Acordo nuclear com o Irão cria "um mundo mais seguro"

O Presidente dos EUA congratula-se pelos méritos da diplomacia. Israel lamenta "erro histórico". Começam agora seis meses para negociar um acordo final.

Foto
No fim do encontro, John Kerry cumprimenta o ministro do Irão, chefe da diplomacia da Alemanha fala com homólogo chinês Carolyn Kaster/Reuters

Um acordo potencialmente histórico e com um alcance que ninguém tinha antecipado sobre o programa nuclear iraniano foi anunciado na madrugada de domingo. Por volta das três da manhã, os ministros dos Negócios Estrangeiros do Irão e do grupo 5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas e a Alemanha) anunciaram a conclusão, após uma maratona negocial, de um acordo preliminar.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Um acordo potencialmente histórico e com um alcance que ninguém tinha antecipado sobre o programa nuclear iraniano foi anunciado na madrugada de domingo. Por volta das três da manhã, os ministros dos Negócios Estrangeiros do Irão e do grupo 5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas e a Alemanha) anunciaram a conclusão, após uma maratona negocial, de um acordo preliminar.

Analistas sublinham a enorme importância do acordo, ainda que este deva vigorar apenas durante seis meses, já que se segue a uma década de profunda desconfiança, linhas vermelhas, recusas teimosas, manobras vistas como destinadas a ganhar tempo, e ofertas vistas como enganadoras.

A solução encontrada teve os ingredientes necessários para o sucesso: ambos os lados — neste caso o Irão e os EUA — puderam apresentá-lo como uma vitória perante as suas opiniões públicas, uma parte das quais está descrente no sucesso das negociações e preferia uma via mais dura e intransigente.

Para o Irão era importante continuar o enriquecimento de urânio, a 5% (a República Islâmica queria um reconhecimento explícito do seu direito ao enriquecimento e obteve um reconhecimento de facto), e conseguir um alívio das sanções (apesar de ser limitada, a suspensão acordada vale sete mil milhões de dólares).

Mais importante para os EUA era colocar limites à progressão da capacidade de enriquecimento (e conseguiu a suspensão de funcionamento de partes vitais de estruturas de enriquecimento, e até a destruição do stock de urânio enriquecido a mais 20%) e ter uma mais apertada vigilância da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) para garantir que o país não chega à capacidade nuclear militar em segredo (estima-se que a AIEA faça actualmente visitas semanais às instalações nucleares iranianas, com este acordo poderá fazer inspecções diárias).

O acordo foi obtido após um falhanço há duas semanas — já estavam os ministros dos Negócios Estrangeiros em Genebra num esforço de entendimento final quando as conversações foram interrompidas, embora não o tenham sido nem pelo Irão nem pelos EUA mas por uma exigência de França.

Maratona de 18 horas
Nesta última ronda, foram quatro dias de conversações que culminaram numa sessão final de 18 horas. Por volta das três da manhã, a União Europeia anunciava um acordo via Twitter, e pouco depois os iranianos faziam o mesmo.

O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, não demorou a defender o acordo. “A diplomacia permitiu abrir um caminho no sentido de um mundo mais seguro”, disse Obama, a partir da Casa Branca. A oposição interna é grande — o Congresso preparava-se para discutir uma nova ronda de sanções — e aumentada pela reacção de dois aliados chave de Washington: Telavive e Riade.

De Israel, o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, foi rápido a criticar “um erro histórico”, alegando que este é “um mau acordo”. Da Arábia Saudita não havia reacções oficiais, mas um conselheiro de política externa saudita disse que as pessoas na região iriam “perder o sono” com um acordo.

Como diz Aaron David Miller, antigo responsável e negociador do Departamento de Estado, é difícil quando dois dos mais próximos aliados dos EUA no Médio Oriente parecem ter mais em comum um com o outro do que com a América.

Estas críticas poderão fortalecer a oposição interna nos EUA que parece apresentar o desafio mais imediato a este acordo: será que o Congresso desiste de aprovar novas sanções contra o Irão? Se aprovar novas medidas punitivas, muito dificilmente o acordo de ontem poderá manter-se. O editor de América da BBC, Mark Mardell, lembra que este Congresso foi o mesmo que impediu uma acção militar limitada na Síria e que levou à paralisação do Governo federal.

Apesar de ter ido mais longe do que muitos esperavam, há que não perder de vista que este é um acordo interino. O seu maior objectivo é permitir um certo restabelecimento de confiança e ganhar tempo para negociações. O seu sucesso será medido pelo que se vai passar nos próximos seis meses que se espera que durem as negociações.

Mark Fitzpatrick, perito em não-proliferação do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, comentou: “É um acordo melhor do que eu pensei que seria. Não me apercebi de que a verificação seria tão extensa”, cita o diário britânico The Telegraph. “Estão a aumentar o tempo de que o Irão precisaria para construir uma arma nuclear: diria que estão pelo menos a duplicar este prazo. E se não se tivesse feito nada, os iranianos iriam reduzi-lo para metade”, considera.

"O acordo interino é forte”, já que as restrições e verificações ao programa nuclear “são mais fortes do que alguma vez tinha sido pensado”, comentou Suzanne Maloney, da Brookings Institution, à agência francesa AFP. Mais: a limitação das sanções é ainda pequena, de modo a deixar o Irão empenhado “num processo diplomático em que a recompensa maior se mantém adiada até que se consiga um acordo mais alargado”..

Claro que ao alargar o leque da negociação, os obstáculos começam a ter outra dimensão. “As complexidades vão ser maiores”, comenta Kenneth Pollack, também da Brookings. “As concessões que cada lado terá de fazer serão mais dolorosas.".

Joel Rubin, da fundação Ploughshares Fund, que lidera campanhas contra a proliferação de armas nucleares, químicas e biológicas, pegou nas palavras do secretário de Estado dos EUA, John Kerry: “Kerry disse que o trabalho árduo começa agora e de um certo modo realmente é isso.”