Nem lá, nem cá

Vou-me pirar. E não é para perto. Mas parto sem mágoa, e tampouco ressentimento. Vou lá para os lados das arábias. Abu Dhabi é o meu destino. E, sim, vou ser hospedeira

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Mat Simpson/Flickr

Nem lá, nem cá – é como descrevo o meu "status" actual. Estou à beira (que é como quem diz a um mês) de me tornar parte da franja de inglórios e pouco afamados portugueses que se piram em busca (vejam só) de uma vida menos miserável do que aquela que têm. Vou-me pirar. E não é para perto. Mas parto sem mágoa, e tampouco ressentimento.

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Nem lá, nem cá – é como descrevo o meu "status" actual. Estou à beira (que é como quem diz a um mês) de me tornar parte da franja de inglórios e pouco afamados portugueses que se piram em busca (vejam só) de uma vida menos miserável do que aquela que têm. Vou-me pirar. E não é para perto. Mas parto sem mágoa, e tampouco ressentimento.

Vou-me pirar, e com o orgulho de poder dizer que deixo a terra que me viu nascer e crescer para fazer aquilo de que gosto. Não minto e digo que esta maldita crise não tenha dado o empurrão, deu. Mas vou sem o peso, quase obrigatório nestes casos, de sentir que fui traída pelo meu país. Também não sinto que tenha sido afortunada por ele, mas olhem: é assim a vida.

Reconforta-me, pelo menos, saber que deixo a minha mãe descansada e/ou aliviada — “durante três anos estás safa” — e a minha avó mais sorridente — “oh filha, ao menos levas a avó a andar de avião” (levo, pois!). Não me sinto descartada pelo meu país, sinto-me não aproveitada por ele, que, em todo o caso, soa um bocado melhor, e, na prática, me deixa mais entristecida do que revoltada.

A um mês da partida, é como se para sempre cá ficasse. Não sei se por um íntimo desejo de realmente ficar (o que eu duvido), se por já me ter confortado com o destino (não me conforto com facilidade), ou se é assim que se fica antes da partida (eu acho que é esta) — já me contaram que sim. Este nem cá, nem lá deixa-me com esta sensação de entorpecimento. Na verdade, sinto falta de uma certa ansiedade adolescente.

Esta fase é tramada. Antecipa-se a ida, já se pensa na volta. A nostalgia chega antes do tempo e já se lembra esta “Lisboa menina e moça” com a saudade de quem partiu numa outra vida. A saudade assombra-nos, e o desejo de um abraço apertado daqueles de que mais gostamos já se faz sentir. Sem tocar muito no assunto, ou fazer grandes planos, enganamos a realidade — a nossa, e a dos que ficam sem nós.

Vou lá para os lados das arábias. Abu Dhabi é o meu destino. Essa capital de país que há uns anos não passava de deserto. Esse lá continua, mas agora perdido entre edifícios tão altos que a vista quase não alcança. E, sim, vou ser hospedeira, ou "cabin crew", ou outra coisa qualquer, como vos soar melhor e menos pretensioso; e a Etihad Airways vai ser a minha nova casa. Não sei o que é a emigração, mas sei que vou fazer parte dela. E sobre ela já ouvi muitas histórias.

Cada uma à sua maneira, cada uma com os seus altos e os seus baixos, as suas venturas e desventuras. A minha, essa, ainda está por escrever. E, nestas andanças, essas do ir para um dia voltar (ou talvez não), ainda não me estreei. Por agora, não estou lá, nem cá.