Cientista diz ter desvendado origem “genética” d'O Capuchinho Vermelho
Recorrendo às mesmas técnicas informáticas que a biologia moderna utiliza para construir a árvore genética dos seres vivos, foi possível traçar a evolução do emblemático conto para crianças.
Foi exactamente o que fez Jamie Tehrani, da Universidade de Durham (Reino Unido), com o “ADN” das diversas variantes conhecidas do conto O Capuchinho Vermelho. E resolveu assim, afirma, um debate de longa data sobre a origem deste conto. Os seus resultados foram publicados online, quarta-feira à noite, na revista de acesso livre PLoS ONE.
Desde a publicação pelos irmãos Grimm da sua compilação de contos da tradição oral europeia, há uns 200 anos, que os especialistas repararam que muitas dessas histórias infantis são parecidas entre si — e também parecidas com histórias do mundo inteiro, lê-se num comunicado da revista. Em particular, existem grandes semelhanças entre O Capuchinho Vermelho e uma série de contos africanos e do Sudeste asiático. Mas até aqui, determinar se esses contos têm ou não um “antepassado” comum tem sido difícil, porque, sendo de transmissão oral, eles escapam à análise literária. Mesmo a versão dos irmãos Grimm provém de uma versão mais antiga — a de Charles Perrault, no século XVII — e esta, por sua vez, deriva de uma tradição oral ainda mais antiga, com raízes em França, Áustria e Norte de Itália.
Existe um outro conto muito semelhante ao d'O Capuchinho Vermelho e muito popular na Europa e no Médio Oriente: O Lobo e os Sete Cabritinhos, no qual um lobo finge ser a mãe de uns cabritinhos para melhor os comer. E os especialistas — incluindo antropólogos e cientistas da cognição que estudam a difusão da cultura — têm debatido acerca de saber, em particular, se os contos de origem africana e asiática onde alguém é comido por um lobo serão variantes do conto do capuchinho ou do conto dos cabritinhos.
Para realizar a sua análise, Tehrani considerou 58 variantes destes dois contos, oriundos de 33 populações, focando-se em 72 parâmetros da trama: o protagonista (masculino ou feminino, filho único ou não); o vilão (lobo, ogre, tigre ou outro); os truques com que o vilão engana a(s) vítima(s); e o desfecho: a vítima é comida, foge ou é resgatada. E conclui que, embora O Lobo e os Sete Cabritinhos e O Capuchinho Vermelho tenham uma raiz ancestral comum, são hoje duas histórias distintas.
“É como se um biólogo tivesse mostrado que os humanos e os grandes símios possuem um antepassado comum mas evoluíram e tornaram-se espécies diferentes”, diz o cientista em comunicado da sua universidade, estimando que o conto dos cabritinhos terá surgido no século I da nossa era, enquanto o ramo d'O Capuchinho Vermelho só terá divergido do “tronco” da árvore mil anos depois.
Quanto aos contos africanos, parecem descender do conto dos cabritinhos. “Afinal de contas, as narrativas africanas descendem d’O Lobo e os Sete Cabritinhos. Mas ao longo do tempo, evoluíram e tornaram-se mais parecidas com O Capuchinho Vermelho [europeu] — que também descende provavelmente d’O Lobo e os Sete Cabritinhos”, explica. “Isto é um exemplo do processo dito de evolução convergente, em que espécies diferentes desenvolvem de forma independente traços semelhantes.” O facto de O Capuchinho Vermelho ter assim surgido duas vezes, em África e na Europa, segundo Tehrani, sugere que este conto apela fortemente à nossa imaginação.
Não é tudo: uma teoria que propõe que O Capuchinho Vermelho, tal como o conhecemos na Europa, terá tido origem na tradição oral chinesa também é posta em causa pelos resultados. “Existe uma teoria segundo a qual O Capuchinho Vermelho deriva de uma versão arcaica [chinesa] que se espalhou para oeste pela Rota da Seda”, explica ainda Tehrani. “A minha análise mostra que, na realidade, é a versão chinesa que deriva das tradições orais europeias, e não o contrário.” Mais precisamente, os chineses terão fundido os dois contos referidos com narrativas locais e criado uma história híbrida, A Avó Tigre.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Foi exactamente o que fez Jamie Tehrani, da Universidade de Durham (Reino Unido), com o “ADN” das diversas variantes conhecidas do conto O Capuchinho Vermelho. E resolveu assim, afirma, um debate de longa data sobre a origem deste conto. Os seus resultados foram publicados online, quarta-feira à noite, na revista de acesso livre PLoS ONE.
Desde a publicação pelos irmãos Grimm da sua compilação de contos da tradição oral europeia, há uns 200 anos, que os especialistas repararam que muitas dessas histórias infantis são parecidas entre si — e também parecidas com histórias do mundo inteiro, lê-se num comunicado da revista. Em particular, existem grandes semelhanças entre O Capuchinho Vermelho e uma série de contos africanos e do Sudeste asiático. Mas até aqui, determinar se esses contos têm ou não um “antepassado” comum tem sido difícil, porque, sendo de transmissão oral, eles escapam à análise literária. Mesmo a versão dos irmãos Grimm provém de uma versão mais antiga — a de Charles Perrault, no século XVII — e esta, por sua vez, deriva de uma tradição oral ainda mais antiga, com raízes em França, Áustria e Norte de Itália.
Existe um outro conto muito semelhante ao d'O Capuchinho Vermelho e muito popular na Europa e no Médio Oriente: O Lobo e os Sete Cabritinhos, no qual um lobo finge ser a mãe de uns cabritinhos para melhor os comer. E os especialistas — incluindo antropólogos e cientistas da cognição que estudam a difusão da cultura — têm debatido acerca de saber, em particular, se os contos de origem africana e asiática onde alguém é comido por um lobo serão variantes do conto do capuchinho ou do conto dos cabritinhos.
Para realizar a sua análise, Tehrani considerou 58 variantes destes dois contos, oriundos de 33 populações, focando-se em 72 parâmetros da trama: o protagonista (masculino ou feminino, filho único ou não); o vilão (lobo, ogre, tigre ou outro); os truques com que o vilão engana a(s) vítima(s); e o desfecho: a vítima é comida, foge ou é resgatada. E conclui que, embora O Lobo e os Sete Cabritinhos e O Capuchinho Vermelho tenham uma raiz ancestral comum, são hoje duas histórias distintas.
“É como se um biólogo tivesse mostrado que os humanos e os grandes símios possuem um antepassado comum mas evoluíram e tornaram-se espécies diferentes”, diz o cientista em comunicado da sua universidade, estimando que o conto dos cabritinhos terá surgido no século I da nossa era, enquanto o ramo d'O Capuchinho Vermelho só terá divergido do “tronco” da árvore mil anos depois.
Quanto aos contos africanos, parecem descender do conto dos cabritinhos. “Afinal de contas, as narrativas africanas descendem d’O Lobo e os Sete Cabritinhos. Mas ao longo do tempo, evoluíram e tornaram-se mais parecidas com O Capuchinho Vermelho [europeu] — que também descende provavelmente d’O Lobo e os Sete Cabritinhos”, explica. “Isto é um exemplo do processo dito de evolução convergente, em que espécies diferentes desenvolvem de forma independente traços semelhantes.” O facto de O Capuchinho Vermelho ter assim surgido duas vezes, em África e na Europa, segundo Tehrani, sugere que este conto apela fortemente à nossa imaginação.
Não é tudo: uma teoria que propõe que O Capuchinho Vermelho, tal como o conhecemos na Europa, terá tido origem na tradição oral chinesa também é posta em causa pelos resultados. “Existe uma teoria segundo a qual O Capuchinho Vermelho deriva de uma versão arcaica [chinesa] que se espalhou para oeste pela Rota da Seda”, explica ainda Tehrani. “A minha análise mostra que, na realidade, é a versão chinesa que deriva das tradições orais europeias, e não o contrário.” Mais precisamente, os chineses terão fundido os dois contos referidos com narrativas locais e criado uma história híbrida, A Avó Tigre.