Uma amnistia à medida das Pussy Riot para aliviar Putin

Parlamento russo aprovou uma lei que amnistia acusações de vandalismo. Integrantes da banda punk serão libertadas e os 30 activistas da Greenpeace devem poder voltar aos seus países

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Nadezhda Tolokonnikova e Maria Aliokhina foram condenadas a dois anos de prisão NATALIA KOLESNIKOVA/AFP

No sistema judicial russo não são comuns as amnistias. Esta foi proposta por Vladimir Putin para assinalar os 20 anos da assinatura da Constituição da Rússia, e elaborada pelo Conselho de Direitos do Homem que aconselha o Presidente, antes de ser apresentado à Duma, a câmara baixa do Parlamento, que esta quarta-feira a aprovou por unanimidade.

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No sistema judicial russo não são comuns as amnistias. Esta foi proposta por Vladimir Putin para assinalar os 20 anos da assinatura da Constituição da Rússia, e elaborada pelo Conselho de Direitos do Homem que aconselha o Presidente, antes de ser apresentado à Duma, a câmara baixa do Parlamento, que esta quarta-feira a aprovou por unanimidade.

Será uma tentativa de acalmar o mar de críticas ocidentais sobre o desrespeito pelos direitos humanos e a liberdade de expressão na Rússia, sobretudo quando se aproximam os jogos de Olímpicos de Inverno de Sochi, em Janeiro de 2014, uma importante montra para o regime de Putin.

O conceito, como diz a rádio Voice of Russia poderia aplicar-se a cerca de 25 mil pessoas, embora o número de pessoas libertadas – ao longo dos próximos seis meses – possa vir a ser menor. Fala-se em 10 mil pessoas, ou em 2000. A população prisional russa anda pelas 700 mil pessoas.

Quem será abrangido serão “os condenados, acusados ou suspeitos socialmente mais desprotegidos”, seguindo a Voice of Russia: “As categorias com direito à amnistia incluíam pessoas que tenham cometido crimes quando eram menores, mulheres com filhos menores, mulheres grávidas, mulheres com mais de 55 anos e homens com mais de 60, pessoas com deficiências graves, bem como liquidadores do desastre nuclear de Tchernobil, militares, polícias, guardas penitenciários e pessoas que estiverem em zonas de combate para a protecção da pátria”, na tradução da lei feita pela rádio internacional russa. A amnistia será conferida a quem tenha sido condenado a menos de cinco anos de prisão e nunca tenha cumprido pena.

Uma emenda Greenpeace
Estas condições tornam a amnistia aplicável às duas integrantes da banda punk Pussy Riot presas, Nadezhda Tolokonnikova, de 24 anos, e Maria Aliokhina, de 25 anos. Ambas têm filhos pequenos – Tolokonnikova tem uma filha de cinco anos e Aliokhina tem um filho com a mesma idade. “É uma amnistia muito limitada. Mas estou muito contente por se aplicar às minhas clientes”, disse à Reuters Irina Khrunova, advogada das Pussy Riot.

Na semana passada, o Supremo Tribunal russo ordenou ainda que fosse revisto o julgamento das Pussy Riot, que foram condenadas cantarem uma “oração punk” na catedral de Cristo Redentor, em Moscovo, considerando que não houve prova suficiente da sua culpa e que o tribunal não considerou factores atenuantes, nomeadamente a sua idade e o facto de terem filhos muito jovens.

O julgamento foi uma extraordinária encenação, em que a juíza Marina Sirova impediu todas as tentativas da defesa de apresentar o acto como A sentença continha avaliações psicológicas das três Pussy feitas pela própria juíza, que considera que as três mulheres sofrem de “desordens de personalidades mistas”, que incluem “uma abordagem pró-activa da vida”, “defesa teimosa da sua opinião”, “inclinação a comportamentos de oposição” e “propensão a reacções de protesto”.

Quanto aos activistas da Greenpeace, serão abrangidos pela amnistia devido a emendas introduzidas já no Parlamento para que abranja também pessoas que ainda não foram condenadas, que ainda estão a ser alvo de inquérito judicial – como é o seu caso.

Abordados em alto mar em Setembro quando protestavam contra a exploração petrolífera no Árctico, e tentavam escalar uma plataforma da companhia estatal russa Gazprom, os tripulantes do Arctic Sunrise foram acusados de pirataria, um crime que não lhes permitia serem libertados sob caução. A acusação foi entretanto transformada em vandalismo, o que já permitiu a sua libertação. Mas são 30 pessoas, de 17 países, sem vistos válidos para saírem da Rússia. Como se resolverá essa questão ainda não é claro.

“Pode ser que em breve esteja a regressar para a minha família, mas nunca devia ter sido acusado e preso”, disse o capitão do Arctic Sunrise, o norte-americano Peter Wilcox. “Navegámos para Norte para dar testemunho de uma profunda ameaça ambiental, mas o nosso navio foi atacado por homens mascarados com facas e armas de fogo… os criminosos nunca fomos nós”, afirmou, citado pela Reuters, depois de conhecer o resultado da votação na Duma.

A sua prisão foi alvo de um grande movimento de protesto internacional, que mobilizou prémios Nobel e artistas populares — até Paul McCartney pediu a sua libertação. O líder da Greenpeace Internacional ofereceu-se para ser preso na Rússia, em troca dos 30 detidos. A Holanda ofereceu-se para levar o caso do Arctic Sunrise ao Tribunal Internacional para a Lei do Mar da ONU.


Mas casos como o de Mikhail Khodorkovsky, o ex-homem mais rico do mundo, e cujas ambições políticas, consideradas perigosas por Putin, o levaram para a prisão, depois de ter sido julgado por roubo, não são abrangidos pela amnistia.

A amnistia só entra em vigor quando for publicada no jornal oficial – o que se espera que aconteça já quinta-feira. Só então se iniciarão os trâmites de libertação, pelo menos no caso das Pussy Riot – que, sem a amnistia, acabariam de cumprir a pena de dois anos a que foram condenadas em Março.

Alyokhina está a cumprir a pena numa prisão na cidade de Nizhny Novgorod, e Tokolonnikova foi recentemente transferida da Mordovia, uma região conhecida pelos gulags dos tempos soviéticos, para a cidade de Krasnoyarsk, na Sibéria. Ela fez chegar ao exterior notícia de que ali as condições são ligeiramente melhores do que na Mordovia, a partir de onde ela tinha publicado uma longa carta pública descrevendo condições de trabalho que se aproximavam da escravatura e castigos cruéis.