Escritores, escrevinhadores e o respeito
Aqueles que tentam ser o que não são desrespeitam a literatura e, esses sim, põem-se a jeito para que não mostremos consideração por eles e pelas suas criações
Todos os que escrevem qualquer coisa num papel (ou teclam num computador) podem ser chamados de escritores: porque escrevem, são escritores. Assim, são tão escritores Vergílio Ferreira e José Gomes Ferreira como Margarida Rebelo Pinto ou um qualquer jovenzito que pagou para que lhe editassem um livro...
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Todos os que escrevem qualquer coisa num papel (ou teclam num computador) podem ser chamados de escritores: porque escrevem, são escritores. Assim, são tão escritores Vergílio Ferreira e José Gomes Ferreira como Margarida Rebelo Pinto ou um qualquer jovenzito que pagou para que lhe editassem um livro...
Pessoalmente, não gosto de misturar, na mesma categoria, criações tão distintas como aquelas que os nomes citados acima produziram. Margarida Rebelo Pinto vende muitos livros mas está condenada ao esquecimento pela passagem das modas e pelo seu próprio desaparecimento. Vergílio Ferreira ou José Gomes Ferreira morreram mas jamais serão esquecidos: fazem parte da literatura nacional. Quanto aos jovens que pagam para serem publicados, ainda é cedo para saber o que lhes vai acontecer, o que vai acontecer aos livros que escreverem. Por isso gosto da distinção terminológica que ouvi um autor a utilizar: uns são escrevinhadores, outros são escritores.
O grande e definitivo teste, que separa o trigo do joio, só a passagem do tempo é capaz de fazer. Passados quase quinhentos anos, sabemos bem que Camões era escritor. Os escrevinhadores dessa época limitaram-se a morrer, morrendo consigo todas as suas criações que ninguém queria, jamais, recordar.
Na contemporaneidade pode ser difícil perceber quem é quem, mas há indícios que nos permitem calcular as probabilidades. Basta ver o que cada um escreve, o que cada um tem para dizer, para se perceber que Gonçalo M. Tavares dificilmente será esquecido como um grande escritor do século XXI e que José Rodrigues dos Santos será recordado (se for) apenas como jornalista.
Nada disto que digo justifica ou implica juízos morais precipitados, implícitos ou explícitos. Penso que devemos operar sempre na base do respeito e esta clarificação terminológica apenas serve para juntar alhos com alhos e bugalhos com bugalhos. Tantos os escritores como os escrevinhadores merecem consideração: por serem capazes de ter ideias e de as passar à escrita e pela coragem que isso implica (pois que quem escreve está a mostrar-se por dentro). Quem gosta (ou vive) de criticar e comentar o que os outros escrevem deve ter o pudor de não praticar o insulto, ou a crítica destrutiva, pois que pior que ter ideias fracas é não ter ideias nenhumas ou não ter a coragem de as partilhar… Mas é verdade que devemos pensar na reciprocidade. Por isso também temos que considerar o respeito que a literatura merece. Aí, cabe a quem escreve ter a preocupação de se mostrar humilde face à literatura universal e não se arvorar a ser aquilo que não é. A melhor coisa que um escrevinhador pode fazer é assumir-se como tal e não querer sequer ser comparado com os escritores. Aqueles que tentam ser o que não são desrespeitam a literatura e, esses sim, põem-se a jeito para que não mostremos consideração por eles e pelas suas criações.
No fim do dia concordo com Saramago: o escritor não tem o direito de continuar a escrever se não tiver nada para dizer. Ou tem, aniquilando o escritor e fazendo florescer o escrevinhador…