“Portugal vai perder com atitude de subserviência face ao poder de Angola”

O professor de Economia na Universidade Católica de Luanda Justino Pinto de Andrade diz que as declarações de Rui Machete deram “uma má imagem de Portugal” em Angola.

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Rui Machete recebeu o homólogo angolano George Chicoti, em visita a Portugal no início de Setembro Daniel Rocha

O académico e político da oposição diz que as declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros português Rui Machete à Rádio Nacional de Angola (RNA) dão "uma má imagem" de Portugal em Angola. Algo que vem na sequência de comportamentos anteriores e que, ao contrário do que podem pensar os políticos portugueses, "não ajuda a fomentar as relações entre os dois países".

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O académico e político da oposição diz que as declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros português Rui Machete à Rádio Nacional de Angola (RNA) dão "uma má imagem" de Portugal em Angola. Algo que vem na sequência de comportamentos anteriores e que, ao contrário do que podem pensar os políticos portugueses, "não ajuda a fomentar as relações entre os dois países".

A cumplicidade entre Portugal e Angola pode trazer “um maior fluxo” de comércio e investimentos, mas “só no curto prazo”, considerou o analista ao PÚBLICO. “Se olhar para o futuro, Portugal vai perder muito. As autoridades angolanas não respeitam quem se põe de joelhos. É uma forma muito negativa de relacionamento.”

Sinal disso é a forma violenta e depreciativa como o Jornal de Angola reage a notícias que comprometem o poder de Luanda. Não é um fenómeno novo, mas acentuou-se com as notícias sobre as investigações da Procuradoria-Geral da República (PGR) portuguesa a figuras próximas do Presidente José Eduardo dos Santos. Aconteceu no passado e agora, recentemente, quando o ministro dos Negócios Estrangeiros Rui Machete falou à RNA.

Questionado sobre as investigações na PGR portuguesa, Rui Machete sugeriu que podia tratar-se de “um mal-entendido”. “Tanto quanto sei, não há nada substancialmente digno de relevo, e que permita entender que alguma coisa estaria mal, para além do preenchimento dos formulários e de coisas burocráticas e, naturalmente, informar as autoridades de Angola pedindo, diplomaticamente, desculpa, por uma coisa que, realmente, não está na nossa mão evitar”, disse o chefe da diplomacia portuguesa.

Esta posição “é muito má para a imagem de Portugal”, considera Justino Pinto de Andrade, na posição. “As pessoas pensam que ficando de joelhos fomentam as relações entre os dois países”, acrescenta o professor universitário. "É o contrário."

Ataques e desmentidos
Em Novembro do ano passado, o diário angolano repudiava a "deslealdade" de Portugal numa “campanha contra Angola […] do poder ao mais alto nível” e previa que as relações entre os dois países fossem prejudicadas. Era uma reacção à primeira de duas notícias do semanário Expresso sobre a abertura, pela PGR em Lisboa, de um inquérito-crime por fraude fiscal e branqueamento de capitais contra três altas figuras do Estado angolano do círculo mais próximo do Presidente José Eduardo dos Santos, Manuel Vicente, vice-presidente de Angola e ex-director-geral da empresa petrolífera nacional Sonangol; o general Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, ministro de Estado e chefe da Casa Militar da Presidência da República; e o general Leopoldino Nascimento “Dino”, consultor do ministro de Estado e ex-chefe de Comunicações da Presidência da República.

No início de Fevereiro, durante uma visita a Angola, e também questionado sobre a abertura de inquéritos judiciais em Portugal de altas figuras do poder angolano, o então ministro Paulo Portas invocava "o respeito pela soberania" de um e de outro Estado para dizer: "Esse tipo de temas, quando são angolanos, devem tratar-se em Angola, quando são portugueses, devem tratar-se em Portugal."

A segunda notícia referia, já no fim de Fevereiro deste ano, a abertura de uma investigação ao procurador-geral da República de Angola, João Maria de Sousa, por suspeitas de fraude e branqueamento de capitais na alegada transferência para uma conta do Santander Totta em Portugal de 70 mil euros de uma empresa off-shore, que o próprio desmentiu em comunicado da PGR angolana.  

O Jornal de Angola voltava então a criticar as instituições portuguesas e a duvidar da boa vontade de Portugal nas relações bilaterais e concentrava na figura do então ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Portas o ataque, mas deixava a porta aberta a um entendimento: "Hoje, Paulo Portas é um grande amigo de Angola e está a ser lançado para liderar a direita portuguesa em caso de as coisas correrem mal à actual coligação, o que mostra que é possível, afinal de contas, um entendimento com Portugal."

Na mesma semana, Paulo Portas manifestava disponibilidade para fazer aquilo que fosse preciso “dentro das regras e da lei” para as proteger as relações entre os dois países e considerava que o sistema judicial português não era "o lugar adequado para dirimir questões internas de outros Estados”, enquanto o Jornal de Angola defendia o fim dos investimentos angolanos em Portugal, num violento editorial, desta vez sem a habitual assinatura do director José Ribeiro.

"Esses editoriais são um ataque a Portugal e são desrespeitosos”, considera Pinto de Andrade ao PÚBLICO. E esclarece: o Jornal de Angola “é uma espécie de jornal oficial do MPLA [Movimento Popular para a Libertação de Angola]”, no poder. É oficialmente um jornal público, financiado por fundos públicos, mas que “não se porta como tal”, acentua. Antes funciona “como uma correia de transmissão do MPLA, que o usa a seu bel-prazer”.

Os editoriais, que regularmente se insurgem contra Portugal, reflectem “a voz do MPLA oficial”, ou seja, do sector do MPLA "que manda”. O Jornal de Angola manifesta assim “aquilo que é a vontade do presidente do partido e Presidente da República”, José Eduardo dos Santos. E conclui: formalmente, como órgão público, responde perante o Ministério da Comunicação Social, mas informalmente e na realidade “responde perante o sector da Informação do MPLA”.

Novos alvos
Este fim-de-semana, o alvo do jornal angolano foi a PGR portuguesa, Joana Marques Vidal, que, na sexta-feira, reagiu às declarações de Machete à RNA. Numa nota à comunicação social, sublinhava que em Portugal “vigora o princípio da separação entre os poderes legislativo, executivo e judicial, estando constitucionalmente consagrada a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público, designadamente no que respeita ao exercício da acção penal”.

A procuradora-geral da República confirmava ainda estarem pendentes no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) “vários processos em que são intervenientes cidadãos angolanos, quer na qualidade de suspeitos quer na qualidade de queixosos”. Na mesma nota, adiantava que os inquéritos se encontram em segredo de justiça, “pelo que o respectivo conteúdo só é acessível aos intervenientes processuais a quem a lei confere tal direito”. 

Num editorial intitulado Criminosos portugueses contra as suas próprias vítimas, o Jornal de Angola respondia no domingo que Rui Machete apenas pediu “diplomaticamente desculpa (e não desculpas diplomáticas) pelas patifarias cometidas pelo Ministério Público e órgãos de comunicação social contra o vice-presidente angolano, Manuel Vicente, e o procurador-geral da República, João Maria de Sousa”. E acrescentava: “Ao alimentar manchetes e notícias falsas que têm no centro figuras públicas angolanas, o Ministério Público e a procuradora-geral da República, Joana Vidal, puseram-se fora da lei.”

As investigações abertas em Portugal são referentes a suspeitas de actos em território português, nota Justino Pinto de Andrade. A “promiscuidade entre a Justiça e a política” em Angola impede “o apuramento” das suspeitas de “actos ilícitos que envolvem entidades angolanas”, realça. “Se os actos ilícitos que envolvem as entidades angolanas em território português fossem investigados, nós em Angola teríamos melhor forma de pressionar os políticos corruptos”.