Os malefícios do Photoshop

O Photoshop cria imagens de ser humanos irreais como se fossem reais. Por isso hoje, ainda que diferentes dos do tabaco, o Photoshop é produtor de grandes malefícios

Foto
Steven Erat/Flickr

Apesar de ser só uma ferramenta informática de manipulação de imagens digitais, o Photoshop pode bem ser visto como um estandarte dos nossos tempos. É que a sua utilização, para transformar imagens humanas no ideal contemporâneo de beleza e perfeição, aliada ao mediatismo global do presente, acaba por ser causa e consequência de uma forma de olhar o mundo e, em particular, uma forma de olhar para o ser humano.

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Apesar de ser só uma ferramenta informática de manipulação de imagens digitais, o Photoshop pode bem ser visto como um estandarte dos nossos tempos. É que a sua utilização, para transformar imagens humanas no ideal contemporâneo de beleza e perfeição, aliada ao mediatismo global do presente, acaba por ser causa e consequência de uma forma de olhar o mundo e, em particular, uma forma de olhar para o ser humano.


O Photoshop permite que as fotos das pessoas sejam retocadas de tal forma que o resultado final é a criação de imagens de ser humanos irreais como se fossem reais. Por isso hoje, ainda que diferentes dos do tabaco, o Photoshop é produtor de grandes malefícios. À cabeça, a distorção da realidade!


Já não bastava o protagonismo mediático ser dado aos seres humanos que são belos por natureza (que apenas devem representar 1% da população) como ainda as imagens desses espécimes privilegiados são manipuladas para que a idealização da beleza pareça ser verdade.


Alisa-se a pele, retiram-se os sinais, estrias e rugas, alongam-se as pernas, subtraem-se gorduras, banhas e pneus, tonificam-se os músculos. Escondem-se as olheiras, coloram-se as faces e realçam-se as pestanas. Enfim, criam-se bonecos virtuais com caras humanas conhecidas, dando a entender que aquilo é o ser humano que se quer e cobiça, mas também que aquilo é um ser humano que existe e, por isso, o ser humano como deve ser.


Perante tal glorificação, mistificação e manipulação do ideal, o confronto com a realidade agudiza-se. Porque não somos altos, musculados e definidos como os outros. Ou as mulheres, porque que não têm as pernas limpas e esguias, a barriga lisa, os peitos grandes e perfeitos, os lábios carnudos, a tez correcta e as curvas certas.


Por isso vemos misses venezuelanas a transformarem a sua beleza natural num qualquer boneco ideal padronizado. E estrelas de cinema que se viciam em operações plásticas para manterem o seu trabalho. Ou, então, mulheres envelhecidas que lutam, com tudo o que têm (e com o que às vezes não têm) para que o seu corpo não obedeça à idade e à realidade mas aos ditames do Photoshop. Ou ainda jovens adolescentes que encomendam mamas de silicone pelo Natal como se a conformidade a esses padrões irreais fosse o caminho para a felicidade.

Enfim, esconde-se a idade e a verdade dos corpos (mesmos dos mais belos do planeta) e parte-se rumo ao irreal. O destino a que se chega é a infelicidade. Os projectos já divulgados pelo P3 de fotos de corpos reais como o de Gracie Hagen e de Henrik Fjørtoft são um grande contributo para que se afinem as expectativas e ambições em função da realidade. É idiota vivermos num mundo de frustrações porque não conseguimos atingir o fictício…


Mas falta ainda a publicidade e os filmes comerciais incorporarem esta dimensão da realidade e mostrarem corpos normais (alguns velhos, alguns deficientes, alguns feios) como o padrão. Porque é na realidade que nos movemos e é na realidade que vamos ter os nossos corpos (e os corpos de quem desejamos), devemos perorar: Photoshop? Só com moderação…