“O debate é ideológico”
Para o constitucionalista Gomes Canotilho, há um falso debate em torno do papel do Tribunal Constitucional.
Para este constitucionalista, “não está em causa um dogma para controlar a Constituição” em Portugal e “a fiscalização Constitucional é sempre uma fiscalização política”. Um exemplo foi o que se passou com o TC alemão “ameaçado por Merkel se impedisse pacto de Estabilidade, numa tentativa de pressão política”.
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Para este constitucionalista, “não está em causa um dogma para controlar a Constituição” em Portugal e “a fiscalização Constitucional é sempre uma fiscalização política”. Um exemplo foi o que se passou com o TC alemão “ameaçado por Merkel se impedisse pacto de Estabilidade, numa tentativa de pressão política”.
O argumento que o catedrático devolve aos que consideram que “o TC tem problemas que derivam do facto de a Constituição incluir direitos fundamentais políticos, sociais e culturais”, é que precisam de perceber que “esses direitos estão não só na Constituição portuguesa, eles estão e estavam antes nas convenções das Nações Unidas e em tratados internacionais e europeus a que a Constituição obedece”.
Por seu lado, António Vitorino lembra que “não há um problema nem uma questão com a Constituição portuguesa”. Os princípios da confiança, da igualdade, da proporcionalidade “são princípios constitucionais gerais, podem ser considerados subjectivos - na verdade, são-no -, mas a lei é subjectiva”.
Se “no estudo do Direito se parte do princípio que uma coisa são os direitos fundamentais e outra os direitos económicos e sociais e culturais”, então, defende Canotilho deve ter-se em conta que, por exemplo “a Igreja Católica vem dizer que são unos, ou seja, que hoje em dia não faz sentido dizer-se que o direito ao primeiro suspiro é universal e que o direito ao primeiro Cerelac não é”.
Assumindo que o debate sobre o TC e o seu papel é um debate ideológico, Canotilho defende que “na Constituição portuguesa há uma incomensurabilidade entre o que é o discurso jurídico e o económico” tendo ao centro o debate sobre direitos. “Há quem diga que o Estado deve estar está contra os direitos, mas, como explicou Tony Judt, ao longo do século XX, houve uma banalização do bem através do Estado. Hoje fala-se na privatização da distribuição da água, dantes um copo de água não se negava.”
O “debate ideológico profundo que está nesta reforma do Estado” passa por “saber até onde pode desaparecer o Estado Social”, o que implica debater “ o perfil constitucional” e “o papel do TC”. Assim, explica Canotilho: “A questão de saber se são ou não 40 horas de trabalho é um pormenor deste debate ideológico. As pessoas sonegam que há um debate ideológico em curso. O problema do TC é um problema menor, o debate é ideológico.”
No mesmo sentido vai Moura Ramos ao afirmar que, se “a realidade é que o Estado gasta de mais e não pode continuar a funcionar assim”, ele deve ser reformado por acordo político, em vez de se estigmatizar o TC. “Quando se percebeu que o modelo de reformas não podia perdurar, deviam ter-se introduzido alterações no modelo”, diz Moura Ramos, usando a Segurança Social como exemplo. “O que foi feito durante algum tempo foi o contrário, as pessoas foram induzidas a vir mais cedo para a reforma”, quando a esperança de vida é maior.
A ideia de que o problema não está no TC mas no sistema é reforçada. “Este sistema de pensões tem de ser alterada. Agora o problema é como fazer essa alteração sem pôr em causa a ideia constitucional da proporcionalidade. A questão das reformas, por exemplo, não carece de revisão constitucional, é só resolver o ajustamento no modelo do sistema de pensões.”
Igualmente Cardoso da Costa adverte para que este debate é político e ideológico e que é fácil para o poder usar o TC e a Constituição como uma espécie de bode expiatório. O antigo presidente do TC avança mesmo com um exemplo clássico que demonstra como é antiga a politização do debate sobre as decisões do órgão que fiscaliza o cumprimento da Constituição: “O Supremo dos EUA foi acusado pelo Presidente Roosevelt de estar a impedir a sua política. Roosevelt lançava a New Deal e viu leis vetadas. Roosevelt promovia os gastos públicos próprios da política keynesiana, na legislação que se destinava a que a federação tivesse actividade e iniciativa de liderar investimento. Isso foi considerado que interferia com a independência dos Estados federados face ao Governo federal. Diz-se que Roosevelt pensou em alterar a Constituição para alterar o perfil e estatuto do Supremo Tribunal.”