Tratem bem dos bichos, sim?

Quem decide, à viva força, matar ou magoar um animal, ou é inconsciente ou traz o crânio cheio de vento. A insensibilidade é, também ela, sinal de ignorância extrema

Foto
Reuters

Antes de começar, uma confissão: não tenho especial afinidade por animais de companhia. A minha infância foi abençoada com a presença de um cão e de um gato. Como é natural, gostava deles, mas não mais do que dos Playmobil ou dos Lego. Tenho plena consciência de que, só por isto, seria linchado em praça pública pelos activistas dos direitos dos animais, que são aquele grupo de pessoas um bocadinho menos perigoso que a al-Qaeda.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Antes de começar, uma confissão: não tenho especial afinidade por animais de companhia. A minha infância foi abençoada com a presença de um cão e de um gato. Como é natural, gostava deles, mas não mais do que dos Playmobil ou dos Lego. Tenho plena consciência de que, só por isto, seria linchado em praça pública pelos activistas dos direitos dos animais, que são aquele grupo de pessoas um bocadinho menos perigoso que a al-Qaeda.


Ainda assim, estou feliz pela criminalização do abandono e maus tratos aos animais. Acredito que quem não souber cuidar de um animal, tão pouco saberá cuidar de um ser humano. Nesse particular, possuir um polegar oponível não nos torna mais ou menos dignos do que nasceu e evoluiu nesta Terra.


Quem decide, à viva força, matar ou magoar um animal, ou é inconsciente ou traz o crânio cheio de vento. A insensibilidade é, também ela, sinal de ignorância extrema. Sejamos honestos connosco mesmos: um animal possui quase a mesma função que a arte. É preciso cultivá-lo para que ele nos sensibilize e nos torne, acima de tudo, melhor gente. Isto, claro, sem levar à letra aquele absurdo do “gosto mais de cães do que de pessoas” (sim, caríssimos fundamentalistas, é de vós que falo). Da mesma forma, também não é de sã malta amar mais um quadro do Picasso do que o criador da obra.


A presença de um animal objectiva-nos a existência, mas subjectiva-nos a vida. Faz-nos entender o papel que temos (ou, pelo menos, devemos ter), põe-nos no lugar a que pertencemos. Creio que podemos transferir as emoções humanas para um gatinho, ainda que ele não as possua em pleno. Acima de tudo, porque serve o valor nobre de não prejudicar a vida de um ser vivo.


Na prática, ser humano não é apenas existir. Não é apenas estar. Não é apenas buscar a felicidade. Há uma responsabilidade. Baden-Powell afirmava que, sempre que sairmos de um lugar, devemos deixá-lo melhor do que estava antes de lá termos chegado. A vida é também isto. Com tudo. E, mais que tudo, com outros seres vivos. Sejam eles gente ou não. Como diria Carl Sagan, tudo é matéria cósmica e, nesse caso, devemos estar num certo plano de igualdade. Sem exageros ou extremismos, mas sempre com respeito.


Temos a responsabilidade de deixar a secretária arrumadinha e limpa para os netos que aí vierem poderem nela escrever textos melhores que os que um dia dactilografámos. Temos a responsabilidade de educar os filhos com princípios ainda melhores do que aqueles que nos ofereceram os nossos pais. E, mais que nunca, que não neguemos as emoções biológicas com que nascemos nem reneguemos a sensibilidade de espírito que nos deveria definir. Tratem bem dos bichos, sim?