"Milhares estão a ser atirados para fora do sistema educativo"
Diz que se vive “um panorama de grande desolação”. Que o cheque-ensino não vai resolver nenhum problema da qualidade do ensino. “Tenho a certeza absoluta.” Que parece que o Governo quer apenas “arranjar uns cheques”, para que umas famílias possam “sustentar uns colégios em dificuldade”. Maria de Lurdes Rodrigues deixa a FLAD dentro de dias. Não critica o seu antecessor, mas diz que sentiu “urgência” de mudar o modelo de gestão que herdou
Gostava de ter continuado na FLAD?
Se tivesse continuado, teria trabalho para fazer e projectos para desenvolver. Não continuando, tenho trabalho para fazer e projectos para desenvolver. Sei, há alguns meses, que a comissão de serviço não será renovada. Faz parte das regras do jogo.
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Gostava de ter continuado na FLAD?
Se tivesse continuado, teria trabalho para fazer e projectos para desenvolver. Não continuando, tenho trabalho para fazer e projectos para desenvolver. Sei, há alguns meses, que a comissão de serviço não será renovada. Faz parte das regras do jogo.
Faz sentido este ser um lugar partidário, que muda com o Governo?
Não tem sido assim. O anterior executivo teve uma duração longa. E não sei se é partidário... a responsabilidade da escolha do presidente da FLAD é do primeiro-ministro. E é normal, porque a FLAD é uma fundação privada, mas tem uma missão que é de interesse público e foi constituída com dinheiros públicos. No fundo, desenvolve uma actividade complementar à das políticas públicas.
Os americanos olhavam para este lugar como um prémio de consolação do primeiro-ministro. Ou pelo menos foi assim que o descreveram em relação ao seu antecessor Rui Machete. É uma descrição justa?
Não me parece. A FLAD foi dirigida durante 25 anos pelo meu antecessor e é uma instituição não apenas com uma imagem positiva, mas com um património de intervenção na sociedade portuguesa muito positivo. Tem uma história muito interessante e, graças à sua intervenção, houve várias instituições, públicas e privadas, na área da ciência, da economia, que não teriam feito o percurso que fizeram, sobretudo na dimensão da relação com os EUA.
Disse que no seu mandato "sanou os problemas" com os americanos. Que problemas eram esses?
Problemas decorrentes da divergência de perspectivas para as áreas de intervenção da FLAD. Nem sempre a embaixada dos EUA teve razão. Do pouco que conheço, terá tido razão em muitos aspectos. Não me ocupei em perceber os contornos dos problemas que existiam. Mas dou um exemplo: o investimento que a FLAD fez, com a Gulbenkian e a Fundação Oriente, nas energias renováveis. Quer do ponto de vista do desenvolvimento do sector, quer do ponto de vista do retorno que esse investimento trouxe à FLAD, foi muito positivo. Mas essa decisão, que foi muito contestada pela embaixada, a prazo veio a revelar-se muito positiva.
Terá havido outros problemas, mas o que procurei foi, verificando a existência do problema, perceber o que podia fazer para alterar a situação. Percebi que havia questões à volta da forma como o património era gerido e introduzimos mudanças.
Herdou uma casa mal gerida?
Não posso dizer isso. A herança da FLAD é muito positiva. As heranças importam pouco. O que importa é o que fazemos com elas. E às vezes são heranças pequenas que conseguimos transformar em grandes heranças. Outras vezes são heranças positivas que transformamos em negativas. E, por vezes, com as heranças negativas é possível fazer alguma coisa.
O que é que fez?
A FLAD não recebe subsídios do Governo norte-americano, nem do Governo português. Vive exclusivamente do seu património. Desde 2000, com as crises financeiras, que se revelou que era necessário fazer alguma alteração no modelo. Sobretudo depois de 2008.
Mas havia o risco de "degradação do património"?
Havia, de facto, um risco real se tudo continuasse na mesma, porque era um modelo de gestão que vinha desde o início da FLAD, nunca se tinha adaptado a estratégia às novas condições do mercado. Mas em 2010 é muito mais claro o que fazer do que uns anos antes.
O que vemos num telegrama divulgado pela WikiLeaks em 2011 sobre a visão que os americanos tinham da gestão da FLAD pelo seu antecessor é um pouco mais do que o que está a dizer...
Não tenho condições para fazer essa avaliação. A embaixada dos EUA tinha presença no conselho directivo e tinha provavelmente condições para fazer essa avaliação...
Dois anos antes de ter entrado na FLAD, os americanos [num telegrama enviado à secretária de Estado Condoleezza Rice] falavam em despesismo e até na utilização indevida de fundos da FLAD...
Só as pessoas que fizeram essas acusações é que as podem defender. O que posso dizer é que a FLAD tinha despesas estruturais demasiado pesadas. Não tinha rendimento suficiente para suportar as despesas com o funcionamento e os compromissos que assumiu. Não há milagres. Agora, não se muda uma estrutura de um dia para o outro. Foi necessário adequar a dimensão da FLAD àquilo que era a dimensão do património e dos seus rendimentos com uma política muito rigorosa de diminuição de todas as despesas, de alto a baixo.
Quando chegou, na análise que fez, concluiu que a FLAD se tinha exposto excessivamente ao mercado de capitais?
Também não posso dizer isso. Havia um modelo que não estava adaptado aos rendimentos reais e um sistema de dez casas gestoras que geriam o património da FLAD. Muitos investimentos não eram de longo e médio prazo. Isto foi absolutamente necessário mudar.
Optou por investimentos mais prudentes?
Mais seguros, sim. E fazemo-los nós, com assessoria técnica. O que significa ganhos imensos no que respeita às transacções e às comissões de gestão.
O risco de "degradação de património" de que fala foi potenciado por investimentos como a compra de acções da SLN, um investimento de alto risco?
Há sempre um risco associado aos investimentos. Acabei de lhe dar um exemplo de um investimento que foi muito criticado e que foi mesmo muito positivo. Terá havido outros investimentos que não terão corrido tão bem e alguns até terão tido retorno negativo. Não tenho condições para avaliar essas decisões. Mas instituições como a FLAD precisam de uma gestão muito prudente. Se se consome todo o capital, não há mais futuro, porque não haverá outro acordo de cooperação com os EUA.
Quando chegou destapou-se aqui uma panela de pressão? Os americanos sentem hoje que têm mais poder na FLAD?
Nos EUA, uma instituição como a FLAD está obrigada, por lei, a gastar consigo própria uma parte muito reduzida dos seus rendimentos. E está obrigada a afectar ao cumprimento da sua missão a maior parte do seu rendimento. Isto são regras muito estritas, em vigor há muito tempo nos EUA, que orientam, como é evidente, as expectativas que os embaixadores em Portugal têm em relação à FLAD.
E que não eram cumpridas?
Não eram cumpridas porque também não havia o mesmo tipo de exigência em Portugal — pela primeira vez com a lei-quadro das fundações o Governo tentou impor esses limites. Mas, de facto, é uma novidade.
Não senti nenhuma pressão dos EUA. O que senti é que era urgente mudar o modelo de gestão do património — e eu também não era capaz de gerir de acordo com o modelo anterior. A minha perspectiva, o conhecimento que tenho, obrigava-me a que eu fizesse de maneira diferente. O que fiz foi, justamente, estudar o assunto e fazer uma proposta ao conselho directivo de alteração do modelo de gestão e da política de investimento.
Voltando à expressão usada pelo embaixador Briggs no famoso telegrama — a necessidade de a fundação "ser útil aos americanos". A fundação é hoje mais útil aos portugueses ou aos americanos?
A cooperação com os EUA é muito importante para Portugal. Diria que, hoje, ao contrário de há 20 ou 25 anos, é mais importante para Portugal do que o inverso. Portugal não é um país relevante para os EUA, e com a perda da Base das Lajes ainda menos. Mas a relação com os EUA é muito importante para o desenvolvimento das nossas instituições. O esforço que deve haver é financiar as instituições portuguesas na dimensão da cooperação com os EUA, o que também é importante para os EUA. A aceitação dos EUA em Portugal, a valorização, a percepção pública do que são os EUA, é muito positiva e a FLAD teve um contributo importante.
Fez mais diplomacia do que no passado?
O que fiz foi mudar o modelo de gestão, porque entendia que era necessário mudar. Procurei, com a embaixada, e surgiu muito naturalmente, desenvolver programas que interessassem à embaixada e que interessassem à FLAD.
Já era presidente da FLAD quando o célebre telegrama com graves acusações se tornou público. Guardou-o na gaveta, procurou saber?
Sim, há ali acusações graves. Liguei ao Dr. Machete e disse-lhe que lamentava. O que é que eu podia fazer? Não podia fazer mais nada.
Lamentava em que sentido?
Que as coisas fossem tratadas daquela forma. Aquela situação não é agradável nem para Portugal, nem para a FLAD, nem para ninguém.
Lamentava a divulgação pública ou lamentava o que estava escrito?
Lamentava a divulgação pública, porque o que ali estava era a visão unilateral da embaixada dos EUA, o Dr. Machete não tinha oportunidade de dizer coisa nenhuma, eram uns relatórios feitos por uns funcionários da embaixada, em determinadas condições, e permitiram um julgamento na praça pública do Dr. Rui Machete sem que ele tivesse a possibilidade de dizer o que fosse.
O que é que ele lhe disse quando lhe telefonou?
Não me recordo. Nada de especial.
Mas se as suspeitas são reveladas, para a própria imagem da instituição não teria sido útil procurar averiguar o fundamento do que ali era dito?
Talvez. Mas isso não me cabe a mim. O que é preciso ter em atenção — independentemente da veracidade dos factos, do rigor com que são relatados — é que são relatórios de uma das partes e que são de tal forma duros na avaliação que fazem que acabam por ser instrumentos de julgamento na praça pública.
Competia a quem averiguar?
Não faço ideia.
Já disse que sai satisfeita. Há alguma medida na qual tenha mais orgulho?
Ter dado um contributo para um modelo diferente de gestão do património que garanta a sustentabilidade da FLAD. Depois, algum esforço, provavelmente não tão bem conseguido, de focar na valorização da língua — procurar a renovação da imagem do país nos EUA através da língua portuguesa, que é um recurso, um património. E há uma enorme margem de crescimento. A proximidade nos EUA ao castelhano, que hoje é uma língua partilhada por muitos norte-americanos, valoriza imenso o português. É fácil para os jovens que aprendem como segunda língua o castelhano adoptarem como terceira língua o português.
Por que é que essa parte não foi tão bem conseguida?
Porque é preciso uma política pública, do Governo, para a língua. Os governos têm de ter uma política clara e depois a FLAD pode apoiar, estimular, mas não lhe compete definir a política da língua portuguesa nos EUA.
O "potencial da língua" é como o "potencial do mar"...
Exactamente. Há que séculos que dizemos que temos aqui um recurso enorme...
Nada acontece.
Vão acontecendo coisas... mas é pouco, estou de acordo. E o paralelismo com o mar é, a todos os títulos, pertinente. Falta fazer uma política pública focada, falta fazer escolhas, falta que os governos digam quais são os pontos do mundo onde se aposta no desenvolvimento da língua. Ter 200 leitorados espalhados pelo mundo não interessa para nada. Ou ter pontos de ensino do português na Suazilândia quando ao lado, na Namíbia, o governo está interessado na introdução do português como segunda língua estrangeira.
Quando vê o ministro Nuno Crato a ser alvo de tanta contestação, sente algum tipo de solidariedade, tendo sido, como ele, uma ministra da Educação muito contestada?
Tenho sido bastante crítica das políticas de educação seguidas nos últimos dois anos e, portanto, quando estou de acordo com as críticas que são feitas o que é mais importante é o interesse do país, da educação e dos jovens. E, objectivamente, há um conjunto de medidas que contrariam aquilo que era uma tendência de muitos anos na política educativa. Costumo dizer que os ministros da Educação, desde o Leite Pinto, tiveram um objectivo em comum, uma missão: o alargamento da escolaridade. Todos tiveram a ambição de ter mais alunos na escola, por mais anos. E isso vai desde o esforço no pré-escolar, feito pelo Marçal Grilo, ao esforço feito pelo Veiga Simão, quando estendeu a escolaridade até aos oito anos, ao esforço do Roberto Carneiro...
Houve uma continuidade que está a ser quebrada, é isso?
Uma continuidade que tinha esse objectivo. O objectivo de que os nossos jovens estivessem na escola e não a trabalhar. Nos anos 90, havia um programa específico para retirar as crianças do mercado de trabalho e colocá-las na escola. E isso é um aspecto muito interessante que deu um contributo enorme para que o país se modernizasse, para sermos aquilo que somos hoje, apesar de todas as dificuldades que ainda temos. Neste momento, muitas políticas que estão a ser seguidas contrariam este objectivo de alargamento...
Mas o Governo está a concretizar o alargamento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos.
Sim, mas, objectivamente, milhares estão ser atirados para fora do sistema educativo...
Mas com que medidas especificamente?
Por exemplo, quando se faz um entendimento com o Ministério da Economia de que os jovens passam a ser educados pelas empresas e não pela escola.
A instituição que inventámos para resolver os problemas da educação e da qualificação foi a escola. Até hoje, não inventámos nenhuma outra. As empresas, instituições como a FLAD e outras podem e devem ajudar o esforço de educação, os pais, as comunidades locais, as autarquias. Hoje, exige-se muito das instituições para apoiarem a escola no esforço de escolaridade e de escolarização. Mas a responsabilidade última é da escola. Não é a família, não há outra instituição. É para a escola que canalizamos os recursos públicos. É na escola que colocamos os professores que formamos. É na escola que colocamos os recursos tecnológicos que conseguimos adquirir. É na escola que colocamos o nosso conhecimento sobre a melhor forma de educar e de ensinar. E, portanto, não tem para mim nenhum sentido políticas educativas que atribuem a responsabilidade da educação ao Instituto do Emprego, ao Ministério da Economia ou às empresas.
Mas é uma linha que é seguida por outros países europeus. Fala-se do exemplo da Alemanha.
Não é verdade. O que se passa na Alemanha, há um envolvimento, de facto, das empresas no esforço de formação, mas é no esforço da formação profissional que é pago pelas próprias empresas. Ou seja, num quadro institucional do funcionamento da formação profissional, em que as empresas pagam a formação que fazem aos jovens. Sendo que esta política é hoje muitíssimo contestada. Qual é o bloqueio que esse sistema cria na Alemanha? É o bloqueio do prosseguimento dos estudos. Forma muito bons carpinteiros com 13 anos, mas esses carpinteiros vão morrer carpinteiros, nunca conseguirão adaptar-se àquilo que podem ser as exigências da economia.
Esse sistema de formação na Alemanha tem sido criticado. A própria OCDE, que é insuspeita nessa matéria, não recomenda, de facto, esse sistema. Sobretudo em países como o nosso. E portanto não é um modelo para se seguir. Numa avaliação global à política educativa, este é o aspecto mais crítico que encontro.
Não vê nenhuma vantagem no sistema dual?
Não vejo nenhuma. Nem temos estrutura empresarial para termos um sistema desses. Mesmo que tivéssemos essa ambição precisávamos de reproduzir em Portugal um sistema empresarial que não temos — que é um sistema com tradição de serem as empresas a pagarem a formação dos seus próprios funcionários.
Eu não estou contra, repare, a que as empresas sejam envolvidas na formação. Pelo contrário, nos cursos profissionais, nas escolas, as empresas são envolvidas e essa dimensão de empregabilidade, essa dimensão de adaptação às exigências da vida profissional prática são muito importantes. Mas coisa diferente é entregar os meninos às empresas e dizer agora cuidem da sua formação. E é isso que eu acho que se passa com este modelo vocacional...
É uma crítica do cheque-ensino. Este Governo vai mesmo avançar com essa medida. Por que é que não colhe, na sua opinião, o argumento de que dando mais liberdade às famílias para escolher entre uma escola pública e uma privada isso vai estimular uma competição entre escolas públicas e privadas, melhorando a sua qualidade?
Há países onde cheque-ensino foi adoptado como modelo, desde logo a Suécia muito comentada neste último relatório do PISA [o estudo que compara os resultados dos alunos na OCDE em testes de literacia e que assinala uma melhoria dos resultados dos alunos portugueses e uma degradação dos resultados dos alunos suecos], e também há experiências em Inglaterra e algumas, não totalmente similares, nos EUA. O que todos os estudos e relatórios dizem sobre isso — e vale a pena ler, para não ser apenas uma questão de ideologia, de convicções, de ideias que nunca se confrontam com a realidade — é que a melhoria de qualidade conseguida com esse método, com a tal competição, é muito inferior ao aumento da desigualdade que provoca.
Há um relatório sobre o modelo sueco, que é o modelo que tem sido mais acompanhado e sobre o qual existe mais literatura produzida, que diz qualquer coisa como: as piores escolas duplicam, e as melhores aumentam um ponto percentual. Ora isto, do ponto de vista do sistema, piora a qualidade, que foi o que aconteceu à Suécia. E [depois da divulgação dos resultados do PISA] o ministro sueco já disse que é preciso repensar todo o sistema.
A questão aqui é a da igualdade. Os defensores do cheque-ensino, que se acham monopolistas do valor da liberdade, têm um problema com o valor da igualdade. Têm esse problema! Mas na área da educação, todos os regimes sociais democratas, digamos assim, na nossa Europa, construíram-se, no que respeita ao ensino, pela combinação virtuosa destes dois princípios: a igualdade e a liberdade. Porque se se aposta apenas no valor da liberdade é a resolução de um problema de uma minoria. E não da globalidade do sistema. Os nossos países, das sociedades ocidentais, precisam de sistemas inteiros, com qualidade suficiente para permitir o seu desenvolvimento.
Já defendeu que o cheque-ensino "não sai mais barato ao Estado", e que é "o mero cumprimento de uma agenda ideológica que visa beneficiar determinados segmentos do mercado da educação". Está a dizer que este Governo está a pôr a ideologia ao serviço do mercado?
Não. Estava a dizer uma coisa mais simples. O facto de o cheque-ensino ser instituído pelo Governo no diploma de financiamento das escolas privadas, respondendo àquilo que tem sido uma exigência de uma parte das escolas privadas — nem sequer de todas, é a associação que representa uma parte das escolas privadas que tem interesse nesta modalidade de financiamento da educação — revela que a intenção do Governo é apenas privilegiar essas escolas.
Uma questão como esta tem de merecer um debate público diferente do que houve, porque tem muitas implicações no sistema... ou então é apenas isso, arranjar uns cheques para passar para que umas famílias possam sustentar uns colégios que neste momento estão em dificuldade. E se for só isso, então não é preciso debate público.
O cheque-ensino não vai resolver nenhum problema da qualidade do sistema educativo, nenhum problema. Tenho a certeza absoluta. E nenhum problema do sistema de ensino é resultado da inexistência de cheque-ensino.
No que é que esta tão contestada prova de avaliação dos conhecimentos dos professores contratados [que vai ser feita pela primeira vez dia 18] do ministro Nuno Crato é diferente da sua, que criou quando era ministra?
Quando colocámos essa prova no ECD [na revisão feita em 2007] a ideia era criar um patamar de igualdade de condições para todos os professores. No concurso, os professores são colocados na chamada lista graduada em função da nota com que saem do curso de licenciatura e do tempo de serviço. Esta nota de fim de curso vale para o resto da vida, nunca mais tem actualização, mesmo que o professor faça um mestrado ou um doutoramento. O que acontecia, com anos e anos desta prática, é que isto estava muito distorcido: no último concurso que tínhamos feito, os únicos professores primários que tinham conseguido vinculação vinham de um instituto que formava professores, que era uma escola totalmente desconhecida, à frente de professores que saiam das escolas superiores de Lisboa, do Porto, etc... porque a nota é que contava e aqueles tinham melhor nota.
Detectámos algumas práticas. A nota de fim de curso era instrumentalizada por algumas escolas — escolas que, para atrair alunos, davam notas mais elevadas. A ideia da prova [de avaliação de conhecimentos] era minimizar os efeitos desta nota de fim de curso criando uma prova igual para todos. Recordo-me de ter discutido com as universidades a ideia de que esta prova podia ser feita pelas próprias universidades, que se punham de acordo e, no final do curso, fazia-se a prova para acabar com as diferenças das notas de fim de curso quando elas não correspondia a diferenças reais no nível de conhecimentos e de competências dos professores que se candidatavam....
Não era mais fácil assegurar que a formação no ensino superior tem qualidade? O Governo não tem instrumentos para garantir a qualidade da formação que financia?
O Ministério da Educação não tinha, naquela altura, a tutela do ensino superior...
Sim, mas havia o Ministério do Ensino Superior...
As universidades têm um regime de autonomia no nosso sistema que não permite...
Há uma agência de avaliação que avalia os cursos...
A agência foi criada entretanto, nesse Governo, justamente com a percepção de que a forma de intervir e de regular era avaliando, mas tudo isso foi posterior. E a prova que instituímos no ECD deixou de ser urgente. Porque se accionaram outros mecanismos, foram colocadas exigências às universidades, aos cursos de formação de professores (por exemplo, no 1.º ciclo passaram a ter componentes de Matemática e de Português que antes não tinham). Portanto, não se agiu só com a introdução da prova. Agiu-se num conjunto...
Qual foi até agora a medida do actual ministério com que mais concorda e aquela que considera ser o maior erro?
São três. Ter terminado o programa Novas Oportunidades sem avaliação e sem o ter substituído por um programa que permita a qualificação dos adultos; o desmantelamento do ensino profissional nas escolas públicas — pais demorou desde 1981 a conseguir um sistema de generalização de cursos profissionais nas escolas. E a Parque Escolar. Acho que aquilo que se fez foi totalmente irresponsável, uma grande injustiça. Estamos a consumir o dinheiro que devia estar a ser usado para fazer obras nas escolas secundárias em processos jurídicos do Estado contra as construtoras e das construtoras contra o Estado. Medidas positivas... Se me recordar alguma que eu possa concordar, direi, mas sobretudo é um panorama de grande desolação.