Exílio das crianças sírias passa cada vez menos pela escola e mais pelo trabalho

Relatório do ACNUR revela que só no Líbano o número de crianças sírias que não vão à escola é já quase maior do que o número de crianças libanesas a frequentar o ensino.

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O relatório O Futuro da Síria: as Crianças Refugiadas em Crise é o resultado de quatro meses de investigação do ACNUR na Jordânia e no Líbano, países que acolhem 60% do milhão de refugiados sírios com menos de 18 anos. Só nestes dois países, haverá mais de 300 mil crianças que não têm acesso à educação – no caso do Líbano, 80% dos menores não têm lugar nas escolas e, sublinham os autores, muito em breve vão superar o total de crianças libanesas que frequentam o sistema de ensino.

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O relatório O Futuro da Síria: as Crianças Refugiadas em Crise é o resultado de quatro meses de investigação do ACNUR na Jordânia e no Líbano, países que acolhem 60% do milhão de refugiados sírios com menos de 18 anos. Só nestes dois países, haverá mais de 300 mil crianças que não têm acesso à educação – no caso do Líbano, 80% dos menores não têm lugar nas escolas e, sublinham os autores, muito em breve vão superar o total de crianças libanesas que frequentam o sistema de ensino.

Muitos dos que não vão à escola passam os dias sem sair das tendas ou dos apartamentos onde as famílias encontraram abrigo – 29% das mais de 200 crianças ouvidas pelo ACNUR admitiam só sair de casa uma vez por semana. Mas há também um número cada vez maior, quase sempre rapazes, que se vêem obrigados a passar 10, 12 ou 14 horas por dia a trabalhar.

“Ofereço café, chá e limpo as mesas entre as seis da tarde e as cinco da manhã. Não tenho intervalo, mas, se as coisas estiverem calmas, posso sentar-me”, contou a um correspondente do jornal Guardian Samir, um rapaz de 13 anos que trabalha, seis noites por semana, num salão de bilhar em Irbid, cidade jordana na fronteira com a Síria.

Quando vivia em Homs, na região central da Síria, frequentava a escola, mas o pai morreu e a mãe ficou paralisada quando uma bomba lhes destruiu a casa. A mãe deu a filha a casar a um homem de 50 anos e ele é agora o único ganha-pão da família. Por cada dia de trabalho, recebe o equivalente a quatro dólares, contou ao jornal britânico.

O ACNUR calcula que mais de 70 mil crianças perderam o pai na guerra, e, entre estas, 3700 vivem sozinhas ou sem nenhum dos progenitores. São as mais vulneráveis entre os vulneráveis, as que maiores probabilidades têm de ser vítimas de exploração, ainda que as leis quer do Líbano quer da Jordânia proíbam o trabalho infantil.

Um relatório da UNICEF publicado em Março calculava que uma em cada dez crianças sírias refugiadas tinha sido obrigada a trabalhar – só no Vale do Jordão, o fundo para a infância da ONU concluiu que quase metade das 3500 crianças em idade escolar estava a trabalhar, muitas vezes efectuando tarefas habitualmente atribuídas a adultos, recorda o Guardian.

O ACNUR volta também a alertar que muitas das crianças nascidas já no exílio são apátridas. Dos 781 bebés que registou no Líbano, 77% não tinham certificado de nascimento emitido pelo Governo, e mesmo no gigantesco campo de Zatari, que gere em cooperação com as autoridades jordanas, apenas 68 crianças foram oficialmente registadas entre Janeiro e Outubro deste ano.

“Se não agirmos rapidamente, uma geração de inocentes vai tornar-se vítima duradoura desta guerra horrível”, avisou António Guterres, alto comissário da ONU para os refugiados na apresentação do relatório, que surge dias depois de a ONG britânica Oxfam ter calculado que 11 mil crianças perderam a vida na Síria desde o início do conflito, em 2011.

Além do reforço dos donativos e de uma maior disponibilidade para receber quem fugiu da guerra, o ACNUR pede também à comunidade internacional que não desista de encontrar uma solução política para o conflito. “Quanto mais ela durar, menos as pessoas serão capazes de olhar para o seu futuro na Síria – e isso é um ponto de viragem. Precisamos de renovar constantemente a esperança de que há uma solução à vista e de que as pessoas vão, quando a guerra acabar, poder regressar à Síria”, disse Volker Turk, director para a protecção internacional do Alto Comissariado.