Carta a Pacheco Pereira – parte I

O Pacheco Pereira não tinha a ganhar absolutamente nada em estar ali – a esquerda nunca o irá apreciar, e a direita ficou a apreciá-lo um pouco menos –, e por isso a sua presença na Aula Magna foi certamente resposta a um impulso profundo de consciência. Como disse no seu discurso, “os tempos não estão para inércias nem para confortos”. Tenho o maior respeito por isso.

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O Pacheco Pereira não tinha a ganhar absolutamente nada em estar ali – a esquerda nunca o irá apreciar, e a direita ficou a apreciá-lo um pouco menos –, e por isso a sua presença na Aula Magna foi certamente resposta a um impulso profundo de consciência. Como disse no seu discurso, “os tempos não estão para inércias nem para confortos”. Tenho o maior respeito por isso.

Mais do que respeitar, ao descrever a “estranha assembleia” que ali se reuniu, percebi de repente que também eu poderia ter lá estado, já que pertenço ao grupo dos que pensam – são palavras suas – que “o memorando, filho da necessidade extrema, poderia ser aplicado de modo muito diferente, sem o rasto de incompetências e mistelas ideológicas deixadas por este Governo”. E se lá estivesse, com certeza tê-lo-ia aplaudido quando denunciou a promiscuidade entre o Estado e o sector financeiro, a tolerância a swaps e PPP enquanto “se viola todos os contratos com os homens e as mulheres do país”, ou a tentativa dos governantes se desresponsabilizarem “por políticas que abraçaram com todos os braços, e que agora, quando correm mal, fazem de conta que não é com eles”. Tudo isto é verdade, e eu assino por baixo.

O problema, caro Pacheco Pereira – e é aqui que nós nos separamos irremediavelmente – é que da mesma forma que para si é insuportável a hipocrisia e incompetência do actual Governo, e por isso luta contra ele com todas as suas forças, para mim é insuportável a hipocrisia de quem finge que o mero protesto é uma resposta moralmente aceitável para os problemas que nos afundam. Para si, chega-lhe “não lutar pelas mesmas coisas mas contra as mesmas coisas”. Chega-lhe que Mário Soares esteja do lado certo, porque não se ri “cinicamente de receitas abstractas”, enquanto o primeiro-ministro não tem um pingo de “empatia e sentimento de comunidade com os portugueses”. Isto chega-lhe e chegou-lhe para ir à Aula Magna. Não para “defender”, mas sim para “atacar”.

Só que, diante disto, confesso que os meus sentimentos se misturam. Por um lado, acho comovente que o Pacheco Pereira que leio há mais de 20 anos, o homem cerebral, racional, antidemagógico, opositor do engraçadismo, combatente de todas as simplificações, se transforme subitamente num vulcão de emoções, de indignação e de acusações simplistas. Por outro, faz-me confusão a falta de critério desta sua análise e a forma como ela legitima o silêncio sobre a mais urgente pergunta dos nossos dias: o que fazer a seguir?

Toda a crítica política séria que em 2013 não venha acompanhada de uma alternativa concreta e praticável é, citando São Paulo, “como bronze que ressoa ou como címbalo que tine”. É um convite ao vazio. Na Aula Magna gritou-se muito por demissão. Mas demissionários são todos os que querem ajudar a geração nem-nem com políticas nim-nim – nem assim, nem assado, nem de forma alguma que o povo português consiga compreender. Que o Pacheco Pereira se tenha transformado, aos meus olhos, numa pessoa surpreendentemente emotiva, acho até bonito. Mas depois de todo este empolgamento, faz-se o quê, afinal?

(Continua…)

Jornalista