Pixies convencem em 2013 mas a pergunta que todos continuam a fazer é - onde estavas em 1991?
Pixies. Concerto Sábado às 22h no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, com lotação esgotada. 4 estrelas
Balelas. A cultura rock nasce nos anos 1950. Algumas das suas figuras fundadoras ainda no activo estão nos 70. Lou Reed morreu há duas semanas com 71 anos. Hoje o rock é uma realidade para todas as idades. Mas continuamos a comportarmo-nos como se estivéssemos na quadra natalícia quando todos fingimos acreditar que o Pai Natal vai descer da chaminé à meia-noite. Com o rock a fantasia é igual: todos fingimos acreditar que ainda é uma expressão própria de juventude e afirmação de uma certa ideia de rebeldia.
Naturalmente a narrativa já não bate certo com a realidade há muito tempo. O que gera sentimentos contraditórios. Antes do início do concerto dos Pixies a pergunta que todos faziam uns aos outros era se tinham estado ali, naquele mesmo local, em 1991, quando os americanos tocaram pela primeira vez em Portugal, num concerto que para muitos foi memorável e teve qualquer coisa de ritual iniciático. Muitos diziam que sim. Mas também havia quem não tivesse nascido e viesse para confirmar as histórias que ouvira.
No final dá ideia que todos devem ter ficado satisfeitos. Pelos menos, não ficaram desiludidos. O que tendo em conta a fasquia não é mau. Os mais velhos porque não tendo sido tão bom como em 1991 – nunca poderia ser, como é evidente, porque os mitos são inatingíveis – puderam ver a sua banda apresentar-se de forma convincente. E os mais novos porque puderam experimentar um pouco daquilo que lhes havia sido transmitido verbalmente, mesmo sabendo que ficou aquém do que os sortudos dos mais velhos puderam ver há 22 anos.
Em 1991 não frequentava os Pixies. Nem os Nirvana. Já tinha frequentado os Sonic Youth e achava-os sucedâneos. Estava mais interessado nos Primal Scream, Massive Attack e na música de dança. Vi-os quando regressaram em 2004, num contexto de festival, e em 2006, no Atlântico. É pouco como comparação, mas é o que há: dos três, o melhor concerto foi o de sábado, até porque numa sala como o Coliseu é melhor do que vê-los num festival ou num grande pavilhão.
Logo por aí o concerto da noite de sábado ficou a ganhar. Num concerto dos Pixies a noção de espectáculo não é o mais relevante. Não existem grandes artefactos cénicos, a comunicação verbal com o público é inexistente e a movimentação em palco quase nula – nesse aspecto, a nova baixista, Kim Chattuck, substituta de Kim Deal, foi a mais efusiva, mostrando que estava mesmo satisfeita por estar ali.
Interessa a potente massa sonora e o jogo que se desenrola entre a marcada estrutura rítmica (baixo e bateria) e o som impetuoso da guitarras, com a voz de Black Francis por cima, uma vezes parecendo um murmúrio cavernoso, outras assanhada e vinda das entranhas.
Os quatro músicos (para além de Francis e Kim, havia também Joey Santiago e David Lovering) mantiveram-se quase sempre em contraluz, vultos num palco de memórias e de momentos presentes, tocando os temas curtos e incisivos que toda a gente queria ouvir (
Hey, Wave of mutilation, I bleed, Break my body, Bone machine, Here comes your man, Debaser, Planet of sound ou Monkey gone to heaven). Claro que também mostraram canções novas (Bag boy ou Indie Cindy), mas poucos deram por elas, encadeadas quase de forma impercetível umas nas outras, como estão hoje passado e presente, entrelaçados num eterno presente.
Durante 1h45 foi assim: sempre que um acorde era reconhecido o público manifestava-se ruidosamente e a festa acontecia com este a cantar em uníssono.
A primeira metade foi ligeiramente menos efusiva. Na segunda o desfilar de canções conhecidas intensificou-se e o ritmo foi ainda mais trepidante. Os Pixies não são o tipo de grupo que se reinvente em palco. Nunca foram. Pegam nas suas canções e tocam-nas com destreza e intensidade e isso basta. Às vezes também com subtileza, marcando diferentes tempos e ambientes, como em
Where is my mind?, com a plateia a cantar a plenos pulmões, ou em Here comes your man, onde até o corpulento Francis parece ganhar leveza, ou já no encore de três temas com Gouge away, com a secção rítmica a fazer mexer e a enlevar os corpos que encheram o Coliseu.
Não foi, naturalmente, tão bom como em 1991, dizia no final quem assistira aos dois momentos. Não podia ser. Os mitos não se suplantam. Mas foi um bom concerto. Daqueles em que todos puderam sair satisfeitos, sem quaisquer sentimentos de culpa.
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Balelas. A cultura rock nasce nos anos 1950. Algumas das suas figuras fundadoras ainda no activo estão nos 70. Lou Reed morreu há duas semanas com 71 anos. Hoje o rock é uma realidade para todas as idades. Mas continuamos a comportarmo-nos como se estivéssemos na quadra natalícia quando todos fingimos acreditar que o Pai Natal vai descer da chaminé à meia-noite. Com o rock a fantasia é igual: todos fingimos acreditar que ainda é uma expressão própria de juventude e afirmação de uma certa ideia de rebeldia.
Naturalmente a narrativa já não bate certo com a realidade há muito tempo. O que gera sentimentos contraditórios. Antes do início do concerto dos Pixies a pergunta que todos faziam uns aos outros era se tinham estado ali, naquele mesmo local, em 1991, quando os americanos tocaram pela primeira vez em Portugal, num concerto que para muitos foi memorável e teve qualquer coisa de ritual iniciático. Muitos diziam que sim. Mas também havia quem não tivesse nascido e viesse para confirmar as histórias que ouvira.
No final dá ideia que todos devem ter ficado satisfeitos. Pelos menos, não ficaram desiludidos. O que tendo em conta a fasquia não é mau. Os mais velhos porque não tendo sido tão bom como em 1991 – nunca poderia ser, como é evidente, porque os mitos são inatingíveis – puderam ver a sua banda apresentar-se de forma convincente. E os mais novos porque puderam experimentar um pouco daquilo que lhes havia sido transmitido verbalmente, mesmo sabendo que ficou aquém do que os sortudos dos mais velhos puderam ver há 22 anos.
Em 1991 não frequentava os Pixies. Nem os Nirvana. Já tinha frequentado os Sonic Youth e achava-os sucedâneos. Estava mais interessado nos Primal Scream, Massive Attack e na música de dança. Vi-os quando regressaram em 2004, num contexto de festival, e em 2006, no Atlântico. É pouco como comparação, mas é o que há: dos três, o melhor concerto foi o de sábado, até porque numa sala como o Coliseu é melhor do que vê-los num festival ou num grande pavilhão.
Logo por aí o concerto da noite de sábado ficou a ganhar. Num concerto dos Pixies a noção de espectáculo não é o mais relevante. Não existem grandes artefactos cénicos, a comunicação verbal com o público é inexistente e a movimentação em palco quase nula – nesse aspecto, a nova baixista, Kim Chattuck, substituta de Kim Deal, foi a mais efusiva, mostrando que estava mesmo satisfeita por estar ali.
Interessa a potente massa sonora e o jogo que se desenrola entre a marcada estrutura rítmica (baixo e bateria) e o som impetuoso da guitarras, com a voz de Black Francis por cima, uma vezes parecendo um murmúrio cavernoso, outras assanhada e vinda das entranhas.
Os quatro músicos (para além de Francis e Kim, havia também Joey Santiago e David Lovering) mantiveram-se quase sempre em contraluz, vultos num palco de memórias e de momentos presentes, tocando os temas curtos e incisivos que toda a gente queria ouvir (
Hey, Wave of mutilation, I bleed, Break my body, Bone machine, Here comes your man, Debaser, Planet of sound ou Monkey gone to heaven). Claro que também mostraram canções novas (Bag boy ou Indie Cindy), mas poucos deram por elas, encadeadas quase de forma impercetível umas nas outras, como estão hoje passado e presente, entrelaçados num eterno presente.
Durante 1h45 foi assim: sempre que um acorde era reconhecido o público manifestava-se ruidosamente e a festa acontecia com este a cantar em uníssono.
A primeira metade foi ligeiramente menos efusiva. Na segunda o desfilar de canções conhecidas intensificou-se e o ritmo foi ainda mais trepidante. Os Pixies não são o tipo de grupo que se reinvente em palco. Nunca foram. Pegam nas suas canções e tocam-nas com destreza e intensidade e isso basta. Às vezes também com subtileza, marcando diferentes tempos e ambientes, como em
Where is my mind?, com a plateia a cantar a plenos pulmões, ou em Here comes your man, onde até o corpulento Francis parece ganhar leveza, ou já no encore de três temas com Gouge away, com a secção rítmica a fazer mexer e a enlevar os corpos que encheram o Coliseu.
Não foi, naturalmente, tão bom como em 1991, dizia no final quem assistira aos dois momentos. Não podia ser. Os mitos não se suplantam. Mas foi um bom concerto. Daqueles em que todos puderam sair satisfeitos, sem quaisquer sentimentos de culpa.