Pela primeira vez, Belgrado queria que sérvios fossem votar no Kosovo, mas nada feito
Para iniciar negociações de adesão à UE é preciso integrar mais os sérvios kosovares, mas as eleições municipais mostram como isso é difícil
Quem conseguia reunir vontade suficiente para chegar até aos locais de voto, arriscava-se a nem sequer entrar, relatava a Reuters. À porta podia encontrar gente disposta a intimidar os possíveis eleitores, por vezes vinda da Sérvia, com o objectivo de impedir os kosovares sérvios de exercerem o direito de voto.
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Quem conseguia reunir vontade suficiente para chegar até aos locais de voto, arriscava-se a nem sequer entrar, relatava a Reuters. À porta podia encontrar gente disposta a intimidar os possíveis eleitores, por vezes vinda da Sérvia, com o objectivo de impedir os kosovares sérvios de exercerem o direito de voto.
“Estas eleições são um acto de alta traição e vão acabar por cortar o Kosovo da Sérvia e levar a um êxodo sérvio do Kosovo”, dizia o estudante de 22 anos Negovan Todorovic, um dos que se foram colocar à porta de um centro de voto no Norte de Mitrovica, a apupar os que foram exercer o seu direito de voto, gritando-lhes e filmando-os. “Belgrado está a trair o Kosovo em troca da perspectiva vaga dos supostos benefícios da integração europeia”, dizia Todorovic, fazendo-se porta-voz dos cépticos sérvios que continuam a recusar a via do diálogo com o Kosovo.
De facto, a mudança de posição de Belgrado relativamente à participação da minoria sérvia do Kosovo — cuja independência não reconheceu — nas eleições deve-se a um acordo alcançado com Pristina em Abril, para desimpedir a via às negociações para aceder à União Europeia, que devem começar em Janeiro de 2013. Nos termos desse acordo, a Sérvia tem de se esforçar mais para integrar os 40 mil a 50 mil sérvios que continuam a viver no Kosovo, mesmo após a separação do território e a sua declaração de independência, em 2008.
Por isso, vários membros do Governo de Belgrado fizeram campanha nos enclaves sérvios do Kosovo — foram mais vistos em Gracanica, a sul de Pristina, falando na necessidade de fazer uma espécie de associação dos municípios sérvios no Kosovo. Em Mitrovica, onde há mais radicais a oporem-se à participação nas eleições kosovares, os governantes mantiveram-se à parte.
Krstimir Pantic, um candidato apoiado por Belgrado para a câmara municipal de Mitrovica, chegou mesmo a ser atacado por dois encapuzados na sexta-feira à noite. Foi votar com pensos no queixo e cara, debaixo dos apupos e insultos de dezenas de sérvios com emblemas e autocolantes a dizer “Boicote 100%”. Quando entrou, descobriu que em vez dos quatro membros regulamentares da mesa de voto apenas lá estavam dois — os outros não apareceram.
Mas sempre havia alguns corajosos. “Vivo aqui há quase 90 anos e vim votar porque senão os sérvios vão desaparecer do Kosovo”, disse à agência Reuters o reformado Milorad Stijovic.