Angola: amor, repulsa ou desejo?

Quem visita Luanda leva na mala dois avisos. O primeiro é que nem tudo o que reluz é ouro. O segundo é que mais arriscado do que não gostarmos é ficarmos fascinados

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Siphiwe Sibeko/Reuters

Em que gaveta guardamos Angola? Em que pedaço de nós colamos o que sentimos? Que presente nos afasta ou nos reúne? Que futuro nos assusta ou apaixona? De que passado nos falam? Com que passado nos marcam? De que memórias é feita a sensação que sentimos ao ouvir aquele nome? A-N-G-O-L-A. 

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Em que gaveta guardamos Angola? Em que pedaço de nós colamos o que sentimos? Que presente nos afasta ou nos reúne? Que futuro nos assusta ou apaixona? De que passado nos falam? Com que passado nos marcam? De que memórias é feita a sensação que sentimos ao ouvir aquele nome? A-N-G-O-L-A. 

A história é confusa. Pouco lúcida. Irreal. Mistura paixão com luxúria. Mistura abundância com sofrimento. É altiva. Sobranceira. Colonial. O passado é a guerra. É o sangue. É a África que conhecemos. Que mantemos longe. Que afastamos. O presente é uma lição. É o regresso. Cauteloso. Atento. Tantas vezes interesseiro. É para muitos o engolir em seco. É para outros a esperança do reencontro. Do recomeço.

A entrada em Luanda é um “murro no estômago”, como sempre descreve quem por lá anda. É a inversão das regras. É o trânsito infernal. É o lixo em abundância. É o comércio informal. Lençóis, tampas de sanita, ferramentas. Vende-se de tudo nas filas paradas. Aos poucos, é como a luz intensa. Os olhos habituam-se e vemos mais fundo. E apesar da anarquia, da pobreza em movimento, vemos gente feliz. Vemos sorrisos espontâneos em quem cruza connosco o olhar. Sentimo-nos integrados, apensar da confusão. E percebemos nos restos coloniais que há uma história que nos une.

Quem visita Luanda leva na mala dois avisos. O primeiro é que nem tudo o que reluz é ouro. E apesar da aparente facilidade de negócio, de emprego e boa vida, nem sempre a realidade acompanha a ilusão. O segundo é que mais arriscado do que não gostarmos é ficarmos fascinados. É perdermos a lucidez e rendermo-nos aos encantos de Angola, dos angolanos. Não são de estranhar por isso os muitos milhares de portugueses que “oficialmente” já vivem no país.

Angola contagia. “Angolaniza”. Muda os mais cépticos. O ritmo é outro. A formalidade também, de tão informal que acaba por ser. E rapidamente aprendemos a dar valor ao que mais valor sabemos que tem. Aos amigos e aos encontros na praia, à família e à importância de cada regresso, de cada serão, à solidariedade e ao facto de ser tão fácil ajudar quem de nós precisa. E apesar de nunca ter morrido uma certa sobranceria intelectual de quem colonizou, hoje os papéis equilibraram-se, à custa do petróleo, dos diamantes e das regras protecionistas ao desenvolvimento local e à fixação de divisas.

Por tudo isto, ama Angola quem lá foi feliz e nunca mais regressou ou quem regressou e nunca mais quis sair. Sente repulsa quem lá lutou e viu morrer e nunca pensou regressar. Deseja quem só quer enriquecer, arriscando-se a amar. E por mais que se critiquem as regras, as políticas ou a falta delas, acaba por ser notável o que se conseguiu em pouco mais de 10 anos de paz. O caminho é longo, é difícil, interminável, mas o potencial é gigantesco. Saiba Angola desenvolver o que tem. Saiba Portugal ajudar, sem julgar apenas. Saibam os dois conciliar o que tantas vezes parece inconciliável. Haja um novo futuro a nascer em África.