“Portugal errou ao querer ganhar o concurso de beleza da austeridade”, diz economista Paul de Grauwe

Professor na London School of Economics defende que o país não deverá conseguir fugir a uma reestruturação da dívida e que não é masoquismo os portugueses discutirem este tema, mas sim continuarem a punir-se com mais austeridade.

Foto
Paul de Grauwe critica a postura de países como a Alemanha que continuam a aproveitar para crescer nas exportações DR

“O governo português fez o grande erro de tentar ser o melhor da turma no concurso de beleza da austeridade. Não havia razão para Portugal fazer isso, podia não ser o melhor da turma, podia ser mesmo o pior e isso seria melhor para economia”, considerou em entrevista à Lusa o economista belga, para quem Portugal tinha de levar a cabo medidas para reduzir a despesa, mas ao longo de mais anos, de modo a suavizar o impacto económico.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

“O governo português fez o grande erro de tentar ser o melhor da turma no concurso de beleza da austeridade. Não havia razão para Portugal fazer isso, podia não ser o melhor da turma, podia ser mesmo o pior e isso seria melhor para economia”, considerou em entrevista à Lusa o economista belga, para quem Portugal tinha de levar a cabo medidas para reduzir a despesa, mas ao longo de mais anos, de modo a suavizar o impacto económico.

Até economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI), afirmou, já perceberam que não é possível “fazer a austeridade toda ao mesmo tempo”. “Portugal e outros países do Sul da Europa deviam unir-se e dizer que a maneira como os tratam não é aceitável. Quando Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha levam a cabo medidas de austeridade, os outros países do Norte da Europa deviam fazer o inverso e estimular a economia. Vocês têm influência na Comissão Europeia, mas não a usam”, disse Paul de Grauwe, que está em Lisboa para participar na conferência que assinala os 25 anos do INDEG, a escola de negócios do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa.

Para o economista, se os países com contas públicas mais fortes fomentassem a expansão, isso contrariaria a contracção orçamental dos países da periferia. O excedente comercial (diferença entre exportações e importações) da Alemanha, que atingiu um valor histórico em Setembro de 20,4 mil milhões de euros, também é um problema para Paul de Grauwe, já que “se uns têm excedentes, outros têm défices”.

No início do mês, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos já criticou a Alemanha por usar a crise para fomentar excessivamente as exportações. Também o FMI veio entretanto dizer que a Alemanha podia contribuir para a estabilização da economia da Zona Euro se aumentasse o consumo interno.

Para o economista, toda a Europa devia estar comprometida em fazer os países como Portugal saírem da recessão económica, já que o endividamento não é só culpa destes, até porque para haver quem deve tem de haver quem empresta.

Sobre se deve ser colocado um limite ao défice e endividamento da Constituição portuguesa, Paul de Grauwe rejeitou de imediato, já que haverá sempre períodos em que os países têm de aumentar o seu endividamento. “O capitalismo é um sistema fantástico, mas muito instável, que produz altos e baixos, períodos de optimismo e pessimismo, e nos baixos o Governo tem de juntar as peças e os défices necessariamente aumentam. Precisamos de Governos que protejam os cidadãos, que os ajudem. Se não o fizerem, a legitimidade dos Governos fica em causa”, explicou.

“Não acho que consiga sair do problema hoje sem uma reestruturação da dívida”

Contudo, Grauwe considera que Portugal não deverá conseguir fugir a uma reestruturação da dívida e que não é masoquismo os portugueses discutirem este tema, mas continuarem a punir-se com mais austeridade. “Portugal tem tanta austeridade que a dívida se tornou insustentável, algo tem de ser feito. Não acho que consiga sair do problema hoje sem uma reestruturação da dívida”, reiterou, acrescentando que o Presidente da República, Cavaco Silva, está a “fechar os olhos à realidade” quando considerou que é “masoquismo” dizer que a dívida portuguesa não é sustentável.

O professor na London School of Economics lembrou que há uns anos Portugal era um país solvente. No entanto, as políticas de austeridade levaram à recessão económica e aumentaram de tal forma o endividamento que agora corre o risco de não conseguir pagar a sua dívida. “Um novo programa de austeridade vai empurrar Portugal para a insolvência”, antecipou, considerando-a “inevitável” quando o país “foi posto numa austeridade tão intensa que se tornou contraprodutiva” para a economia.

“Dizem aos portugueses que têm de fazer mais sacrifícios. Para quê? Para pagar a dívida aos países ricos do Norte [da Europa]. Isto será explosivo, os portugueses não vão aceitar isso indefinidamente”, antecipou. Paul de Grauwe defende que numa eventual reestruturação da dívida sejam envolvidos não só os credores privados, mas também oficiais, caso do Banco Central Europeu (BCE).

A dívida pública de Portugal chegou aos 131,4% do Produto Interno Bruto (PIB) no final de Junho, segundo o Banco de Portugal. O Governo previa que, neste ano, a dívida das administrações públicas atingisse 122,3% do PIB, mas entretanto reviu em alta esse valor para 127,8%. Em Junho de 2011, pouco depois de Portugal ter recorrido à ajuda externa, a dívida era de 106,9% do PIB, ainda assim bem acima dos 71,7% do final de 2008.

“O problema está do lado da procura”

Ainda neste contexto, o economista disse também que a necessidade de reformas estruturais em Portugal é um “mito”, justificando que quem defende essa solução é porque desconhece que é a falta de procura que provoca a recessão da economia. “O problema hoje não está do lado da oferta da economia e as reformas estruturais lidam com isso. Claro que temos de ser mais eficientes, mas o problema é que mandamos abaixo a procura e em resultado a economia não cresce. Temos de alterar isso”, acrescentou.

Para o economista, o que se passa é que os líderes que definem as políticas económicas “foram educados nos anos 70, em que o problema era do lado da oferta da economia”, e não perceberam que a crise económica que a Europa atravessa é de uma dimensão diferente. “Vocês [em Portugal] fizeram reformas estruturais, flexibilizaram, reformaram o mercado trabalho e não resultou. Porque o problema está do lado da procura”, explicou o académico.

O pensamento do economista belga coincide com o de Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia em 2011 e antigo vice-presidente do Banco Mundial. Para este economista norte-americano, as reformas estruturais europeias “foram desenhadas para melhorar a economia do lado da oferta e não do lado da procura”, quando o problema real é a falta de procura.