Lou Reed: um espírito livre

Com os Velvet Underground ou a solo, pela música, poesia e atitude influenciou as últimas décadas de cultura rock.

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Apenas os quatro álbuns de estúdio com os Velvet Underground já garantiriam a Lou Reed o epíteto de visionário Gustau Nacarino/Reuters (arquivo)

Haverá álbuns dos Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, Leonard Cohen, Neil Young ou Doors que figurarão para sempre na lista dos melhores de sempre para a generalidade dos mortais.

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Haverá álbuns dos Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, Leonard Cohen, Neil Young ou Doors que figurarão para sempre na lista dos melhores de sempre para a generalidade dos mortais.

Mas para uma parcela significativa dos melómanos do rock e para parte considerável da música das últimas décadas, o grupo mais influente de sempre dá pelo nome de Velvet Underground.

Ao seu leme, Lou Reed. Sem eles não teria havido David Bowie, Stooges, Can, Roxy Music, Sex Pistols, Clash, Patti Smith, Joy Division, Sonic Youth, My Bloody Valentine, Strokes ou Arcade Fire, ou seja, parte dos nomes que personificaram as mais expressivas transformações do rock nas últimas décadas.

Até na imagem e na postura os Velvet marcaram os tempos que se seguiram, todos de negro, óculos escuros, atitude distante, personificando o rock das margens, sem compromissos, a não ser os artísticos.

Lou Reed era o principal compositor, a voz mais importante e a guitarra dos Velvet Underground, que marcaram a Nova Iorque boémia e artística dos anos 1960. Eram estranhos para a época. Andy Warhol, que os viria a apadrinhar, e os cúmplices mundanos da Factory, percebiam-nos. O grande público nem por isso.

Neles quase tudo era obscuro, radical e desencantado. Eram o outro lado do All you need is love do período hippie. Cantavam o submundo, o não enunciado, as paranóias, o desejo, a morte, colocando em causa os modelos normativos dessa época.

Através de Lou Reed o vocabulário lírico do rock & roll expandiu-se até territórios até aí inexplorados – sexo, drogas ou depressão, tudo exposto com hiper-realismo ou honestidade profunda.

Mesmo que Lou Reed não tivesse lançado posteriormente nenhum trabalho a solo, apenas os quatro álbuns de estúdio com os Velvet Underground já lhe garantiriam o epíteto de visionário.

Tinha fama de ser difícil. A sua relação com o outro fundador do grupo, John Cale, foi conflituosa. Mas a maior parte dos que com ele conviveram de perto preferem enaltecer-lhe a frontalidade.

A sua discografia a solo inclui álbuns conceptuais (Berlin ou Magic and Loss), experimentais (Metal Machine Music), colaborações magníficas (Songs for Drella, com Cale, em homenagem a Warhol) ou inesperadas (Lulu) e uma série de álbuns entusiasmantes (New York, Ecstasy ou The Raven).

Esteve por diversas vezes em Portugal desde a década de 1980. A última vez, em concerto, foi em 2008. Encheu o Campo Pequeno para apresentar na íntegra Berlin de 1973. Ao longo dos anos vimos-lhe de tudo: concertos magníficos, medianos e falhados. Nessa noite foi brilhante.

Berlin é um conjunto de canções sobre violência, amargura e desolação, mas ao longo dessa noite Lou Reed foi equilibrando intensidade com dimensão lúdica, intimismo e grandiosidade.

Ao longo dos anos havia desafiado normas e nas últimas décadas havia-se transformado em modelo. Isso incomodava-o. Talvez por isso os seus concertos fossem sempre inquietantes e densos.

Não havia lugar para meios-termos. Quando se ia vê-lo, não se ia à procura do reconhecimento. Nunca se sabia o que esperar. Essa inquietação permanente nunca a perdeu ao longo da vida.