Rui Rio diz que resolver a “crise política” só com um acordo dos partidos de regime

Ex-presidente da Câmara do Porto denunciou “poderes corporativos e sectoriais” que não permitem aos governos dizer “não”.

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Rio esteve em Leiria a convite da Liga de Amigos da Casa-Museu João Soares Miguel Manso

O ex-presidente da Câmara do Porto esteve esta segunda-feira em Leiria, a convite da Liga de Amigos da Casa-Museu João Soares. O ex-chefe de Estado recebera-o, para o fazer responder à questão A crise é política ou financeira?. Rui Rio não defraudou o histórico socialista.

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O ex-presidente da Câmara do Porto esteve esta segunda-feira em Leiria, a convite da Liga de Amigos da Casa-Museu João Soares. O ex-chefe de Estado recebera-o, para o fazer responder à questão A crise é política ou financeira?. Rui Rio não defraudou o histórico socialista.

Com a desculpa de “não ser candidato a nada”, o ex-secretário-geral do PSD disparou a sua convicção de que “a crise é política”. “A vertente económica da crise é uma consequência da crise política, é filha dos erros e constrangimentos políticos”, assegurou, antes de considerar que “hoje temos, manifestamente, menos democracia do que num passado recente”.

Sem falar num fim de regime que pudesse descambar numa “ditadura clássica”, Rio admitiu recear algo “pior” que isso: “O que nós temos à porta é o enfraquecimento contínuo do poder político perante poderes fácticos”. Poderes “corporativos e sectoriais” a quem os governos não conseguiam “dizer não”.

E, para sustentar essa posição, apresentou “factos”: “partidos razoavelmente incoerentes e, acima de tudo, desacreditados”, a juntar ao “enfraquecimento da qualidade dos agentes políticos” e à “incapacidade política para resolver problemas”. Depois de lembrar os problemas na justiça e a liberdade exagerada permitida à comunicação social, elencou os problemas económicos: “despesa pública elevada”, somada à carga fiscal exagerada e ao défice público estrutural.

A concluir, o ex-autarca anunciou a sua “única forma de sair desta [crise]: não vejo hipótese nenhuma de sair desta crise política sem um entendimento dos partidos de regime. Não basta uma maioria conjuntural”.

Os aplausos não foram muitos. Tentar descortinar, assim, um “Bloco Central” na conferência organizada pela Liga de Amigos da Casa-Museu João Soares seria um exercício desonesto.

Mário Soares justificara o convite a Rui Rio pela admiração que tinha pelo ex-autarca, mas por aí ficou. E Rui Rio nem sequer para o combate político se mostrava disponível. À chegada, esvaziou o tema do assalto à liderança do PSD com a apresentação do seu calendário pessoal. “Definir em definitivo até ao final do ano a minha vida pessoal”, assegurava. Sobre política, garantia, “não existe nada”.

Por agora, o primeiro-ministro pode estar tranquilo. “Não vou fazer oposição à liderança de Pedro Passos Coelho, nem nunca fiz. Critiquei muitas vezes, mas na lógica de presidente da Câmara do Porto, quando estavam em causa os interesses do Porto e estiveram diversas vezes. Aí, levantei a voz”, garantia.

Embora no mesmo tom, Rio mostrou-se menos defensivo na entrevista à TVI. Aí, admitiu uma reviravolta na sua disponibilidade. “Não estou para aí virado. Acho que não vou estar para aí virado nunca, a não ser em circunstâncias especiais”, admitiu, ao mesmo tempo que reconhecia que, no futuro, a “vontade dos outros” poderia fazer alterar os seus planos actuais. “Outros” do PSD, entenda-se.

A assistência da conferência desta segunda-feira talvez não fosse a indicada para um discurso com direcção ao interior do seu partido. Não havia misturas entre socialistas e sociais-democratas enquanto se esperava pela chegada de Mário Soares e Rui Rio. Os pequenos grupos que se formavam no “intróito do croquete” mantinham as afiliações partidárias. Além disso, não havia muitos sociais-democratas presentes.

A esquerda parecia estar em maior peso na conferência. Rui Rio e António Capucho eram gotas sociais-democratas num oceano socialista e soarista suportado por presenças como o ex-secretário de Estado Vítor Ramalho, o ex-ministro João Cravinho ou o actual líder da UGT, Carlos Silva. Que esteve em Leiria com duas mesas preenchidas por elementos da sua central sindical. Mais uma do que a câmara socialista de Figueiró dos Vinhos.

Mas o cunho PSD era visível a olho nu, ou não fosse Leiria uma das capitais eleitorais do PSD, que saltava aos olhos na quinta de casamentos e baptizados onde se realizou o evento. Uma decoração a ensaiar o neoclássico no Cavaquistão profundo, com tijolos transparentes a desenhar colunas ocas com iluminação néon à entrada, a que se seguiam mais colunas de pedra encimadas com esculturas helénicas naif, ao lado de noras restauradas, coretos e palmeiras. Uma via pedonal que terminava no saloon onde jantaram as 300 pessoas, que tinha uma zona lounge no exterior a atirar para o pós-moderno. O resultado era um estilo kitsch elevado ao expoente máximo da loucura.

Nada que incomodasse a assistência, que se manteve animada apesar dos 25 euros que pagou para privar com as duas figuras políticas. Apenas uma mesa ficou por preencher, além de uma das reservadas por empresas. A Gradiva ocupou os seus dez lugares, assim como a Ascendum. Mas houve quem tivesse deitado dinheiro fora. Como o BES, que pagou uma mesa e a deixou vazia durante toda a conferência.

Rio desdobra-se em palestras

À mesma hora que o PSD reúne o seu conselho nacional, o ex-presidente da Câmara do Porto Rui Rio participa na primeira conferência da Plataforma Uma Agenda para Portugal, marcada para esta terça-feira para um hotel em Lisboa.

O comentador político e historiador Pacheco Pereira é o outro convidado da conferência da nova plataforma de debate político, constituída por um grupo alargado de pessoas de todo o país da área da social-democracia. Apresentado na semana passada no Porto, o movimento foi visto como uma rampa de lançamento de Rui Rio para uma eventual candidatura à liderança do PSD, mas o ex-autarca aproveitou um debate sobre jornalismo, na Casa da Música, para se demarcar dessa leitura.

Pacheco Pereira, que, curiosamente, esteve ao lado de Rui Rio na Casa da Música no debate, realizado no âmbito das comemorações dos 40 anos do Expresso, não quer alimentar a novela, mas, questionado pelo PÚBLICO, disse: “Se fosse uma conspiração, eu sabia. E não é nenhuma conspiração”.

Um ex-dirigente nacional do PSD também não quis valorizar muito as aparições públicas do ex-secretário-geral de Marcelo Rebelo de Sousa. “É um bocadinho para chatear Pedro Passos Coelho. É que Rui Rio não esquece que foi o líder do partido que pôs Luís Filipe Menezes como candidato à Câmara do Porto”, afirma a fonte social-democrata, frisando, por outro lado, que, até agora, Rio tinha o palco da Câmara do Porto, mas agora não tem e, como tal, precisa de aparecer de vez em quando, para não ser esquecido”.

Em Lisboa, o ex-presidente da Câmara do Porto tem presença confirmada na quarta-feira num almoço-debate dos Animados Almoços Ânimo, promovido pelo antigo assessor de imprensa do PS e jornalista António Colaço, na Associação 25 de Abril. Estes almoços-debates assinalam os 40 anos da Revolução dos Cravos.