Esta exposição de cogumelos vai autodestruir-se em dois dias

A exposição aberta ao público, em Lisboa, desde sábado, é efémera como os exemplares que mostra. Até quarta-feira, pode cruzar-se com a fétida lanterna-das-bruxas, as venenosas amanitas-mata-moscas ou os falos-impúdicos.

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Interpelada pelos visitantes, Ireneia Melo, especialista em fungos no Jardim Botânico da Universidade de Lisboa, vai apresentando alguns dos cogumelos desta exposição. Os clatros e os falos atraem as moscas com o odor a carne podre. Apesar do nome, os peidos-de-lobo (Lycoperdon perlatum), em forma de pêra invertida, não libertam mau cheiro, mas sim nuvens de esporos sempre que são tocados ou quando uma gota de chuva lhes cai em cima. Desta forma, os cogumelos podem dispersar os seus esporos e colonizar outras zonas.

Os Cogumelos Regressam ao Jardim Botânico, a exposição que abriu as portas ao público no sábado, só tem mais dois dias, até quarta-feira, para ser visitada. É efémera, tal como os delicados cogumelos que a compõe. As várias espécies estão dispostas em três mesas, cada uma representando um ambiente: uma mata de pinheiros, um montado de sobro (sobreiros), e uma mata mista com coníferas e árvores de folha caduca.

Ireneia Melo humedece as estrelas-da-terra (Astraeus hygrometricus), para que cada uma delas se abra numa estrela de várias pontas, mas as crianças estão mais curiosas com as cores nas legendas. Os cogumelos assinalados a verde são comestíveis, já os vermelhos são tóxicos e os amarelos, embora não sejam tóxicos, não têm interesse gastronómico, vai explicando a especialista em fungos decompositores da madeira, que foi aprendendo a conhecer estes fungos que formam cogumelos.

Os visitantes ficam facilmente maravilhados com os cogumelos, as suas formas e as suas cores. Mas os micólogos Ireneia Melo, João Baptista-Ferreira e José Cardoso chegaram a pensar que não teriam condições para montar esta exposição por falta de cogumelos no campo. Têm tentado repeti-la todos os anos, mesmo agora que já estão todos reformados. “O que andamos a fazer é mecenato. É amor à arte”, admitem.

Um Outono sem chuva
Um passeio na floresta durante o Outono é normalmente presenteado com folhas de várias cores que caem das árvores a cada sopro do vento e com cogumelos que brotam em cada clareira ou na base das árvores. Mas este Outono atípico, sem chuva e com baixas temperaturas, não incentivou os cogumelos a saírem dos seus esconderijos subterrâneos para mostrarem as suas cores e formas diversas.

À primeira vista, no primeiro de dois dias de campo para os apanhar, não parecia haver qualquer cogumelo. Mas é preciso procurar com atenção, porque muitos têm cores que facilmente se confundem com o castanho e o cinzento da mata. Por vezes, são bolas que parecem pedras ou têm chapéus pequenos que pouco se elevam do chão, acabando escondidos pelas folhas que caem das árvores.

“Felizmente, o José Cardoso tem um bom faro”, diz Ireneia Melo, falando do seu colega de equipa, quando ele encontra os primeiros exemplares, num terreno, perto de Azeitão, outrora rico em cogumelos nesta altura do ano. Agora, está parcialmente destruído por um hipermercado aí instalado recentemente. Os sobreiros que ainda restam partilham o espaço com azedas e silvas, que invadem rapidamente espaços onde existe impacto humano.

Os primeiros cogumelos encontrados, os cortinários-comuns (Cortinarius trivialis), têm um chapéu amarelo-alaranjado e restos de um véu que liga o bordo do chapéu ao pé do cogumelo. Não têm o chapéu vermelho pintalgado de branco como tantas vezes nos são apresentados os cogumelos na cultura popular. Aliás, esse cogumelo, o mata-moscas (Amanita muscaria), nem se mostrou neste local, embora apareça com frequência em Portugal. A exposição, o destino dos cogumelos colhidos no campo, pretende mostrar precisamente que existem muito mais fungos do que aqueles que são retratados nas histórias infantis.

Sobre o mata-moscas, algumas pessoas saberão que o seu consumo em grandes doses pode ser mortal, outras que em doses mais pequenas pode ser alucinogénico. Mas será que sabem que pode ser confundido com a amanita-de-césar (Amanita caesarea), um cogumelo comestível?

Acontece, com alguma frequência, as pessoas apanharem no campo cogumelos tóxicos porque os tomam por espécies comestíveis comuns: confundem o comestível míscaro-amarelo (Tricholoma equestre) com a mortal cicuta-verde (Amanita phalloides) – basta um pedaço do tamanho de uma unha misturado num prato de míscaros para matar quem a coma.

É preciso conhecer muito bem os cogumelos para não os confundir e as regras empíricas têm-se mostrado muitas vezes ineficazes na identificação dos cogumelos tóxicos. Há quem acredite que os cogumelos venenosos têm um gosto desagradável (mas a cicuta-verde é adocicada) ou que todas as amanitas são venenosas, mas a amanita-rubescente (Amanita rubescens) é comestível. Esta espécie de cor rosada e aspecto delicado também se deixou ver durante a saída de campo, no meio das azedas do humilde montado.
 
O maior organismo vivo
A meia dúzia de espécies colhidas nesse local não reflecte minimamente a quantidade de fungos existente no solo. Os cogumelos são apenas a parte reprodutora de alguns fungos, usados para facilitar a dispersão dos esporos pelo vento ou pelos animais. No solo, nas árvores ou noutros substratos escolhidos, os fungos espalham as suas hifas (filamentos de células) ao longo de vários metros.

Para mostrar que o micélio (conjunto das hifas de um fungo) pode ocupar vastas áreas, Ireneia Melo dá o exemplo da Armillaria solidipes. Um individuo desta espécie, encontrado no Oregon (Estados Unidos) em 1998, ocupava 10 quilómetros quadrados, conquistando o lugar de maior organismo vivo do mundo. Calculou-se que poderia pesar tanto como uma baleia-azul (cerca de 190 toneladas). Concorre também a organismo vivo mais antigo, com alguns cientistas a apontar para os 8000 anos.

Os fungos vão decompondo a matéria orgânica, transformando moléculas complexas, como a celulose ou a lenhina, em elementos que as plantas podem mais facilmente aproveitar. “Se não existissem fungos e bactérias, não haveria decomposição das plantas e dos animais que vão morrendo. Estaríamos cheios de ‘lixo’ até às orelhas”, alerta a especialista em fungos. “As pessoas esquecem-se do papel essencial dos fungos, do papel de reciclagem dos elementos na natureza.”

Do sobreiral viajou-se para o pinhal da Lagoa de Albufeira, à procura de outras espécies. Mas este local arenoso também não tinha muitos cogumelos para mostrar – agora, porque havia marcas de colectores de cogumelos no local. “O problema é quando as pessoas apanham tudo a eito e devastam as áreas”, lamenta a investigadora.

Com uma ferramenta apropriada, deve escavar-se ligeiramente para retirar os cogumelos completos, só assim se poderá fazer uma identificação correcta, embora a sancha (Lactarius deliciosus) não suscite muitas dúvidas – é um cogumelo cor-de-laranja, que adquire gradualmente a forma de um funil e que liberta um leite alaranjado quando cortado. Como fica verde quando esse leite ou as zonas danificadas oxidam, há quem acredite que seja venenoso, mas na verdade é comestível e saboroso.

Enquanto Ireneia Melo ia alertando que “nunca se deve comer [cogumelos] durante dias seguidos, porque as pessoas reagem de maneiras diferentes [às substâncias que os compõe]”, José Cardoso já farejou mais um. Literalmente. Vários falos-impúdicos (Phallus impudicus), em diversos estádios de desenvolvimento – em forma de ovo, com uma ponta viscosa carregada de esporos ou com a extremidade madura e alveolada –, impondo o seu cheiro putrefacto. Que acabaram na exposição a deitar mau cheiro.

Quem diria que este cogumelo mal cheiroso, assim como a aparentada lanterna-das-bruxas, seriam comestíveis quando ainda são jovens. Claro que terão um aspecto muito menos apetitoso quando os encontrar na exposição rodeados de moscas. 
 
 
 
 
 
 
 
 

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Interpelada pelos visitantes, Ireneia Melo, especialista em fungos no Jardim Botânico da Universidade de Lisboa, vai apresentando alguns dos cogumelos desta exposição. Os clatros e os falos atraem as moscas com o odor a carne podre. Apesar do nome, os peidos-de-lobo (Lycoperdon perlatum), em forma de pêra invertida, não libertam mau cheiro, mas sim nuvens de esporos sempre que são tocados ou quando uma gota de chuva lhes cai em cima. Desta forma, os cogumelos podem dispersar os seus esporos e colonizar outras zonas.

Os Cogumelos Regressam ao Jardim Botânico, a exposição que abriu as portas ao público no sábado, só tem mais dois dias, até quarta-feira, para ser visitada. É efémera, tal como os delicados cogumelos que a compõe. As várias espécies estão dispostas em três mesas, cada uma representando um ambiente: uma mata de pinheiros, um montado de sobro (sobreiros), e uma mata mista com coníferas e árvores de folha caduca.

Ireneia Melo humedece as estrelas-da-terra (Astraeus hygrometricus), para que cada uma delas se abra numa estrela de várias pontas, mas as crianças estão mais curiosas com as cores nas legendas. Os cogumelos assinalados a verde são comestíveis, já os vermelhos são tóxicos e os amarelos, embora não sejam tóxicos, não têm interesse gastronómico, vai explicando a especialista em fungos decompositores da madeira, que foi aprendendo a conhecer estes fungos que formam cogumelos.

Os visitantes ficam facilmente maravilhados com os cogumelos, as suas formas e as suas cores. Mas os micólogos Ireneia Melo, João Baptista-Ferreira e José Cardoso chegaram a pensar que não teriam condições para montar esta exposição por falta de cogumelos no campo. Têm tentado repeti-la todos os anos, mesmo agora que já estão todos reformados. “O que andamos a fazer é mecenato. É amor à arte”, admitem.

Um Outono sem chuva
Um passeio na floresta durante o Outono é normalmente presenteado com folhas de várias cores que caem das árvores a cada sopro do vento e com cogumelos que brotam em cada clareira ou na base das árvores. Mas este Outono atípico, sem chuva e com baixas temperaturas, não incentivou os cogumelos a saírem dos seus esconderijos subterrâneos para mostrarem as suas cores e formas diversas.

À primeira vista, no primeiro de dois dias de campo para os apanhar, não parecia haver qualquer cogumelo. Mas é preciso procurar com atenção, porque muitos têm cores que facilmente se confundem com o castanho e o cinzento da mata. Por vezes, são bolas que parecem pedras ou têm chapéus pequenos que pouco se elevam do chão, acabando escondidos pelas folhas que caem das árvores.

“Felizmente, o José Cardoso tem um bom faro”, diz Ireneia Melo, falando do seu colega de equipa, quando ele encontra os primeiros exemplares, num terreno, perto de Azeitão, outrora rico em cogumelos nesta altura do ano. Agora, está parcialmente destruído por um hipermercado aí instalado recentemente. Os sobreiros que ainda restam partilham o espaço com azedas e silvas, que invadem rapidamente espaços onde existe impacto humano.

Os primeiros cogumelos encontrados, os cortinários-comuns (Cortinarius trivialis), têm um chapéu amarelo-alaranjado e restos de um véu que liga o bordo do chapéu ao pé do cogumelo. Não têm o chapéu vermelho pintalgado de branco como tantas vezes nos são apresentados os cogumelos na cultura popular. Aliás, esse cogumelo, o mata-moscas (Amanita muscaria), nem se mostrou neste local, embora apareça com frequência em Portugal. A exposição, o destino dos cogumelos colhidos no campo, pretende mostrar precisamente que existem muito mais fungos do que aqueles que são retratados nas histórias infantis.

Sobre o mata-moscas, algumas pessoas saberão que o seu consumo em grandes doses pode ser mortal, outras que em doses mais pequenas pode ser alucinogénico. Mas será que sabem que pode ser confundido com a amanita-de-césar (Amanita caesarea), um cogumelo comestível?

Acontece, com alguma frequência, as pessoas apanharem no campo cogumelos tóxicos porque os tomam por espécies comestíveis comuns: confundem o comestível míscaro-amarelo (Tricholoma equestre) com a mortal cicuta-verde (Amanita phalloides) – basta um pedaço do tamanho de uma unha misturado num prato de míscaros para matar quem a coma.

É preciso conhecer muito bem os cogumelos para não os confundir e as regras empíricas têm-se mostrado muitas vezes ineficazes na identificação dos cogumelos tóxicos. Há quem acredite que os cogumelos venenosos têm um gosto desagradável (mas a cicuta-verde é adocicada) ou que todas as amanitas são venenosas, mas a amanita-rubescente (Amanita rubescens) é comestível. Esta espécie de cor rosada e aspecto delicado também se deixou ver durante a saída de campo, no meio das azedas do humilde montado.
 
O maior organismo vivo
A meia dúzia de espécies colhidas nesse local não reflecte minimamente a quantidade de fungos existente no solo. Os cogumelos são apenas a parte reprodutora de alguns fungos, usados para facilitar a dispersão dos esporos pelo vento ou pelos animais. No solo, nas árvores ou noutros substratos escolhidos, os fungos espalham as suas hifas (filamentos de células) ao longo de vários metros.

Para mostrar que o micélio (conjunto das hifas de um fungo) pode ocupar vastas áreas, Ireneia Melo dá o exemplo da Armillaria solidipes. Um individuo desta espécie, encontrado no Oregon (Estados Unidos) em 1998, ocupava 10 quilómetros quadrados, conquistando o lugar de maior organismo vivo do mundo. Calculou-se que poderia pesar tanto como uma baleia-azul (cerca de 190 toneladas). Concorre também a organismo vivo mais antigo, com alguns cientistas a apontar para os 8000 anos.

Os fungos vão decompondo a matéria orgânica, transformando moléculas complexas, como a celulose ou a lenhina, em elementos que as plantas podem mais facilmente aproveitar. “Se não existissem fungos e bactérias, não haveria decomposição das plantas e dos animais que vão morrendo. Estaríamos cheios de ‘lixo’ até às orelhas”, alerta a especialista em fungos. “As pessoas esquecem-se do papel essencial dos fungos, do papel de reciclagem dos elementos na natureza.”

Do sobreiral viajou-se para o pinhal da Lagoa de Albufeira, à procura de outras espécies. Mas este local arenoso também não tinha muitos cogumelos para mostrar – agora, porque havia marcas de colectores de cogumelos no local. “O problema é quando as pessoas apanham tudo a eito e devastam as áreas”, lamenta a investigadora.

Com uma ferramenta apropriada, deve escavar-se ligeiramente para retirar os cogumelos completos, só assim se poderá fazer uma identificação correcta, embora a sancha (Lactarius deliciosus) não suscite muitas dúvidas – é um cogumelo cor-de-laranja, que adquire gradualmente a forma de um funil e que liberta um leite alaranjado quando cortado. Como fica verde quando esse leite ou as zonas danificadas oxidam, há quem acredite que seja venenoso, mas na verdade é comestível e saboroso.

Enquanto Ireneia Melo ia alertando que “nunca se deve comer [cogumelos] durante dias seguidos, porque as pessoas reagem de maneiras diferentes [às substâncias que os compõe]”, José Cardoso já farejou mais um. Literalmente. Vários falos-impúdicos (Phallus impudicus), em diversos estádios de desenvolvimento – em forma de ovo, com uma ponta viscosa carregada de esporos ou com a extremidade madura e alveolada –, impondo o seu cheiro putrefacto. Que acabaram na exposição a deitar mau cheiro.

Quem diria que este cogumelo mal cheiroso, assim como a aparentada lanterna-das-bruxas, seriam comestíveis quando ainda são jovens. Claro que terão um aspecto muito menos apetitoso quando os encontrar na exposição rodeados de moscas.