Portugal já tem quase meio milhão de jovens que não estudam nem trabalham

São os chamados “nem-nem”. Jovens entre os 15 e os 34 anos que não têm emprego, não estudam, nem estão em formação. De 2008 para cá, há mais 92 mil nesta situação.

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Têm entre 15 e 34 anos e, ao contrário do que seria de esperar, não estão na escola, mas também não conseguem entrar no mercado de trabalho. Estão, literalmente, desocupados. Em alguns casos, interrompem o ciclo e fazem biscates ou trabalhos precários. Depois voltam ao mesmo. Todos sentem que estão a ser esquecidos e desperdiçados. Para todos, os dias parecem intermináveis.

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Têm entre 15 e 34 anos e, ao contrário do que seria de esperar, não estão na escola, mas também não conseguem entrar no mercado de trabalho. Estão, literalmente, desocupados. Em alguns casos, interrompem o ciclo e fazem biscates ou trabalhos precários. Depois voltam ao mesmo. Todos sentem que estão a ser esquecidos e desperdiçados. Para todos, os dias parecem intermináveis.

Liliana deixou a escola para curar uma depressão. Numa altura em que no comércio não faltava trabalho, foi adiando o regresso às salas de aula. Trabalhou numa loja de artesanato, num cabeleireiro, em lojas de decoração e de pronto-a-vestir. Nunca por mais de seis meses. A última tentativa de emprego foi há duas semanas. Três dias à experiência num café. No anúncio prometiam três dias de formação, mas afinal queriam alguém que não precisasse dela. Liliana passa a maior parte dos dias em casa. Vê televisão, está atenta às ofertas de emprego, envia currículos e espera que alguém ligue para uma entrevista de emprego. Já foi a várias. A conversa é sempre a mesma: não tem qualificações suficientes ou falta-lhe experiência. O salário nunca foi além do mínimo. Não tem direito a subsídio de desemprego porque nunca trabalhou 12 meses seguidos.

Tal como Liliana, mais de metade dos “nem-nem” completaram apenas o ensino básico. Os restantes 29% têm o secundário e 17% têm no mínimo o curso superior. Quem deixou a escola a meio corre mais riscos de entrar neste vazio e de lá permanecer por mais tempo.

Massimiliano Mascherini, coordenador do relatório sobre o fenómeno dos “nem-nem” (a que os técnicos chamam NEET, acrónimo da expressão inglesa Young People Neither in Employment nor in Education and Training) divulgado no ano passado pela Comissão Europeia, alerta que a geração do “vazio” é bastante heterogénea. Contudo, “alguns jovens correm um risco mais elevado de se tornarem NEET do que outros”. “Os jovens que abandonam o seu percurso escolar têm mais probabilidade de cair nesta situação. Quem tem um baixo nível de instrução tem três vezes mais probabilidades de se tornar NEET do que os que têm um curso superior”, realçou numa conversa telefónica a partir de Dublin, onde está a sede do Eurofound, instituição que elaborou o relatório.

Nuno Almeida Alves, sociólogo que acompanha a problemática do desemprego jovem, acrescenta que o seu aumento, também entre a categoria dos “nem-nem”, se deve às dificuldades de transição para o mercado de trabalho e para a vida adulta. Há uns anos, o problema na Europa e em Portugal era residual. Agora, alerta, ameaça tornar-se estrutural.

Alheados da política
Em 2012, a Europa apresentava uma taxa de NEET de 13,2% para os mais jovens e de 20,6% para a faixa etária dos 25 aos 34 anos. Os países nórdicos, nomeadamente a Holanda, são os que apresentam taxas mais baixas. Portugal está nos primeiros dez lugares da tabela e faz parte do grupo de países como a Espanha em que a taxa de NEET foi muito influenciada pelo aumento do desemprego associado à crise.

“São pessoas que, mesmo tendo formação, não conseguiram entrar no mercado de trabalho. Estão desencorajadas. E não estamos a contar aqui com os jovens em situação de emprego precário e subemprego que não se podem dar ao luxo de ser NEET. Têm de sobreviver”, realça o investigador do Instituto de Ciências Sociais do ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa).

O problema é que à medida que o tempo passa, quem está no vazio vai vendo a vida passar e, pouco a pouco, como diz Massimiliano Marcherini, vai surgindo “uma cicatriz” que se torna cada vez mais visível e que deixa estes jovens “alheados da política, e da participação cívica”, e com reduzidos níveis de autoconfiança e altos níveis de frustração, dificultando a sua saída dessa situação.

"Não somos preguiçosos nem piegas"
É dessa frustração que fala António (nome fictício), 25 anos. Terminou o mestrado em Engenharia Civil em 2011 e desde então a sua experiência no mercado de trabalho resumiu-se a um estágio de nove meses. “Cada dia que se abre o email, se correm os sites de emprego e no final nada se vê, é mais um dia que contribui para aumentar a nossa frustração”, conta num testemunho escrito que enviou ao PÚBLICO.

Depois do estágio já foi a várias entrevistas de emprego, mas quando chega o momento decisivo, António identifica dois problemas recorrentes: ou a empresa pretende um estágio apoiado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP ) e ele não preenche os requisitos  para se recandidatar, ou oferece salários que rondam os 600 euros, insuficientes para quem precisa de mudar de cidade para trabalhar. Concorreu a bolsas de investigação, ficou em primeiro lugar em duas delas, que acabaram por não se concretizar por falta de verba. Emigrar não está para já nos seus planos, mas não afasta a hipótese de voltar a estudar e “começar de novo”.

“Não somos preguiçosos nem piegas. Muitos de nós trabalharam e fizeram a sua parte com distinção para, no final, ficar apenas a frustração de tanto trabalho e potencial desperdiçado”, diz António, que receia nunca alcançar o “futuro prometido”.

Tiago Roça, 23 anos, terminou o mestrado em Educação Física antes do Verão, e ainda acredita nesse futuro. Tem enviado currículos, já foi a várias entrevistas mas, confessa, tem sido muito selectivo. “Para já não quero começar fora da minha área”, e também tem recusado part-times que considera mal remunerados que têm aparecido na sua área. Em Janeiro começa uma formação de inglês e em Maio vai candidatar-se para dar aulas. Até essa prova de fogo, mantém-se optimista e recusa baixar os braços. Se for preciso, emigra. Mas para já será a última solução.

David Justino, ex-ministro da Educação, entende bem as expectativas defraudadas de que fala António e realça a perda que representa para o país ter quase meio milhão de jovens neste vazio. “Cada aluno que sai do ensino superior custa ao Estado 90 a 100 mil euros em termos médios. Sem contar com o investimento que as famílias fizeram. Veja o que estamos a desperdiçar”, indigna-se.

“Temos mais gente, mais bem qualificada e as oportunidades não correspondem. Andámos durante muito tempo a criar falsas oportunidades. Agora estamos sem qualquer oportunidade”, frisa em declarações ao PÚBLICO. A solução é apenas uma, defende: crescimento económico.

Massimiliano Mascherini vai mais longe: “Neste momento precisamos de qualquer tipo de emprego, seja ele subsidiado ou precário. No longo prazo temos de pensar na qualidade do emprego.”

Regressar a casa dos pais
De acordo com o Eurofound, em 2011, os prejuízos económicos resultantes da desvinculação dos jovens do mercado de trabalho foram de 153 mil milhões de euros. É uma estimativa prudente e correspondia a 1,2% do PIB europeu.

Em Portugal, o fenómeno dos “nem-nem” é mais expressivo entre os jovens adultos, dos 25 aos 34 anos, com uma taxa 18,9%, acima da média de 16,8%. Para a geração mais nova, dos 15 aos 24 anos, a taxa desce para 14,1%.

Entre estes jovens adultos, uns nunca saíram da casa dos pais, outros tiveram de voltar quando o desemprego lhes bateu à porta. Andreia (nome fictício), professora contratada, viu-se obrigada, aos 31 anos, a regressar a casa dos pais. O que mais a incomoda? “Estar presa em casa com um subsídio de desemprego, quando podíamos estar a trabalhar, na fase mais activa da nossa vida”, diz ao PÚBLICO. Custa-lhe ver os amigos a abandonar o país e diz que mais tarde ou mais cedo será ela também a ir para fora.

Mas na realidade, estes “nem-nem” já estão fora. Fora do mercado de trabalho, da escola, da formação. Parece que não há um lugar onde os colocar.

Uma das conclusões a que o Eurofound chega é preocupante. Depois de analisar os dados estatísticos, os investigadores concluíram que ser NEET – ou  na gíria “nem-nem” –  traz “consequências negativas graves para o indivíduo, a sociedade e a economia”. E concretizam que os períodos passados nessa condição podem conduzir “a um largo espectro de problemas sociais, como isolamento, trabalho precário e mal remunerado, criminalidade juvenil e patologias mentais e físicas”. Mas, acima de tudo, é a vida que pára. Liliana, por exemplo, não consegue olhar para o futuro e ver quando poderá sair da casa dos pais para fazer a sua própria vida.