Arrancou a comissão de inquérito aos Estaleiros de Viana

Um PSD abertamente ao ataque e o PS numa evidente posição desconfortável. O PCP avançou com a proposta, o PS não se opôs e o PSD não se mostrou incomodado, desde que o inquérito recue dez anos

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Paulo Pimenta

Mais do que para prestar esclarecimentos sobre a sua decisão, o que o ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, decidiu fazer esta terça-feira foi delinear o plano de ataque da maioria: acusar os Governos de José Sócrates de negócios ruinosos para o Estado, passivos avultados e caos na gestão. Tudo com data definida, ou seja, 2006, primeiro ano de governação do executivo socialista.

Aguiar-Branco denunciou um “passivo de 270 milhões de euros”, recordou o navio Atlântida, “rejeitado”, repescou o “histórico de 13 navios construídos, entre 2006 e 2011, todos eles com prejuízo”, lembrou o “conselho de administração demissionário”, as “dúvidas” europeias sobre auxílios do Estado português e o “encargo, todos os anos, de milhões de euros para os contribuintes”, num total de 40 milhões de euros. Com um responsável directo, concluía: “É assim desde 2005, ano em que os estaleiros construíram o último navio com lucro para empresa”.

E o ministro continuou o ataque classificando as acusações que lhe tinham sido dirigidas como as “coisas mais absurdas”, que feriam a sua “honorabilidade” e como tal deveriam ser tratado “em tribunal”. Confirmaria depois que avançaria com um processo de difamação contra a eurodeputada socialista Ana Gomes, que acusou o ministro de comportamento “criminoso”.

Uma postura bem mais frontal do que a assumida por Alberto Martins. De forma cautelosa, o líder parlamentar do PS garantia que os socialistas não se oporiam ao que contribuísse para a “transparência” do processo e deu "luz verde" à iniciativa do PCP. "Tudo o que seja conducente à transparência dos factos e dos actos do Governo e da administração merece naturalmente a concordância do PS. Por isso, damos o nosso acordo à iniciativa de comissão de inquérito proposta pelo grupo parlamentar do PCP", assumia o socialista.

Pelo meio, o PSD mostrava-se descontraído. Sem decisão aparentemente tomada, mas sem nada a esconder, garantia a vice-presidente social-democrata Teresa Leal Coelho. “Daquilo que posso dizer é que o PSD não tem nada a esconder no que diz respeito a este processo da venda, da subconcessão dos Estaleiros de Viana do Castelo", afirmou no Parlamento. Os sociais-democratas admitem a criação da comissão desde que este analise o que se paassou naquela empresa nos últimos dez anos. A dirigente social-democrata defendeu a acção do ministro da Defesa e elogiou o Governo, que, apesar de todas as dificuldades, “levou a bom porto um processo muito difícil”, condicionado pela União Europeia, mas, ainda assim, transparente.

Em Bruxelas, outros eurodeputados socialistas deitavam mais achas na fogueira. Edite Estrela e Correia de Campos confirmavam ter interpelado o executivo comunitário sobre o despedimento dos 609 trabalhadores dos estaleiros, relacionando-o com a decisão da Comissão Europeia sobre as ajudas públicas atribuídas à empresa.

E em Viana do Castelo o ambiente não estava mais calmo. O presidente da câmara municipal convocara o país para “um grande grito” em defesa da “jóia da coroa” – os estaleiros navais da cidade – para o próximo sábado, numa “grande jornada de luta” contra o anunciado despedimento colectivo dos actuais 609 trabalhadores e o encerramento da empresa. Em conferência de imprensa, acompanhado pela comissão de trabalhadores, o autarca socialista José Maria Costa apelou a artistas, políticos, elementos da Marinha, atletas e sociedade civil que compareçam na iniciativa denominada A Construção Naval Não Pode Morrer.

“Vamos fazer de Viana do Castelo o centro do país na defesa de uma empresa que representa a nossa identidade. Vamos lançar um grito nacional, a partir da Praça da República, para que o processo de subconcessão dos estaleiros navais seja suspenso e não se perca o conhecimento que existe”, sustentou. O coordenador da Comissão de Trabalhadores dos ENVC, António Costa, afirmou que o encerramento do maior construtor naval português é um “crime social” e um “erro estratégico”.

E, como se tal não bastasse, o PCP prometia gastar todas as munições parlamentares para avançar com o processo. Mesmo que a maioria chumbasse a inciativa, os comunistas asseguravam ter um plano B. No encerramento das jornadas parlamentares do partido, em Faro, o líder parlamentar comunista, João Oliveira, avançava com a proposta da criação potestativa da comissão, caso não houvesse acordo inicial. Logo depois de o partido ter avançado com a proposta de constituição de uma comissão de inquérito parlamentar, o BE abriu caminho à iniciativa

Se dúvidas houvesse sobre o desconforto socialista, bastava atentar nas dúvidas do socialista Marcos Perestrello, que defendia que a comissão primeiro ouvisse em audição o ministro e a ENVC. E outros tentavam centrar o debate em questões menos polémicas, como Jorge Fão, deputado do PS por Viana do Castelo, ao defender no Porto Canal que “os ENVC deveriam manter uma presença do Estado na sua estrutura administrativa, ou seja, um modelo idêntico àquele que se seguiu na OGMA, em que 65% foram privatizados e 35% se mantiveram na esfera pública”.

Ainda assim, há contas a fazer. Para a aprovação da comissão de inquérito, sob agendamento potestativo, são necessários 46 deputados, ou seja, um quinto dos 230. PCP, BE e PEV somam 24 parlamentares, pelo que precisariam de mais 22.
 
 
 
 

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Mais do que para prestar esclarecimentos sobre a sua decisão, o que o ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, decidiu fazer esta terça-feira foi delinear o plano de ataque da maioria: acusar os Governos de José Sócrates de negócios ruinosos para o Estado, passivos avultados e caos na gestão. Tudo com data definida, ou seja, 2006, primeiro ano de governação do executivo socialista.

Aguiar-Branco denunciou um “passivo de 270 milhões de euros”, recordou o navio Atlântida, “rejeitado”, repescou o “histórico de 13 navios construídos, entre 2006 e 2011, todos eles com prejuízo”, lembrou o “conselho de administração demissionário”, as “dúvidas” europeias sobre auxílios do Estado português e o “encargo, todos os anos, de milhões de euros para os contribuintes”, num total de 40 milhões de euros. Com um responsável directo, concluía: “É assim desde 2005, ano em que os estaleiros construíram o último navio com lucro para empresa”.

E o ministro continuou o ataque classificando as acusações que lhe tinham sido dirigidas como as “coisas mais absurdas”, que feriam a sua “honorabilidade” e como tal deveriam ser tratado “em tribunal”. Confirmaria depois que avançaria com um processo de difamação contra a eurodeputada socialista Ana Gomes, que acusou o ministro de comportamento “criminoso”.

Uma postura bem mais frontal do que a assumida por Alberto Martins. De forma cautelosa, o líder parlamentar do PS garantia que os socialistas não se oporiam ao que contribuísse para a “transparência” do processo e deu "luz verde" à iniciativa do PCP. "Tudo o que seja conducente à transparência dos factos e dos actos do Governo e da administração merece naturalmente a concordância do PS. Por isso, damos o nosso acordo à iniciativa de comissão de inquérito proposta pelo grupo parlamentar do PCP", assumia o socialista.

Pelo meio, o PSD mostrava-se descontraído. Sem decisão aparentemente tomada, mas sem nada a esconder, garantia a vice-presidente social-democrata Teresa Leal Coelho. “Daquilo que posso dizer é que o PSD não tem nada a esconder no que diz respeito a este processo da venda, da subconcessão dos Estaleiros de Viana do Castelo", afirmou no Parlamento. Os sociais-democratas admitem a criação da comissão desde que este analise o que se paassou naquela empresa nos últimos dez anos. A dirigente social-democrata defendeu a acção do ministro da Defesa e elogiou o Governo, que, apesar de todas as dificuldades, “levou a bom porto um processo muito difícil”, condicionado pela União Europeia, mas, ainda assim, transparente.

Em Bruxelas, outros eurodeputados socialistas deitavam mais achas na fogueira. Edite Estrela e Correia de Campos confirmavam ter interpelado o executivo comunitário sobre o despedimento dos 609 trabalhadores dos estaleiros, relacionando-o com a decisão da Comissão Europeia sobre as ajudas públicas atribuídas à empresa.

E em Viana do Castelo o ambiente não estava mais calmo. O presidente da câmara municipal convocara o país para “um grande grito” em defesa da “jóia da coroa” – os estaleiros navais da cidade – para o próximo sábado, numa “grande jornada de luta” contra o anunciado despedimento colectivo dos actuais 609 trabalhadores e o encerramento da empresa. Em conferência de imprensa, acompanhado pela comissão de trabalhadores, o autarca socialista José Maria Costa apelou a artistas, políticos, elementos da Marinha, atletas e sociedade civil que compareçam na iniciativa denominada A Construção Naval Não Pode Morrer.

“Vamos fazer de Viana do Castelo o centro do país na defesa de uma empresa que representa a nossa identidade. Vamos lançar um grito nacional, a partir da Praça da República, para que o processo de subconcessão dos estaleiros navais seja suspenso e não se perca o conhecimento que existe”, sustentou. O coordenador da Comissão de Trabalhadores dos ENVC, António Costa, afirmou que o encerramento do maior construtor naval português é um “crime social” e um “erro estratégico”.

E, como se tal não bastasse, o PCP prometia gastar todas as munições parlamentares para avançar com o processo. Mesmo que a maioria chumbasse a inciativa, os comunistas asseguravam ter um plano B. No encerramento das jornadas parlamentares do partido, em Faro, o líder parlamentar comunista, João Oliveira, avançava com a proposta da criação potestativa da comissão, caso não houvesse acordo inicial. Logo depois de o partido ter avançado com a proposta de constituição de uma comissão de inquérito parlamentar, o BE abriu caminho à iniciativa

Se dúvidas houvesse sobre o desconforto socialista, bastava atentar nas dúvidas do socialista Marcos Perestrello, que defendia que a comissão primeiro ouvisse em audição o ministro e a ENVC. E outros tentavam centrar o debate em questões menos polémicas, como Jorge Fão, deputado do PS por Viana do Castelo, ao defender no Porto Canal que “os ENVC deveriam manter uma presença do Estado na sua estrutura administrativa, ou seja, um modelo idêntico àquele que se seguiu na OGMA, em que 65% foram privatizados e 35% se mantiveram na esfera pública”.

Ainda assim, há contas a fazer. Para a aprovação da comissão de inquérito, sob agendamento potestativo, são necessários 46 deputados, ou seja, um quinto dos 230. PCP, BE e PEV somam 24 parlamentares, pelo que precisariam de mais 22.