Instituições alertam que há cada vez mais pessoas em pobreza extrema
Cáritas considera que a erradicação da pobreza extrema até 2015 é "uma miragem". AMI diz que há pessoas da classe média alta a pedirem ajuda.
“Temos cada vez mais pessoas a cair na pobreza extrema, na pobreza mais severa. Não só há mais gente pobre, como mais gente muito, muito pobre”, lamenta Eugénio Fonseca, nesta quinta-feira em que se assinala o Dia Internacional da Erradicação da Pobreza.
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“Temos cada vez mais pessoas a cair na pobreza extrema, na pobreza mais severa. Não só há mais gente pobre, como mais gente muito, muito pobre”, lamenta Eugénio Fonseca, nesta quinta-feira em que se assinala o Dia Internacional da Erradicação da Pobreza.
O presidente da Cáritas diz que as medidas de austeridade dos últimos anos têm contribuído para esta situação e defende que, enquanto estas pessoas não conseguirem trabalho, é preciso aplicar medidas compensatórias de protecção social. Mesmo assim, Eugénio Fonseca admite “ter muito receio” de que “se não houver uma estratégia bem objectiva que tenha como fim as pessoas e não o capital, muitas pessoas não voltem a encontrar o posto de trabalho que perderam”.
“Não sei o que é que poderemos ganhar com isso, porque depois de superada a crise não sei se teremos as pessoas animicamente preparadas e motivadas para contribuírem para o desenvolvimento do país como todos desejamos”, acrescenta.
Para este responsável, a erradicação da pobreza extrema — um dos oito objectivos do Milénio fixados em 2000 pelas Nações Unidos, a cumprir até 2015 — será “uma miragem” caso se mantenham as actuais políticas. “Estamos a falar daquilo que são as necessidades das pessoas que comprometem a sua subsistência e que são atentatórias do respeito pela sua dignidade enquanto seres humanos”, afirma.
Pedidos de ajuda duplicaram
Também o presidente da AMI não está optimista. “Erradicar a pobreza, nas próximas gerações, é um mito”, afirma, acrescentando que “o fenómeno que está em curso não tem solução à vista para os próximos cinco a dez anos”, diz Fernando Nobre.
“É uma situação de mudança da sociedade e o modelo que tínhamos conhecido após a segunda guerra mundial está esgotado”, observa Fernando Nobre, considerando que “vai ser preciso reinventar novas formas de trabalho, porque as novas tecnologias vão excluir muitos postos de trabalho”.
O presidente da AMI adianta que, desde 2008, os 15 equipamentos de respostas sociais da organização espalhados pelo país duplicaram o número de atendimentos. “Isto quer dizer que há muito mais pessoas a tentar obter recursos básicos, nomeadamente alimentares, mas também para tentarem fazer face a outros encargos como a água, a luz e o telefone”, sublinhou.
Só nos primeiros seis meses deste ano foram apoiadas mais de 11.200 pessoas, mais 13% do que em igual período de 2012. E no primeiro semestre de 2013, os serviços sociais da AMI ajudaram 11.263 pessoas (das quais 1142 pessoas eram sem-abrigo), sendo que 24% destas procuravam ajuda pela primeira vez. O número de novos casos tem vindo a aumentar de ano para ano, registando-se 5581 só em 2012.
Por outro lado, comparando o primeiro semestre de 2013 com igual período de 2008 — ano em que começou a crise económica em Portugal —, há mais 6568 pessoas a pedir ajuda, o que representa, em termos percentuais, um aumento de 139%.
Os centros sociais da AMI estão a socorrer pessoas que “era impensável” que viessem bater às suas portas: “Temos casais que pertenceram a uma classe média e a uma classe média alta que estão hoje a beneficiar dos nossos serviços”.
Estas pessoas, devido ao “desvario e incompetência de governos que foram sucedendo na governação do país, são forçadas, com muita vergonha, a virem bater à nossa porta”, lamenta.
“Não foi este tipo de sociedade que eu defendi ao longo da minha vida e que me levou a intervir e até entrar em alguns combates políticos”, sublinha Fernando Nobre, que foi candidato à Presidência da República nas últimas eleições, em Janeiro de 2011.
Objectivo longe de ser atingido
Quase metade da população portuguesa estava em risco de pobreza em 2011, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, que mostram que, mesmo depois das transferências sociais, quase 1,8 milhões de pessoas continuavam em risco.
O objectivo traçado até 2015 é reduzir para metade o número de pobres no mundo mas, tendo em conta a crise financeira global, “estamos longe de poder atingir esse objectivo e, possivelmente, a situação de pobreza irá ainda agravar-se”, diz à Lusa Fernando Nobre.
No entanto, salienta, “há zonas do mundo em que esse objectivo está em vias de ser atingido”, nomeadamente na América Latina e na Ásia Meridional. Por exemplo, na Índia, onde a AMI trabalha há mais de 20 anos, já não se vêem situações de miséria com a dimensão de há uns anos. Já na África Subsaariana, “a situação, em vez de estar a melhorar, está a agravar-se”, lamenta.
Dados divulgados pela Cáritas referem que cerca de 1,2 mil milhões de pessoas (20% da população mundial) “vivem penosamente muito abaixo do limiar mínimo da pobreza [com menos de um dólar por dia]”.
Os mesmos dados indicam que 850 milhões de pessoas passam fome e 30 mil morrem todos os dias de causas directamente relacionadas com a pobreza.