Algum prazer
No panorama francês contemporâneo, os filmes de Agnès Jaoui são porventura a melhor encarnação de um cinema popular refinado, com personalidade própria, e assente em velhas virtudes: uma escrita inteligente, primeiro, e depois um tratamento efusivo, mas minimamente rigoroso, das intrigas, das personagens e dos actores que as interpretam. O tipo de coisa que é por certo “muito francesa” mas que já nem “muitos franceses” fazem, pelo menos com este grau de eficácia e, digamos, gosto. E Viveram Felizes para Sempre?... é o quarto filme realizado por Agnès Jaoui, e como os dois precedentes é uma “réplica” do primeiro, O Gosto dos Outros, com que Jaoui se estreou no ano 2000. A frescura desse filme dificilmente se repetirá, porque Jaoui e o seu cúmplice Jean-Pierre Bacri (co-argumentista e actor) não têm duas receitas, têm só uma e continuam a variar sobre ela: uma narrativa “coral”, plena de personagens a cruzarem-se umas com as outras, inserida num meio social, relativamente preciso, onde as pessoas podem ter que se preocupar com a subsistência mas têm tempo suficiente para cozerem as suas angústias mais ou menos depressivas (sempre houve um lado “mini-woody allen” em Jaoui, talvez aqui mais do que nunca, e a personagem de Bacri neste filme, angustiado com uma premonição de morte, podia ter saido, mutatis mutandis, da imaginação do nova-iorquino).A frescura de O Gosto dos Outros, diziamos, dificilmente se repetirá, ou então é apenas o efeito provocado que já não tem a mesma potência. Mas se a sensação, inevitavelmente, anda próxima do déjà vu (mesmo que Jaoui renove a “chave”, que aqui são os contos de fadas, como sublinham o título português e o título original, Au Bout du Conte), ainda não se perde na indiferença, e há algum prazer a extrair de E Viveram Felizes para Sempre...?, com o seu humor falsamente ingénuo e por vezes genuinamente maníaco, com o seu sentido irrepreensível do ritmo narrativo e da sua peça fundamental, os diálogos, e com um elenco plenamente implicado nas respectivas personagens. Qualidades a que se sobrepõe a principal, que rareia: um cinema popular que não trata o espectador por alarve.
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No panorama francês contemporâneo, os filmes de Agnès Jaoui são porventura a melhor encarnação de um cinema popular refinado, com personalidade própria, e assente em velhas virtudes: uma escrita inteligente, primeiro, e depois um tratamento efusivo, mas minimamente rigoroso, das intrigas, das personagens e dos actores que as interpretam. O tipo de coisa que é por certo “muito francesa” mas que já nem “muitos franceses” fazem, pelo menos com este grau de eficácia e, digamos, gosto. E Viveram Felizes para Sempre?... é o quarto filme realizado por Agnès Jaoui, e como os dois precedentes é uma “réplica” do primeiro, O Gosto dos Outros, com que Jaoui se estreou no ano 2000. A frescura desse filme dificilmente se repetirá, porque Jaoui e o seu cúmplice Jean-Pierre Bacri (co-argumentista e actor) não têm duas receitas, têm só uma e continuam a variar sobre ela: uma narrativa “coral”, plena de personagens a cruzarem-se umas com as outras, inserida num meio social, relativamente preciso, onde as pessoas podem ter que se preocupar com a subsistência mas têm tempo suficiente para cozerem as suas angústias mais ou menos depressivas (sempre houve um lado “mini-woody allen” em Jaoui, talvez aqui mais do que nunca, e a personagem de Bacri neste filme, angustiado com uma premonição de morte, podia ter saido, mutatis mutandis, da imaginação do nova-iorquino).A frescura de O Gosto dos Outros, diziamos, dificilmente se repetirá, ou então é apenas o efeito provocado que já não tem a mesma potência. Mas se a sensação, inevitavelmente, anda próxima do déjà vu (mesmo que Jaoui renove a “chave”, que aqui são os contos de fadas, como sublinham o título português e o título original, Au Bout du Conte), ainda não se perde na indiferença, e há algum prazer a extrair de E Viveram Felizes para Sempre...?, com o seu humor falsamente ingénuo e por vezes genuinamente maníaco, com o seu sentido irrepreensível do ritmo narrativo e da sua peça fundamental, os diálogos, e com um elenco plenamente implicado nas respectivas personagens. Qualidades a que se sobrepõe a principal, que rareia: um cinema popular que não trata o espectador por alarve.