Atestado de residência é barreira para quem vive na rua ter rendimento social de inserção

Encontro inédito de sem-abrigo chamou esta sexta-feira centenas de pessoas ao Museu Soares dos Reis no Porto.

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Eram centenas de pessoas, com e sem abrigo, lado a lado. Foram entrando mal as portas do Museu Soares dos Reis foram abertas. Algumas, as que faziam parte da organização do inédito encontro, iam a medo. Só houve um ensaio geral e nem apareceu toda a gente que devia, revelava Nuno Simões, que com Duarte Guedes está a fazer um documentário sobre os encontros Vozes do Silêncio.

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Eram centenas de pessoas, com e sem abrigo, lado a lado. Foram entrando mal as portas do Museu Soares dos Reis foram abertas. Algumas, as que faziam parte da organização do inédito encontro, iam a medo. Só houve um ensaio geral e nem apareceu toda a gente que devia, revelava Nuno Simões, que com Duarte Guedes está a fazer um documentário sobre os encontros Vozes do Silêncio.

“Quero começar por dizer que estou muito feliz por conseguirmos mostrar que somos capazes de fazer seja o que for”, discursou Vítor Santos, na mesa moderada pela coordenadora do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo da Cidade do Porto (NPISA), Paula França. “Como tudo na vida, o que precisamos é que nos auxiliem, nos dêem incentivos, trabalhem connosco.”

Dirigindo-se a Ana Venâncio e ao vereador da Habitação na Câmara do Porto, Manuel Pizarro, seus companheiros de mesa, o homem, um dos impulsionadores do encontro, há anos residente na Casa da Rua da Santa Casa da Misericórdia do Porto, incitou: “Somos seres humanos com ideias. Esta é a nossa praia. Utilizem-nos para ajudar a tentar resolver problemas.”

Os problemas de quem está na rua acumulam-se, sobrepõem-se, eternizam-se nalguns casos. António Ribeiro, que agora mora num quarto de pensão, debruçou-se sobre desadequações legais a essa realidade. E foi por aí que muitos dos que estavam na plateia quiserem ir, findos os discursos da praxe.

Para requerer RSI, é preciso apresentar uma série de documentos, incluindo um atestado de residência referente aos últimos 12 meses. Primeiro obstáculo: ter uma morada para indicar. Para contornar esse problema, muitos sem-abrigo indicam a morada de uma instituição de referência, como a junta de freguesia.

Pior é a prova de residência no território nacional. Uma rapariga saíra do Algarve, vivera em diversos sítios antes de chegar ao Porto. Não entende porque, para requerer RSI, tem de recolher atestados de residência em todos os sítios por onde passou no último ano. Não bastaria pedir um atestado de residência actual?

Apesar de avisar que não viera ali desempenhar “um papel político”, Venâncio afiançou que o reparo não fora em vão. Pediria soluções para aquele problema. Já propusermos, atalhou Paula França. Parece-lhes mais indicado ter em conta a morada válida ou as moradas válidas num período mais curto.  

O tema regressou à sala diversas vezes. Porque perde o RSI quem não responde a uma convocatória enviada pela Segurança Social para uma morada que já não é a sua e durante os dois anos seguintes fica inibida de voltar a pedir apoio, apesar de não ter outro meio de subsistência?, perguntou um homem.

Também perde o RSI um sem-abrigo que não responde a uma convocatória do centro de emprego. Não há atestado para quem, não tendo uma doença mental, esteja apenas desorientado por viver há muito na rua, sem rotinas, sem horários. O corte é automático. Não tem apelo nem agravo.

No decurso do debate, o valor máximo da prestação veio amiúde à baila. “O que é que a gente faz com 178,15 euros por mês?”

Em busca de convergência, Paula França lançou mais questões: como é que pode haver 1200 voluntários a distribuir comida na cidade do Porto e gente que fica sem comer? Onde estavam os empresários que podiam empregar pelo menos alguns dos sem-abrigo ali presentes? Como se pode falar em integração pela arte se quem vive nos albergues não tem autorização para sair à noite?

A dormir ao relento na cidade permanecem umas 200 pessoas, que, segundo explicou Paula França, em muitos casos apresentam quadros de dependência ou saúde mental. A Administração Regional de Saúde não se fez representar. A saúde, a habitação e o emprego são as maiores dores de cabeça de quem trabalha a integração.

No fim, Vítor Santos estava "maravilhado". Nem só Ana Venâncio levou trabalho para casa. Pizarro também. O socialista está apostado em iniciar “grande mudança” no próximo ano. Desde logo, quer ver reforçada a rede social do Porto e está disponível para encontrar soluções mais estáveis para quem já saiu da rua e mais individualizadas para que nela permanece.

A tarde foi de arte protagonizada por artistas integrados e artistas sem-abrigo. O senhor Armindo, que cantou dois canções à capela, comoveu muita gente. Christophe Bisson, que está a fazer um filme-documentário com e sobre sem-abrigo no Porto, também. O actor Rui Spranger, que ali fora dizer uns poemas, estava deliciado com o grau de participação e com o sentimento de igualdade.