Doente com cancro processa IPO por recusa de medicamentos inovadores

Com um cancro da próstata em estado avançado, Luís Duarte, 59 anos, lamenta ter sido “arquivado na galeria dos ‘sem- remédio’”. “Por favor, decida já”, pede ao ministro da Saúde.

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Paulo Pimenta

“Em causa estão o direito à vida e à protecção na saúde”, alega o seu advogado, Paulo Ferraz. A intimação que nesta terça-feira vai ser apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto é uma espécie de providência cautelar, mas com carácter definitivo e que, em teoria, implica que seja marcada uma audiência no prazo de 48 horas, explica. Face a esta “situação dramática”, justifica-se invocar o carácter de urgência, acrescenta.

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“Em causa estão o direito à vida e à protecção na saúde”, alega o seu advogado, Paulo Ferraz. A intimação que nesta terça-feira vai ser apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto é uma espécie de providência cautelar, mas com carácter definitivo e que, em teoria, implica que seja marcada uma audiência no prazo de 48 horas, explica. Face a esta “situação dramática”, justifica-se invocar o carácter de urgência, acrescenta.

“Estão a negar-me o direito à vida, ao contribuir para que a minha sobrevivência seja reduzida”, corrobora Luís, um engenheiro civil reformado que nos últimos meses se tem desdobrado a enviar cartas para o IPO, para as mais diversas entidades e até para o ministro da Saúde. Inconformado com o teor das respostas que recebeu, decidiu avançar para tribunal, por considerar que é a única alternativa que lhe resta. Luís Duarte é doente do IPO do Porto desde 2005. Depois de lhe ter sido diagnosticado um cancro da próstata, removeram-lhe o carcinoma nesse ano, mas teve uma recidiva em 2010. Após uma cirurgia radical, fez hormonoterapia, mas no ano passado foram-lhe detectadas metástases nos pulmões. Submetido a uma cirurgia torácica, diagnosticaram-lhe mais tarde metástases no fígado.

Em Abril deste ano, começou a fazer sessões de quimioterapia com docetaxel, tratamento que interrompeu no final de Agosto, quando se percebeu que não estava a resultar. Nessa altura, os médicos propuseram que fosse tratado com outra substância, cabazitaxel (por via endovenosa), porque este seria o fármaco mais fácil de disponibilizar no IPO. Como aguarda a conclusão do estudo fármaco-económico na Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed), pediram autorização de utilização especial “para tratamento paliativo de segunda linha, dado o benefício na sobrevivência global comprovado”. Na altura, os médicos falaram-lhe também na hipótese de tratamento com abiraterona e enzalutamida, duas substâncias igualmente indicadas para o seu caso, com a vantagem de serem fornecidas em comprimidos.

Desde essa altura, Luís espera uma decisão sobre o tratamento a ministrar e pediu cópia do despacho de não autorização, sem sucesso. Em carta enviada em 22 de Outubro, o director clínico do IPO, Machado Lopes, justificava que os medicamentos em questão “ainda não se encontram autorizados para uso hospitalar no Serviço Nacional de Saúde [SNS]” e acrescentava que “a abiraterona está disponível em farmácia de oficina (pública) mediante simples receita médica”. O fármaco custa cerca de três mil euros por mês.

“O IPO suspendeu o meu tratamento sem explicação”, indigna-se Luís, que continua a ser acompanhado no hospital, com hormonoterapia e medicamentos para as dores. “Resta-me concluir que o IPO desistiu do meu caso”, sintetiza, em carta enviada para a administração a 12 de Novembro, lamentando ter sido “arquivado” na “galeria dos sem-remédio”.

Administrador diz que “não se pode dar tudo a todos”
Luís ainda tentou ser tratado no Hospital de Santa Maria da Feira, por lhe terem dito que aí estavam a disponibilizar abiraterona e a enzalutamida. Chegou a assinar o consentimento informado para ser tratado, mas em 30 de Outubro foi publicado um despacho que centralizou nos três IPO do país a decisão final sobre os pedidos de autorização especial. No Hospital da Feira, disseram-lhe então que teria de ser tratado no IPO do Porto.

Desesperado, no início deste mês, decidiu mandar uma carta ao ministro da Saúde, em que conta a sua história. “Tenho 59 anos, quero viver o mais possível. Por favor, decida já”, pediu.

O presidente do conselho de administração do IPO do Porto, Laranja Pontes, explicou ao PÚBLICO que a abiraterona está disponível na farmácia, “por opção do laboratório, que só ao fim de alguns anos apresentou o pedido de avaliação fármaco-económico” no Infarmed e defendeu que “o valor acrescentado” desta substância “é relativamente diminuto”.

Confrontado com o facto de o Instituto Nacional de Saúde e Excelência Clínica inglês (o Nice, que é uma espécie de conselho consultivo do medicamento do Governo daquele país) ter aprovado a utilização de abiraterona no SNS britânico, depois de numa primeira fase o ter negado, Laranja Pontes sublinhou que, no Reino Unido, o laboratório “reduziu o preço em 40%”.

“Estes medicamentos usam-se em situações paliativas, quando falham os mais promissores. São medicamentos de terceira ou quarta linha”, sustenta Laranja Pontes, garantindo que Luís não foi abandonado. “Nos cancros avançados, faz-se tratamento paliativo. Não é obrigatório nem é possível dar tudo a todos os doentes”, frisa. Sobre o caso em concreto, não quis falar, remetendo explicações para a direcção clínica do IPO.

Em resposta escrita enviada ao PÚBLICO, Machado Lopes garante que Luís Duarte foi esclarecido sobre a situação legal dos fármacos e que está a ser tratado “de acordo com os protocolos aprovados na instituição para a [sua] situação clínica”. Quanto ao despacho de não autorização, alega que “a comunicação interna não está acessível nem disponilizável aos utentes”.

Medicamento é fornecido noutros hospitais do país
Uma das substâncias que Luís Duarte reclama, a abiraterona, está a ser fornecida em muitos hospitais do país, garante o director do serviço de oncologia do Hospital do Barreiro e ex-presidente do colégio de oncologia da Ordem dos Médicos, Jorge Espírito Santo. Os outros dois fármacos já foram aprovados pela agência europeia do medicamento (EMA, em inglês), estando a aguardar o resultado da avaliação fármaco-económica no Infarmed, em Portugal, explica.

Os três são medicamentos indicados para tratar cancro da próstata metastizado, podendo os hospitais pedir autorizações de utilização especial para os comprar, acrescenta, sublinhando que está provado que prolongam a sobrevivência dos doentes, o que no caso da abiraterona pode chegar "quase aos dois anos".

O médico acredita que estes medicamentos deviam ter preços mais baixos ou que se poderia chegar a um acordo sobre a partilha de custos com a indústria farmacêutica. O problema, nota, é que “há uma tendência para se confundir a negociação de preços [com os laboratórios farmacêuticos] com a eficácia e a segurança” dos medicamentos. O que “não se pode”, defende, “é pôr em causa o tratamento dos doentes por causa do preço”.