O destino marca a hora. E o relógio de Portas?
Há um ano, Mario Draghi ditou o destino do euro numa frase. Agora, fez o mesmo a Portugal.
Por essa altura, o mais provável é que o tal relógio, caso ainda exista, assinale a entrada de Portugal na hora Mario Draghi. Ou seja, o momento em que entrarmos no programa cautelar, que ainda é a melhor hipótese de nos safarmos do enorme bico-de-obra em que estamos metidos.
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Por essa altura, o mais provável é que o tal relógio, caso ainda exista, assinale a entrada de Portugal na hora Mario Draghi. Ou seja, o momento em que entrarmos no programa cautelar, que ainda é a melhor hipótese de nos safarmos do enorme bico-de-obra em que estamos metidos.
O tempo, ensinou-nos Einstein, é relativo. Os programas cautelares, resgates e o mais que está para vir no chamado ‘pós-troika’ também pertencem ao domínio do relativo. Mas isso não é razão para o debate político sobre o que virá depois da troika ter chegado à quinta dimensão.
Por conta dos irlandeses, que não têm culpa nenhuma disso, anda aí uma excitação com a ideia de que vamos sair do nosso programa “à irlandesa”, isto é, sem quaisquer ajudas. Di-lo o líder da oposição, António José Seguro, que há meses alimenta o devaneio de que resgate e programa cautelar são uma e a mesma coisa, quando está farto de saber que isso não é verdade.
A maioria agarrou esta onda, mas em vez de dramatizar deu-lhe um toque eufórico (Guiness? Jameson?), sugerindo, com latina virilidade, que também os portugueses se haveriam de levantar do chão sem ajudas.
O tempo é uma ilusão, lembrava ainda Einstein, e por isso quem quiser que cultive as suas. Basta não ter um pingo de vergonha na cara. O relógio da contagem decrescente é uma brincadeira de mau gosto e uma desconsideração para com os sacrifícios dos portugueses que Paulo Portas elogia, no seu nacionalismo de loja chinesa. Porque transforma a crise num espectáculo e cria a ilusão de uma saída que não existe.
O destino marca a hora e o futuro não tem dono, cantava Tony de Matos quando a televisão era a preto e branco e já havia relógios digitais, mas só nos foguetões que iam para a Lua que víamos partir na televisão quando chegava ao fim a contagem decrescente em inglês.
Mas quando o relógio que está no Largo do Caldas exalar o seu definitivo zero, o país não descolará rumo ao crescimento económico para entrar na órbita da prosperidade, enquanto cá na terra os da maioria defenestram os infiéis que conjuraram contra a retoma (Tribunal Constitucional e companhia) e só atrapalharam com profecias da desgraça enquanto o Governo, coitadinho, trabalhava muito para resolver os problemas dos portugueses, coitadinhos.
A hipocrisia do relógio é essa: um governo que fez tudo mal anuncia um final feliz irreal aos governados que sofreram (e sofrem) as consequências desses erros.
O tempo passa e o homem não percebe, escreveu Dante na Divina Comédia. E por isso os portugueses repetem sempre o mesmo erro. O Governo Sócrates foi enterrado como culpado de todos os males e elegeu-se este que, com eleições à perna, insiste em dizer que nos veio curar dos males do passado e que ao passado devemos atirar as culpas do purgatório do resgate. Imaginando-se a seguir que há uma aliança entre o Governo que governa e o povo que sofre, duas vítimas por igual do passado, como se o Governo não fosse provido de responsabilidade.
Que não o seja é no entanto uma hipótese a ter em conta, ou não andaria a publicitar relógios de pechisbeque. Ninguém recupera soberania nenhuma daqui a seis meses, porque com ou sem programas no pós-troika não nos livraremos do mesmo conjunto de regras e de políticas que estão a ser aplicadas desde que o resgate começou. Além de que a Europa é e continuará a ser um espaço de soberania partilhada, não de “protectorados”. Só pode haver “1640” para os que defendem a saída do euro. Além de que o próximo programa nunca será conduzido por nenhuma troika (mas sim pelo BCE e pela Comissão Europeia), como toda a gente sabe, pelo que não custa nada festejar a saída da troika.
Os dias talvez sejam iguais para um relógio, mas não para um homem, escreveu Marcel Proust. Porque Mario Draghi e Paulo Portas são homens diferentes, não admira que as suas memórias futuras sejam tão díspares. O presidente do BCE apenas disse alto aquilo que de repente toda a gente estava a fazer de conta que não ia acontecer. E sabemos qual dos dois é o que não costuma enganar-se.
Há um ano, Draghi salvou o euro com uma frase; agora, ditou o destino de Portugal da mesma maneira. Faria bem o dr. Portas em deixar de dar corda ao seu relógio digital. É que Mario Draghi, o banqueiro italiano, foi o que ouviu melhor Tony de Matos. Ele marcou a hora: se o destino nos condena/não vale a pena/lutarmos mais. Arrume lá o relógio, dr. Portas, antes que ele se transforme numa bomba-relógio. É mais uma razão para estar longe dele quando chegar a hora zero. Então, o tempo já terá revelado o que está escondido hoje.E, nessa altura, não vale a pena chorar outra vez pelo tempo perdido.