Maputo assistiu à maior manifestação não-governamental de que há memória
Um das imagens fortes do protesto mostra um olho lacrimejante com a bandeira do país em fundo e a legenda “Moçambique chora”.
Uma das imagens fortes da manifestação – exibida em cartazes e que se está a propagar nas redes sociais – mostra um olho lacrimejante com a bandeira do país em fundo e a legenda “Moçambique chora”.
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Uma das imagens fortes da manifestação – exibida em cartazes e que se está a propagar nas redes sociais – mostra um olho lacrimejante com a bandeira do país em fundo e a legenda “Moçambique chora”.
A organização tinha previsto que dez mil pessoas pudessem sair à rua. Opiniões ouvidas telefonicamente pelo PÚBLICO indicam que o número dos que responderam ao apelo do Fórum das Organizações da Sociedade Civil, a que se associaram confissões religiosas, partidos e outras organizações, terá sido maior.
Não tiveram eco os esforços do Governo que, na véspera, procurou desencorajar a mobilização – o porta-voz Damião José desaconselhou, numa declaração televisiva, a presença de membros da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique, que dirige o país desde a independência, em 1975), alertando para eventuais distúrbios.
A manifestação estendeu-se e foi engrossando ao longo dos, talvez, cerca de três quilómetros que separam o topo da Avenida Eduardo Mondlane, onde há uma estátua dedicada ao primeiro líder da Frelimo, e a Praça da Independência, onde outra escultura evoca Samora Machel, o primeiro Presidente do país.
Críticas de Graça Machel
Uma das vozes críticas do modo como o actual Governo está a lidar com a vaga de sequestros é Graça Machel, mulher do primeiro chefe de Estado. “Os cidadãos não se encontram na forma como o Estado está a responder aos raptos”, disse, ainda na quarta-feira.
A actividade económica na cidade esteve a meio gás durante a manifestação. Segundo a Lusa, muitas empresas encerraram total ou parcialmente, durante o tempo em que, de manhã, o protesto decorreu. A Universidade Politécnica de Maputo, de que é reitor Lourenço do Rosário, um dos mediadores das negociações entre o Governo e a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), suspendeu as aulas. Saíram à rua “homens e mulheres de todos os estratos sociais, cidadãos anónimos”, disse um dos jornalistas que acompanharam a manifestação, Jeremias Langa, director do jornal O País.
Muitos dos manifestantes vestiam t-shirts com palavras de ordem –“Stop raptos”, “Governo [está] mudo”, “Abaixo a intolerância”, “Abaixo a guerra” – que remetiam para os dois grandes problemas que, neste momento, afligem Moçambique: os raptos para exigir resgates e a crise político-militar que ameaça reeditar a guerra entre Frelimo e Renamo, de 1976 a 1992.
“Depois de terem sido raptadas a toda a hora, as pessoas são deixadas em pânico, apesar de a guerra já estar a acontecer. Isto é pior do que a Líbia”, disse Mohamed Asif, da organização da manifestação, citado pela Lusa. “Pela primeira vez, estamos a marchar contra o nosso Governo. Temos um líder-chefe que deve cuidar de cada um de nós”, gritou, para milhares de pessoas. “É uma manifestação contra o Governo, porque nós exigimos os nossos direitos que não estão a ser cumpridos”, acrescentou.
Um repórter que acompanhou a manifestação contou ao PÚBLICO que também foram gritadas palavras de ordem contra o Presidente da República: “Armando Guebuza, fora.”
Um milhar nas ruas na Beira
Na Beira, segunda cidade do país, onde ocorreram quatro raptos desde o início do ano, mais de um milhar de manifestantes saíram também à rua nesta quinta-feira, para pedir uma "investigação séria". Também dali partiram apelos ao Governo e à Renamo para que encontrem formas de ultrapassar a tensão que ameaça a paz.
Os raptos de cidadãos ocorrem em Moçambique desde 2009, mas o fenómeno acentuou-se nos últimos meses, nos principais centros urbanos. Só na semana passada, em Maputo, há registo de pelo menos cinco casos.
O director da Polícia de Investigação Criminal de Maputo, Januário Cumbabe, foi esta semana exonerado devido à onda de raptos. Apesar de ter sido substituído juntamente com outros quadros de direcção, o afastamento deve-se, segundo o jornal Notícias, à incapacidade que a polícia tem demonstrado para responder ao fenómeno.
O primeiro julgamento por raptos em Moçambique chegou também esta semana ao fim. O tribunal judicial de Maputo condenou seis pessoas a 16 anos de cadeia, pelo sequestro de sete moçambicanos.
Na vertente político-militar, a última semana e meia tem sido marcada por sucessivos incidentes e recriminações entre o Governo da Frelimo e a Renamo. Apesar da sucessão de episódios bélicos, numa entrevista à AFP, Guebuza afastou o cenário de regresso da guerra. “Não acredito, e é um ‘não’ absoluto, que estejamos de regresso à guerra”, afirmou.