Arcade Fire: novo álbum revelado com máscaras em Nova Iorque
Mais dançantes, mais teatrais, a paixão de sempre. Foi assim na madrugada de sexta a festa-concerto de apresentação do novo duplo álbum dos canadianos, num barracão industrial onde era obrigatório o público levar máscara.
Há três anos, quando lançaram The Suburbs, tocaram no esgotado Madison Square Garden, com muita fanfarra à mistura. Agora optaram por não fazer publicidade, adoptando um nome falso – The Reflektors – e acabando por apresentar-se num espaço industrial semiabandonado.
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Há três anos, quando lançaram The Suburbs, tocaram no esgotado Madison Square Garden, com muita fanfarra à mistura. Agora optaram por não fazer publicidade, adoptando um nome falso – The Reflektors – e acabando por apresentar-se num espaço industrial semiabandonado.
Os poucos bilhetes colocados à venda foram-se num ápice e, ontem, no eBay, havia quem os tentasse revender por 500 dólares. Com três álbuns lançados o grupo de Montreal tornou-se numa das mais celebradas bandas rock da última década e seu novo registo, Reflektor, que sai a 28 de Outubro, é o álbum mais esperado dos últimos meses.
Queriam regressar ao início, voltar a sentir-se entre os seus, tocar num espaço de menores dimensões perante aqueles que os admiraram desde a primeira hora pela intensidade da sua música. E que melhor local para o fazerem senão em Williamsburg, em Brooklyn, o bairro adoptado nos últimos anos por todos os que querem ser artistas ou músicos?
Não foi um concerto vulgar. Longe disso. O público, cerca de 2000 pessoas, tinha que ir obrigatoriamente mascarado ou então apresentar-se numa versão mais refinada de si próprio. Vimos por lá Batman, Marilyn Monroe e até Obama.
Mais uma vez as máscaras não foram um acaso. O grupo tem surgido com elas nas últimas semanas. Aliás cada um dos membros do grupo tem uma réplica em forma de gigantone, que também se passearam pela festa. E em toda a operação do novo disco os binómios falso-verdadeiro ou teatralidade-autenticidade desempenham um papel muito relevante. Aliás a festa começou por aí. Com um jogo de enganos.
Mal as portas do barracão abriram, o público colocou-se rapidamente em frente ao palco. Depois surgiu o ex-LCD Soundsystem, James Murphy, e um dos produtores do novo álbum, no papel de anfitrião, a apresentar os The Reflektors.
Surgiram então gigantones em palco – supostamente os próprios Arcade Fire – a tocarem de forma deficiente, mas com o público em delírio. Minutos depois, para espanto geral, as cortinas de uma das laterais da sala abriram-se e surgiram os verdadeiros Arcade Fire inundados por um festival de som e luz. Foi a loucura, com o público a colocar-se rapidamente, em grande alvoroço, junto ao novo palco.
Com o decorrer do concerto o calor tornou-se insuportável e muita gente se queixava de que era difícil ver o palco em condições. Mas essa tinha sido a aposta do grupo: apresentar o álbum num local improvável, sem grandes sofisticações, como se fosse realmente a primeira vez. E foram quase uns novos Arcade Fire que realmente se fizeram sentir e ouvir.
Dez músicos em palcos, entre eles dois percussionistas e Owen Palett (Final Fantasy) nos teclados, que tocaram essencialmente ao longo de oitenta minutos as canções do novo duplo álbum – as excepções de anteriores discos foram Sprawl II (mountains beyond mountains) e Neighborhood #3 (power out). O novo material segue uma linha mais dançante, há mais balanço rítmico, mais temperaturas e variações, sem que se perca a intensidade, com influências mais diversas – do dub ao funk, do ‘disco’ ao pós-punk. Ou seja, os Arcade Fire do novo álbum estão mais próximos de outras bandas que exploraram o cruzamento de rock com linguagens de pendor rítmico, como os Clash, Talking Heads, New Order ou LCD Soundsystem, do que de Springsteen.
A atitude em palco também é diferente. A emoção autêntica dos primeiros anos não foi abandonada, mas existe mais autoconsciência. Há mais complexidade, jogos de sombra, duplicidades: “Todos nós temos alguma coisa para esconder”, diz às tantas o cantor Win Butler, enquanto na canção seguinte lança: “sabem, não tenho nada a esconder.”
De alguma forma são os próprios Arcade Fire a reflectirem sobre a sua condição: aquela que era a banda que há anos mais sentimento de pertença gerava entre a comunidade alternativa do rock, cresceu desmesuradamente. Tornou-se transversal. Mas esse facto não significa que deixem de ousar, de se reinventar e de manterem a paixão de sempre.
As máscaras (algumas máscaras), se devidamente utilizadas, para além de divertido, como aconteceu durante a noite, podem ser também reveladoras, parecem querer dizer eles.
Das canções novas destaque para Here comes the night time, que começa e acaba em desvario rítmico, com subidas e descidas de temperatura constantes, ou para a toada rock & roll de Normal person. Começaram com o single Reflektor e acabaram com Win Butler a lançar-se para os braços do público, passando pelo meio deste, até alcançar um computador. Aí chegado, para surpresa geral, fez soar música dançante, qual DJ experimentado, enquanto os músicos abandonavam o palco no extremo oposto da sala.
O público queria mais concerto. Mas o que houve a partir dali foi festa dançante, com alguns dos Arcade Fire no meio do público, como se nos quisessem dizer: sim, crescemos imenso, mas no fim de contas somos apenas como vocês.
O PÚBLICO viajou a convite da Universal