Nadir in memoriam
Com o desaparecimento de Nadir Afonso perdemos um dos últimos, senão mesmo o nosso último artista modernista.
Num país culturalmente retrógrado e desqualificado, onde o modernismo teve uma séria dificuldade em se afirmar, o seu trabalho permaneceu pouco conhecido durante mais de uma década, em que Nadir viveu e participou directamente no relançamento das vanguardas do pós-guerra.
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Num país culturalmente retrógrado e desqualificado, onde o modernismo teve uma séria dificuldade em se afirmar, o seu trabalho permaneceu pouco conhecido durante mais de uma década, em que Nadir viveu e participou directamente no relançamento das vanguardas do pós-guerra.
Ninguém mais do que ele, na sua geração, teve um convívio e proximidade com os protagonistas do movimento moderno internacional. Trabalhou com Le Corbusier e teve como colegas e amigos Iannis Xenakis, Victor Vasarely, Mortensen ou André Bloc, entre outros. Entre 1952 e 53 viveu no Brasil e trabalhou com Óscar Niemeyer, em São Paulo dirigiu mesmo o seu atelier. No entanto, a sua pintura constituiu um trabalho crítico da própria arquitectura a que se dedicou profundamente. A participação em exposições da Galeria Denise René, em Paris, centro da abstracção geométrica do pós-guerra, atesta a efectiva integração que o seu trabalho atingiu, como nenhum outro, num contexto internacional.
A depuração geométrica e cromática que a sua pintura operou a partir das formas primordiais como o círculo, o triângulo e o quadrado, servido por uma execução mecânica e neutra, teve na série dos seus Espacillimité um desenvolvimento especialmente significativo. A horizontalidade das composições servidas por repetições de formas e projectando-se para fora da tela supunha uma espacialidade em expansão que passava a implicar o ritmo e o tempo, excluídos da visualidade pictórica. A realização de uma pintura cinética, em 1956, foi a consequência radical e pioneira, apresentada pela primeira vez na Galeria Denise René e depois no Salon des Réalités Nouvelles.
Apenas em 1970 foi possível ter uma perspectiva da actualidade e relevância do projecto de Nadir, quando a Fundação Gulbenkian lhe dedicou uma exposição retrospectiva. Os desenvolvimentos ulteriores da sua pintura, bem mais conhecidos, puseram esta em relação com a cidade e a arquitectura, de forma a desenvolver através do seu meio privilegiado uma reflexão crítica sobre as regras da harmonia.
Paralelamente desenvolveu um trabalho teórico ímpar no modernismo português, quase sempre omisso neste domínio pela superficialidade com que viveu o seu tempo.
Com o desaparecimento de Nadir Afonso perdemos um dos últimos, senão mesmo o nosso último artista modernista, testemunho de uma geração que conseguiu realizar esse projecto, quando tão pouco ou nada o faria prever.
Director do Museu Berardo