A vida não é uma soma de “likes”

A soma de “likes” caminha, assustadoramente, para um qualquer pico de reconhecimento público que atribui um qualquer crédito sem explicação

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Carlos Barria/Reuters

Não, não venho aqui fazer nenhum manifesto anti-redes sociais. Não, não venho tentar furar verdades tão absolutas como as que rezam que elas podem ser ponto de encontro de amigos que não se vêem há décadas. Também não, também não venho questionar que funcionem como ponte entre familiares que estão longe ou o valor que têm por estarem, tantas vezes, no ponto de partida de tantas profissões, como a minha.

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Não, não venho aqui fazer nenhum manifesto anti-redes sociais. Não, não venho tentar furar verdades tão absolutas como as que rezam que elas podem ser ponto de encontro de amigos que não se vêem há décadas. Também não, também não venho questionar que funcionem como ponte entre familiares que estão longe ou o valor que têm por estarem, tantas vezes, no ponto de partida de tantas profissões, como a minha.

Venho — isso venho — pensar alto algures por detrás do sentido prático e de tanta utilidade. Parece-me a mim — que estranho que as pessoas se multipliquem em tantas redes sociais quantas as fotografias de perfil em condições permitam — que a vida dos dias que correm acelera demasiado rápido até à meta de uma corrida de “likes”. "Já viste a minha nova fotografia de perfil?" ou aquele derradeiro e desesperado "Como é que já viste e não disseste nada?" são conversas que passaram a ser recebidas com normalidade no caminhar dos nossos dias. E, no meio disto, que todos ouvimos, senão todos os dias, algures uma vez de duas em duas semanas, há uma necessidade de aprovação gigante. A soma de “likes” caminha, assustadoramente, para um qualquer pico de reconhecimento público que atribui um qualquer crédito sem explicação.

Pergunto-me como é que seria antes, quando as pessoas não se gostavam virtualmente. Como é que somavam o agrado dos outros, se não havia um número que acumulasse um total de aprovação sobre aquilo que dizemos e fazemos. Se calhar, as pessoas gostavam-se, simplesmente, no círculo dos que se queriam realmente amigos, nas vezes que se juntavam e somavam gostos gostosos em gargalhadas e conversas cúmplices. Esta necessidade de reconhecimento geral, esta carência de aprovação pelo outro que pouco, ou quase nada, tantas vezes, nos diz, é, no mínimo, pouco palpável.

Isso e a forma como as pessoas se gostam todas, como quem gere uma relação diplomática de circunstância, quando o “amigo” virtual que se nos apresenta naquele separador do computador, para lá de nunca se apresentar pouco bonito, na sua digna e imaculada fotografia de perfil, não tem a capacidade de se comover para lá de um “smile” molhado, que descai ao lado direito numa lágrima desenhada e pintada de azul. Mentira, ainda há os afectos em forma de corações, que por mais ternos que se desenhem escritos — e quantas vezes todos os escrevemos — bem traduzidos ao mundo real só se me assemelham aqueles abraços com a ponta dos dedos, das pessoas que, na dita da presença, parecem alérgicas ao toque. Deve ser de mim, que nunca senti o aperto de um coração desenhado, rosa e gordinho, tão vazio de amor de tão virtual.

Não, não estou aqui para desdenhar das redes sociais. Venho — isso venho — dizer que ao mesmo tempo que parecemos estar acompanhados do mundo, não passamos de um coração a perder ar de companhia, sem gostos gostosos, apertos fortes e gordinhos, nas nossas bochechas, algures na presença, tudo menos alérgica, daqueles amigos que se fazem de gargalhadas e conversas cúmplices.