Rohani, que perdeu uma negociação, consegue agora uma vitória
Hassan Rohani foi o negociador iraniano que ofereceu uma suspensão do programa nuclear e não conseguiu nada em troca. Como Presidente, obtém agora um acordo.
A magnitude da derrota anterior foi tão grande que se chegou mesmo a especular, durante a campanha para as eleições de Junho, que ditaram o sucessor de Mahmoud Ahmadinejad, que Rohani poderia mesmo ser afastado da corrida eleitoral pelo seu papel nas negociações de 2003-05.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A magnitude da derrota anterior foi tão grande que se chegou mesmo a especular, durante a campanha para as eleições de Junho, que ditaram o sucessor de Mahmoud Ahmadinejad, que Rohani poderia mesmo ser afastado da corrida eleitoral pelo seu papel nas negociações de 2003-05.
Nessa altura, chegou a oferecer a suspensão do enriquecimento de urânio e não conseguiu nada em troca. Disseram que cedeu de mais, que teria acabado por dar informação vital ao inimigo, que não teria agido do melhor modo para os interesses do Irão. E agora, a um dia de cumprir 100 dias na presidência, pode apresentar um acordo que contempla uma parte daquilo que prometeu durante a campanha: alívio de sanções.
Na campanha eleitoral, Rohani foi uma voz dissonante em relação às sanções que estão a ter efeitos devastadores na economia do país. Normalmente descritas como algo que não afecta assim tanto a República Islâmica, ou prova da resistência do país, as sanções foram ligadas por Rohani ao desemprego e ao programa nuclear. “É bom termos as centrifugadoras nucleares a operar, mas também é importante que o país funcione e que as rodas da indústria se movam.”
Já não era possível ignorar os custos económicos: a inflação superava os 30%, a divisa iraniana perdia perto de 80% do valor, a taxa de desemprego continuava a aumentar e a produção de petróleo é a mais baixa em 25 anos.
Rohani nunca deixou de sublinhar o direito do Irão a um programa nuclear, nem o carácter “injusto” das sanções, mas fez campanha por uma abordagem diferente de todos os outros nesta questão. Prometeu um “entendimento construtivo com o mundo”, e negociar para aliviar as sanções.
O sucesso eleitoral de Rohani foi tão grande quanto surpreendente – venceu à primeira volta contra todas as expectativas. A eleição não foi só uma vitória de Rohani, foi também a derrota de Said Jalili, o negociador nuclear iraniano que simbolizava a linha dura avessa a qualquer compromisso, que ficou num distante terceiro lugar com 11% dos votos. Se muitos analistas citaram o apoio de última hora dos reformistas a Rohani (que era, apesar de tudo, um candidato do sistema – ou não seria candidato), é certo que a nova abordagem perante as sanções terá sido também um factor.
Perante isto, a autoridade máxima do país, o ayatollah Ali Khamenei, que é quem decide sobre a política externa, decidiu dar uma hipótese às negociações. Cunhou com um termo próprio a abordagem: “flexibilidade heróica”, sem nunca dar um apoio total à abordagem negocial, alertando sempre para a perfídia dos adversários.
A posição algo dúbia do ayatollah permite-lhe tanto reclamar vitória em caso de sucesso (e Rohani repetiu ontem que toda a negociações foi feita de acordo com as linhas de orientação de Khamenei) como desligar-se do processo em caso de derrota, lembrando que avisou para a possibilidade de insucesso.
Para já, analistas dizem que tem sido a aceitação das negociações pelo ayatollah que tem mantido os partidários da linha dura iraniana sem protestar demasiado, esperando ver o que resultará das negociações. Mas não totalmente neutralizados: quando Rohani regressou da assembleia geral da ONU, e depois da notícia de que teria falado directamente ao telefone com o Presidente norte-americano, Barack Obama, um pequeno grupo foi ao aeroporto recebê-lo atirando-lhe insultuosos sapatos.
O facto de ser um diplomata conhecido de quem com ele se cruzou na mesa de negociações é um benefício para Rohani. Na sua tomada de posse como Presidente esteve Javier Solana, que foi o alto representante da política externa da UE na altura em que Rohani liderava os negociadores iranianos. Na tomada de posse, Solana comentou que com Rohani seria possível um acordo sobre o nuclear.
Quando se soube que Rohani tinha escolhido para seu ministro dos Negócios Estrangeiros Mohammad Javad Zarif, que também tinha participado nas negociações falhadas de 2003-2005, a maioria dos analistas começou a levar a sério a ideia de que seria possível negociar.
As expectativas continuam agora: conseguirá o "xeque negociador" que o Supremo Líder do Irão mostre a sua flexibilidade heróica nas negociações? Terá espaço para fazer as cedências necessárias a um compromisso? Ou verá o esforço cortado por uma linha vermelha de Khamenei? Mais uma vez, Rohani estará num papel em que muito depende dele, mas a partir de um certo ponto, é o ayatollah quem decide.