Ventos do Norte sobre as ruínas do PSD
Ora, este apelo está em profundo contraste paradoxal com todos os valores hiperindividualizados dum neoliberalismo que domina, no presente, as sociedades ocidentais. A supremacia das “finanças” sobre um conceito mais vasto da Ciência Económica, que a reduziram a uma especialidade convicta, determinada por modelos “seguros” e matemáticos.
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Ora, este apelo está em profundo contraste paradoxal com todos os valores hiperindividualizados dum neoliberalismo que domina, no presente, as sociedades ocidentais. A supremacia das “finanças” sobre um conceito mais vasto da Ciência Económica, que a reduziram a uma especialidade convicta, determinada por modelos “seguros” e matemáticos.
Quando falo de neoliberalismo, refiro-me a toda a herança ideológica e messiânica de Ayn Rand ilustrada no seu Atlas Shrugged (1957). Neste livro, que é talvez o livro mais lido nos Estados Unidos, a seguir à Bíblia, Ayn Rand desenvolve toda a sua teoria e visão de uma Utopia/Distopia, baseada num hiperindividualismo “heróico”, inimigo de um Estado regulador, aplicado por uma nova elite/casta empreendedora de empresários capazes, na melhor tradição nietzschiana de aceitar a solidão arrogante dos líderes, construtores de uma sociedade definida em contornos hierárquicos típicos da melhor tradição do Darwinismo Social.
Uma apologia visionária do Egoísmo total, com profundo desprezo para com os fracos, os “falhados” e os pobres, que são vistos, através da sua “mediocridade”, como merecedores do seu destino. Valores baseados também num conceito de crescimento ilimitado, sustentado na visão e premissa da disponibilidade de um espaço ilimitado de expansão e duma “Natureza” com uma capacidade infinita de absorção. Valores “pioneiros” duma América naïf perante o desafio ecológico da gestão do planeta nos seus recursos e equilíbrios. Valores, no entanto, que guiam os radicais do “TeaParty” que se opõem a Obama.
Ora, o problema é que, através do seu clube elitista, Ayn Rand conseguiu propagar as suas ideias e ganhou uma influência determinante em personagens como Alan Greenspan, tornando-se no seu “guru” espiritual. Todo o percurso de Greenspan foi determinado por esta “missão” até ao seu acto de contrição pública perante o Congresso em 2008.
Os que lêem este texto poderão concluir que esta crítica é motivada por mais uma deriva escapista neomarxista. Não, com efeito, o manifesto de Rand, na sua redução exclusiva da Existência a um axioma económico e produtivo, é comparável precisamente ao materialismo filosófico de Marx, numa curiosa e perversa inversão. Uma espécie de O Capital, voltado ao contrário.
Este texto não constitui também uma negação de necessidade de uma Reforma do Estado. Ele constitui sim, um reconhecimento de uma profunda crise de representatividade e credibilidade da classe política. De uma ausência de líderes capazes de nos explicarem de forma coerente e nos motivarem de forma convincente, à necessidade imperativa dessa mesma Reforma e a todos os sacrifícios ligados a ela. De uma ausência de sensibilidade social/ humana na tradição humanista/iluminista, que constituem os nossos fundamentos civilizacionais.
Ora, o mundo político português foi surpreendido pela eleição de Rui Moreira no Porto.
Até agora, pois teremos que aguardar os desenvolvimentos, Rui Moreira conseguiu transmitir a imagem do “homem bom”, verdadeiramente independente e dedicado exclusivamente à cidade, e com preocupações sociais. A sua vitória que ilustra na democracia representativa a inserção de “sinais”, através do voto, vindos da democracia participativa, está a enervar os “instalados” no PSD, partido que no presente, de social-democrata só tem o nome, e é miticamente e vagamente inspirado por um culto irrealista de Sá Carneiro, político que, devido às circunstâncias do país, nunca conseguiu passar das intenções.
Entretanto, Rui Rio e Paulo Rangel vão enviando “recados”.
Para tirarmos conclusões sobre a efectividade destes “ventos” críticos e reformistas, teremos que aguardar os desenvolvimentos futuros. Mas, para já, podemos afirmar que: “Ventos do Norte uivam sobre as ruínas do PSD”.
Historiador de Arquitectura