Padre condenado a dez anos de prisão por abusar de menores
Sacerdote enfrentava acusação de 19 crimes de natureza sexual, envolvendo seis crianças entre os 13 e os 15 anos.
O colectivo de três juízes decidiu ler apenas uma súmula da decisão, tendo insistindo na credibilidade do testemunho das vítimas, seis menores entre os 13 e os 15 anos, cinco das quais eram internos do seminário.
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O colectivo de três juízes decidiu ler apenas uma súmula da decisão, tendo insistindo na credibilidade do testemunho das vítimas, seis menores entre os 13 e os 15 anos, cinco das quais eram internos do seminário.
O padre ouviu a condenação de pé e sem grande reacção, tendo-se recusado a prestar declarações à saída da sala de audiências. O sacerdote permaneceu mais de uma hora e meia dentro do tribunal, tendo abandonado as instalações já depois as 18h. Saiu calmo e perante a insistência dos jornalistas referiu apenas que “as respostas serão dadas no seu devido tempo”.
Ao lado seguia o advogado, Inácio Vilar, que também não quis fazer comentar a decisão, não adiantando sequer se vai recorrer da condenação. Mas várias fontes próximas da defesa davam ontem como certo o recurso. O tribunal decidiu manter o pároco em prisão domiciliária até o caso transitar em julgado, devendo o sacerdote continuar numa casa da diocese da Guarda, para onde se dirigiu quando saiu do tribunal.
Os dez anos de prisão resultam do cúmulo dos 19 crimes que, isoladamente, foram punidos com penas entre um ano e dois meses e dois anos de cadeia.
O tribunal considerou que o padre se aproveitou do “grande ascendente” que tinha sobre as vítimas, do medo que lhes causava e da vergonha que sentiam por ”satisfazer[em] os seus desejos sexuais”. No fim dos actos, o padre dizia sempre aos menores que gostava muito deles e que “aquilo que lhes fazia era o que o pai fazia a um filho”. Depois despedia-se, pedindo-lhes para não dizerem nada a ninguém.
Na sua sentença histórica, a juíza presidente Alexandra Reboredo sublinhou que a ilicitude dos actos sexuais foi subindo ao longo do tempo e realçou as funções de "educando" do arguido, sem nunca se referir ao facto de este ser padre. “A maior parte dos ofendidos vivia num estabelecimento onde os pais os deixaram para serem educados”, afirmou.
A magistrada explicou com pormenor de que forma é que o tribunal formou a convicção, adiantando que o arguido sempre negou os factos, reconhecendo apenas ter ido algumas vezes aos dormitórios. A magistrada precisou que o padre justificou as denúncias como sendo uma vingança por parte da vítima mais velha e com uma “cabala” por parte dos cinco internos que o quereriam “prejudicar”.
A juíza salientou, contudo, que essa versão não mereceu credibilidade, ao contrário dos testemunhos dos ofendidos, que classificou de “coerentes e lógicos”. Realçou que os menores foram objectos de perícias de personalidade, feitas por técnicas especializadas neste tipo de análise, e que concluíram que as vítimas “sabiam distinguir entre a verdade e a mentira e não efabulavam”.
Indemnizações de 2000 e 1000 euros
A juíza descreveu com pormenor o caso mais antigo em julgamento, que envolveu um menor hoje com 21 anos, o único que depôs presencialmente em tribunal. Os restantes foram gravados para memória futura e ouvidos em audiência.
O padre foi condenado pelo crime de coacção sexual relativamente à vítima mais velha por factos que ocorreram em 2008. Este rapaz era aluno da disciplina de Religião e Moral no externato de Tortosendo, onde o pároco leccionava, tendo numas férias o sacerdote convencido o menor a ir ao seminário para aceder à Internet. Nessa altura, tentou beijá-lo.
O padre alegou, durante o julgamento, que o rapaz se quis vingar dele porque ajudara a sua namorada a sair da escola onde ambos andavam e a ir para Seia. A juíza realça, no entanto, que a rapariga, que já não namora com o ofendido, foi ouvida pelo tribunal, tendo referido que nunca pediu ajuda ao padre e que o namorado sempre soubera da sua intenção de ir estudar para Seia. Por outro lado, lembrou que existe um email enviado em 2008 ao Ministério da Educação a descrever os factos e que o aluno também se queixou na altura ao director do externato, que confirmou a conversa em tribunal. Por fim, recorda que o menor deixou de facto de frequentar as aulas de Religião e Moral e que, quando o padre foi detido preventivamente, mandou uma mensagem ao responsável da instituição de ensino dizendo-lhe “talvez agora perceba porque é que eu não quis continuar nas aulas”.
Quanto aos cinco alunos internos, a juíza fez questão de frisar que estes não faziam parte de nenhum grupo, não havendo qualquer ligação entre eles. “Entraram no seminário em alturas diferentes e não dormiam sequer na mesma camarata”, sublinhou Alexandra Reboredo. A magistrada referiu que os testemunhos das vítimas foram corroborados por outros internos do seminário, a quem os ofendidos contaram o que se passou, e que um deles prestou testemunho a chorar. A juíza revelou que os menores chegaram a ter um plano para apanhar o padre em flagrante a cometer os abusos.
A magistrada desmontou de forma detalhada os testemunhos da defesa, sublinhando que todos pecavam pelo mesmo motivo: “O pressuposto dogmático de que o arguido não cometeu os crimes, não admitindo sequer a possibilidade de tal ter ocorrido."
O tribunal aceitou os dois pedidos de indemnização pedidos pelas vítimas, mas reduziu substancialmente o seu valor. Um dos menores pedia 10 mil euros por danos morais, tendo o colectivo determinado o pagamento de dois mil; e outro solicitava 1.800 euros, tendo os juízes concedido uma indemnização de mil.
Cá fora, a curiosidade levou algumas pessoas, poucas, a aguardar pela leitura da sentença. O padre Luís Mendes chegou acompanhado pelo advogado, calmo e sorridente. Disse “boa tarde” e entrou no tribunal. A mãe do sacerdote, juntamente com outros familiares, apenas assistiu à parte final da leitura da sentença. Impedida de entrar na sala, por já não haver lugares disponíveis, a mãe passou o tempo a andar de um lado para o outro, indignada por não a deixarem estar ao pé do filho. Acabou por entrar poucos minutos antes de a juíza ler a sentença e saiu sem prestar qualquer declaração.
No final da sessão, as opiniões dividiram-se. Francisco de Jesus, que foi de propósito de Idanha-a-Nova para o Fundão, disse serem “poucos” os dez anos aplicados. “Deveriam ter sido mais, onde já se viu meterem-se assim com crianças. Mas foi feita justiça”, sustentou.
Mesmo depois de terem sido dados como provados os factos, algumas das pessoas mais próximas do padre Luís Mendes afirmaram que a sentença foi “ditada sem critérios objectivos”. E ressalvaram: “É uma injustiça.”
O padre Luís Mendes terá ainda de enfrentar o julgamento do Tribunal Eclesiástico. A Diocese da Guarda deu início ao processo logo em Dezembro de 2012, altura em que o caso foi denunciado e o padre detido. As investigações estão a decorrer e são independentes das que foram feitas pelo poder judicial. Fonte ligada à Igreja explicou que o caso foi comunicado ao Vaticano, tal como a lei canónica obriga, mas que o processo está a ser desenvolvido no tribunal eclesiástico da diocese da Guarda.
O único caso de um padre condenado por crimes sexuais com menores foi o célebre julgamento do padre brasileiro Frederico Cunha, condenado no Funchal, há 20 anos, a um cúmulo jurídico de 13 anos de prisão pelo crime de homicídio do jovem Luís Miguel, de 15 anos, e por "homossexualidade com menor". O padre foi condenado a pagar uma indemnização de oito mil euros aos pais, pena que nunca cumpriu. O padre, cuja leitura da sentença foi transmitida em directo nas televisões, fugiu para o Brasil em 1998, aproveitando uma saída precária. Com Tolentino de Nóbrega