos poços de petróleo passaram para a empresa estatal Rosneft, para pagar impostos que seriam devidos ao Estado – foi por isso que Khodorkovski foi preso.

Se o eco de Soljenitsin, autor do Arquipélago de Gulag, se notou no dia da sua saída da prisão (o célebre dissidente russo foi expulso para a Alemanha há 40 anos), há russos que conseguem dizer o nome de Khodorkovski e de Mandela no mesmo fôlego, comparando a evolução política e espiritual de ambos na prisão. “Ele é um dos nossos mais destacados activistas sociais, talvez o mais proeminente”, afirmou o escritor pró-oposição Victor Senderovitch na rádio independente Echo Moskvy, citado pelo Christian Science Monitor. “Sem dúvida continuará a fazer activismo social depois de libertado.”

Khodorkovski chegou à Alemanha com ajuda do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Hans-Dietrich Genscher e a cidade-estado de Berlim passou-lhe um certificado que lhe permite viajar durante um ano no espaço Schengen. Pode ser uma referência para a oposição a partir do estrangeiro, se o desejar. Mas pode incomodar menos Putin fora da prisão, quando se aproximam os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi (Fevereiro), nos quais o Presidente russo se empenhou pessoalmente em transformar numa montra da nação, num momento em que  o crescimento económico russo é o mais fraco dos últimos anos.