Depois da Irmandade, Exército persegue agora aqueles que derrubaram Mubarak
No Egipto fecha-se o círculo: a repressão já não visa só os islamistas, e o medo do “regresso do Estado de Mubarak através da legislação” é bastante real.
Alaa é jovem, fez 32 anos na quinta-feira, mas é um velho frequentador das esquadras e das prisões do Cairo. Foi detido quando Hosni Mubarak ainda estava no poder e depois, em 2011, pelo Conselho Supremo das Forças Armadas, que deixou cair o ditador, mas segurou o regime e permaneceu no seu comando até às eleições do Verão do ano passado. Já foi acusado outras vezes.
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Alaa é jovem, fez 32 anos na quinta-feira, mas é um velho frequentador das esquadras e das prisões do Cairo. Foi detido quando Hosni Mubarak ainda estava no poder e depois, em 2011, pelo Conselho Supremo das Forças Armadas, que deixou cair o ditador, mas segurou o regime e permaneceu no seu comando até às eleições do Verão do ano passado. Já foi acusado outras vezes.
Na quarta-feira soube que havia um mandado de captura em seu nome, por alegadamente ter organizado um protesto ilegal, na véspera, do movimento contra os julgamentos militares de civis. Anunciou que se entregaria este sábado pelas 12h no escritório do procurador-geral, no centro do Cairo. Era sábado que o procurador o queria ouvir, a ele e a outros activistas, como Ahmed Maher, um dos fundadores do Movimento da Juventude 6 de Abril. Mas na quinta-feira, pelas 22h, a mulher de Alaa, a também activista Manal Hassan, acordou com a chegada da polícia.
Segundo descreveu Manal nas redes sociais e em conversa com o site de notícias independente egípcio Mada Masr, 20 homens, alguns de cara tapada e com armas pesadas, entraram pela sua casa, enquanto o filho de dois anos do casal dormia. Computadores e telemóveis foram confiscados e, quando o casal pediu para ver um mandado, os polícias bateram em Alaa e esbofetearam Manal. “Se a polícia já me bateu dentro de minha casa, imagino o que farão ao Alaa. Temo pela sua segurança”, escreveu Manal no Twitter, pouco antes de publicar uma fotografia de manchas de sangue no chão do seu quarto.
Alaa, um dos mais respeitados bloggers do país, não negou as acusações. No comunicado que divulgou na quarta-feira dizia apenas que não podia reclamar para si “a honra de se responsabilizar pelo desafio do povo ao regresso do Estado de Mubarak através da legislação”. Há duas leis contestadas: a nova Constituição, que está a acabar de ser redigida e que prevê que civis possam continuar a enfrentar julgamentos militares, e a nova lei das manifestações, anunciada no último fim-de-semana pelo Governo interino e já denunciada pelas Nações Unidas e por muitas organizações de direitos humanos.
Ameaças e munições reais
De acordo com esta nova lei, os organizadores de qualquer protesto têm de avisar o Ministério do Interior com três dias de antecedência e este reserva-se o direito de proibir manifestações que constituam uma ameaça à “segurança” e “à ordem pública”, “perturbem o interesse dos cidadãos” ou “obstruam a Justiça” – nada disto aparece descrito ou definido no decreto, pelo que a interpretação será flexível. A lei autoriza as forças policiais e os militares a dispersarem qualquer protesto com recurso a gás lacrimogéneo, canhões de água, granadas de fumo, tiros de aviso, balas de borracha e também munições reais.
Desde os protestos pacíficos que levaram à queda de Mubarak, mais de 2000 egípcios foram mortos em manifestações. Nos últimos meses, as vítimas têm sido sobretudo apoiantes da Irmandade Muçulmana, alvo de uma dura repressão desde que os generais derrubaram o islamista Morsi da presidência, a 3 de Julho. Já nesta sexta-feira, polícias e soldados reprimiram cortejos de apoiantes de Morsi no Cairo, em Alexandria e no Suez.
Fartos de Morsi, que acusaram de ser outro autoritário, e do Governo da Irmandade, que ganhara a presidência e as legislativas, muitos activistas pró-democracia apoiaram o golpe militar para afastar a confraria. Agora, os militares estão a mostrar que são eles que mandam e que não há espaço para a crítica, venha de onde vier.
Tortura e greve de fome
Os últimos dias têm sido cheios em ordens de prisão, detenções e condenações duras. O protesto de terça-feira, que valeu a acusação a Alaa, foi dispersado com brutalidade e 51 pessoas foram detidas: as mulheres já foram libertadas, acusando a polícia de tortura e assédio sexual; os 24 homens continuam detidos e entraram em greve de fome nesta sexta-feira, no mesmo dia em que os seus advogados abandonaram uma audiência em protesto contra a tortura que dizem que os detidos sofreram e à recusa das autoridades em assegurar que recebem o acompanhamento médico necessário.
Na quarta-feira, 14 mulheres membros da Irmandade Muçulmana foram condenadas a 11 anos de prisão, acusadas de pertencerem a uma organização terrorista e de terem cortado o trânsito – com elas foram ainda condenados seis homens, acusados de as terem incitado a cortar estradas na cidade de Alexandria, depois de um protesto onde se pedia o regresso de Morsi ao poder.
“Peço ao Presidente interino, Adly Mansour, que utilize o seu direito de conceder perdão no caso das jovens condenadas a 11 anos de prisão”, escreveu no Twitter Hamdeen Sabbahi, ex-candidato à presidência e um dos mais ferozes opositores de Morsi. Em Julho, Sabbahi apoiou o Exército quando este afastou o líder islamista e defendeu que não se tratava de um golpe, já que milhões de egípcios tinham pedido na rua a demissão do Presidente.