Tribunal Constitucional deixa passar lei das 40 horas na função pública

Decisão foi tomada por sete votos contra seis. Pedido de fiscalização foi feito por todos os partidos da oposição.

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Daniel Rocha

No total, os funcionários públicos passam a trabalhar 40 horas por semana e oito por dia, em vez das sete que vigoravam antes de o diploma ter sido aprovado na Assembleia da República a 29 de Julho. Na altura, foi aprovado com os votos do PSD e do CDS e os votos contra de toda a oposição.

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No total, os funcionários públicos passam a trabalhar 40 horas por semana e oito por dia, em vez das sete que vigoravam antes de o diploma ter sido aprovado na Assembleia da República a 29 de Julho. Na altura, foi aprovado com os votos do PSD e do CDS e os votos contra de toda a oposição.

Os pedidos de fiscalização sucessiva foram feitos pelo PS e assinados por 37 deputados, entre os quais o secretário-geral, António José Seguro, e pelos grupos parlamentares do PCP, BE e PEV. No pedido de fiscalização enviado ao Tribunal Constitucional, os deputados concluem que a alteração dos limites do horário de trabalho da função pública colocaria em causa "os princípios da proibição do retrocesso social, da segurança jurídica e da confiança, a par dos princípios da igualdade e da proporcionalidade". 

O grupo de deputados do PS que requereu a fiscalização considerou que os artigos 2.º, 3.º e 4.º violavam o direito a um limite máximo da jornada de trabalho e o comando constitucional que obriga o Estado a fixar, a nível nacional, os limites da duração do trabalho. Mas também os princípios constitucionais da igualdade, da protecção da confiança legítima e da proporcionalidade próprios do Estado de direito”, assim como o direito à retribuição.

Um outro grupo de deputados do PCP, PEV e BE recorreram também das mesmas normas, “por violação dos princípios e das normas constitucionais (…), relevando os princípios da proibição do retrocesso social, da segurança jurídica e da confiança, a par dos princípios da igualdade e da proporcionalidade”. 

Igualdade no público e no privado
A maioria dos juízes entendeu que a lei das 40 horas “corresponde a uma nova opção fundamental do legislador [itálico no acórdão], inserindo-se no quadro de uma reforma da administração pública e do estatuto dos seus trabalhadores que visa aproximar este do regime do contrato individual de trabalho.

“Trata-se de uma solução destinada a garantir a eficácia imediata da alteração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas e que todos estes trabalhadores fiquem colocados numa situação inicial de igualdade, a partir da qual, futuramente, se poderão estabelecer as diferenciações que, em função dos diferentes sectores de actividade e pelos modos previstos nos regimes próprios aplicáveis, sejam consideradas convenientes”, lê-se no acórdão.

Os juízes do Palácio Ratton reconhecem que ao aumento de cinco horas semanais de trabalho corresponde um "grande prejuízo" de tempo para os trabalhadores da função pública. "Não se ignora que o aumento do período normal de trabalho diário poderá originar despesas adicionais para os trabalhadores (relacionadas com transportes, com o cuidado de ascendentes ou descendentes, etc.), mas, em todo o caso, há que ter presente que o grande prejuízo que as normas impugnadas lhes trazem é de tempo: tempo disponível para si mesmos, para as suas famílias e para o exercício de um conjunto de direitos fundamentais consagrados na Constituição".

Além da diminuição de "tempo disponível para si mesmos", os juízes também sinalizaram a "perda salarial real" que advém de um aumento da carga horária diária sem que a tal corresponda um aumento salarial. Mas essa perda salarial, fundamentam, "limita-se à remuneração do trabalho suplementar".

 Quanto à violação da obrigação de fixar um limite máximo do horário de trabalho, alegada pelo PS por considerar que aquele limite máximo não é absoluto, dado que a fixação do período normal de trabalho em oito horas por dia e 40 por semana não prejudica a previsão, por diploma próprio, de períodos superiores, o TC também não viu nenhuma inconstitucionalidade. “Esses limites só podem ser excedidos pelos mecanismos de flexibilização taxativamente fixados na lei, com especial destaque para a adaptabilidade e para o banco de horas”, sustentam os juízes. E, nos casos em que a lei aceite que se excedam as 40 horas, “o regime coincide inteiramente com o consagrado no Código do Trabalho. E o Tribunal Constitucional já decidiu, nos acórdãos 338/2010 e 602/2013, que tal não representava uma restrição ilegítima ao direito ao repouso e ao lazer dos trabalhadores”, justifica o acórdão.

Lei positiva e necessária
O TC também não considerou, como pedia o segundo grupo de requerentes, estarem a ser violados nem o princípio da confiança, nem o da proibição de retrocesso social. Neste caso, os juízes defenderam que da lei “não se retira qualquer parâmetro próprio de controlo da afetação negativa dos direitos sociais”.

Já sobre o princípio da confiança o relator dá como defensável que “o aumento agora introduzido, na medida em que contraria a normalidade anteriormente estabelecida pela actuação dos poderes públicos nesta matéria, frustra expectativas bem fundamentadas”. Mas logo refuta a ideia: “Todavia, e em sentido inverso, pode, desde logo argumentar-se que a tutela constitucional da confiança, por sua natureza, não pode ser considerada entrave a qualquer alteração legislativa passível de frustrar expectativas legítimas e fundamentadas dos cidadãos.”

Para os juízes que aprovaram este acórdão, a Lei n.º 68/2013 é “mais uma etapa” do “processo de laboralização da função pública”, no âmbito do qual tem sido reconhecida “a convergência entre o regime laboral privado e as regras do trabalho público, em termos de flexibilidade da parte do trabalhador e condicionalismos do empregador”.

“O objectivo, declarado, de convergência, gradual e tendencial, entre o regime laboral dos trabalhadores do sector privado e do sector público é um propósito admissível no actual quadro jurídico-constitucional, pelo menos no que respeita a boa parte das matérias disciplinadas pelo regime jurídico do emprego público, de que não se exclui a duração do tempo de trabalho. Daí não se poder falar de justificada expectativa de manutenção do statu quo”, conclui o acórdão.

No final, os juízes consideram ainda que a lei é positiva e necessária. No primeiro caso, porque “proporciona um alargamento dos horários de funcionamento e atendimento ao público dos serviços da administração, o que não poderá deixar de considerar-se como um efeito positivo, não só a nível individual, para cada utente, como em termos globais, para a sociedade”. No segundo, porque se insere num “pacote de medidas de contenção de despesa pública que constam da Sétima Revisão do Programa de Ajustamento para Portugal constante do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica”, visando “a diminuição da massa salarial do sector público através de restrições ao emprego e a redução da remuneração do trabalho extraordinário e de compensações”. 

Constitucional dividido
A decisão da constitucionalidade da lei foi suportada pelos três juízes cooptados pelos restantes elementos daquele órgão. A saber: Lino Rodrigues Ribeiro, escolhido em 2013, Pedro Machete, que chegou em 2012 para ocupar o lugar de Rui Moura Ramos, e Maria João Antunes, cooptada em 2004.

Os outros votos a favor foram de Maria de Fátima Mata-Mouros, que foi eleita no Parlamento em 2012, depois de indicada pelo CDS, José Cunha Barbosa, proposto pelo PSD em 2011, e Maria Lúcia Amaral, actualmente vice-presidente, eleita pelo Parlamento em 2007 depois de indicada pelo PSD.

O resultado da votação cruzou o campo ideológico, com uma juíza proposta pelo PS a votar pela constitucionalidade e dois conselheiros indicados pelo PSD a votar contra.

Ana Maria Martins, que está desde 2007 no TC depois de proposta pelo PS e eleita no Parlamento, votou a favor. Mas entre os seis juízes que votaram vencidos nesta decisão do Tribunal Constitucional há dois que foram propostos pela direita. João Cura Mariano foi eleito em 2007 depois de proposto pelo PSD. O mesmo se passou em 2012 com Maria José Rangel de Mesquita. Trata-se dos restantes que votaram contra a decisão.

Catarina Sarmento e Castro – que foi proposta em 2010 pelo PS – também declarou ter sido vencida de forma parcial neste acórdão. Foram ainda propostos pelo PS Fernando Vaz Ventura em 2012, Carlos Fernandes Cadilha e Joaquim de Sousa Ribeiro em 2007. Este último é o actual presidente do Tribunal Constitucional.

UGT "estupefacta"
Numa primeira reacção ao PÚBLICO, o líder parlamentar do PS, Alberto Martins, disse "respeitar a decisão do Tribunal Constitucional", mas lembrou que esta é "uma matéria que suscitava dúvidas consistentes, como o número de votações dos juízes demonstra, daí o PS ter pedido a fiscalização do diploma".

Já o PCP vai avançar com uma iniciativa parlamentar para repor as 35 horas semanais, considerando que a decisão do TC significa um “retrocesso laboral”. Em declarações à Lusa, o deputado Jorge Machado também disse que o PCP respeita a decisão do colectivo de juízes, embora discorde dela. "Na interpretação que nós fazemos da Constituição, não vai no sentido da justiça. Entendemos que esta medida é uma iniquidade, uma injustiça e um retrocesso daquilo que é a legislação laboral, que deve caminhar no sentido do progresso", afirmou o deputado comunista. 

O secretário-geral da UGT também reagiu com "estupefacção" ao conteúdo do acórdão. Carlos Silva afirmou que, "independentemente das razões que possam assistir a quem quer que seja, neste momento os trabalhadores estão mais pobres em 14,7% relativamente ao seu salário, uma vez que foi aumentado o seu horário de trabalho sem a devida compensação”.

À Lusa o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, disse não comungar da opinião dos juízes do TC. Para a Intersindical, disse, o aumento do horário de trabalho surge “associado a um número significativo de despedimentos na administração pública”, “vai reduzir proporcionalmente as retribuições dos trabalhadores” e é um “retrocesso civilizacional” que “não vem melhorar nem a qualidade dos serviços nem a prestação desses mesmos serviços à população”. com Nuno Sá Lourenço