Obrigam-nos a perder amigos
Os resistentes por cá ficam. Lutam e crêem que é aqui, neste lugar, que hão-de ser felizes. Se alguém não os obrigar a fugir à procura de dias melhores
Sete meses passaram desde que o João Pedro Grilo saiu de Portugal. Abandonou a frescura do microclima de Sintra para se entregar de corpo e alma às geladas ruas de Glasgow. Emigrou, destemido, sem deixar transparecer as dores que lhe nasciam nas entranhas por estar a deixar-se arrancar da terra que o viu viver, desde sempre. Agarrou na trouxa, saiu pela porta de casa com o olhar seguro mas apavorado e mandou-se à Escócia, confiante nos dias vindouros.
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Sete meses passaram desde que o João Pedro Grilo saiu de Portugal. Abandonou a frescura do microclima de Sintra para se entregar de corpo e alma às geladas ruas de Glasgow. Emigrou, destemido, sem deixar transparecer as dores que lhe nasciam nas entranhas por estar a deixar-se arrancar da terra que o viu viver, desde sempre. Agarrou na trouxa, saiu pela porta de casa com o olhar seguro mas apavorado e mandou-se à Escócia, confiante nos dias vindouros.
O Grilo é dos meus melhores amigos. É, possivelmente, a primeira pessoa que conheci, se não contar com familiares. Devíamos brincar com Playmobil ainda eu não tinha três anos de idade. A amizade tem-se mantido forte e próxima, quase vinte e cinco anos depois. Sobreviveu à crise que nos apartou e às agonias de se ter menos um amigo com quem falar das miúdas que nos quebram (e reparam) o coração ou das desventuras deste ou daquele conhecido que se meteu em tremendas tropelias.
No passado fim-de-semana, o Grilo regressou. Temporariamente. Para dizer que é de vez. Não volta. Pode vir dizer um olá de quando em vez mas nunca mais quer assentar arraiais na terra portuguesa. Tem demasiados portugueses, diz em jeito de brincadeira com um fundo de inexorável verdade. Eu sorrio e compreendo-o. As saudades transparecem-lhe no olhar de cada vez que fala de outros tempos ou do céu estrelado em que reparava de cada vez que saía de casa, pouco depois do anoitecer.
Numa noite de copos, recordaram-se os hábitos de há sete meses. Sete meses que mais têm parecido sete décadas. Episódios que ficaram por contar porque o Facebook, não obstante as incontáveis qualidades, não tem (nem deve ter) omnipresença nas nossas vidas. As vidas fazem-se, impreterivelmente, fora do mundo digital. E na vida do dia a dia, o Grilo já não está. Não consegue estar. Não existe. Aqui, em Portugal.
Portugal, esse, também já não existe para o Grilo. Aos poucos, esquece-se que “flock” se diz “bando”, que aqui se fala português e não inglês com um sotaque manhoso e que Lisboa, afinal, é a cidade mais bela do planeta. A portugalidade esvai-se-lhe com uma frieza e uma tenacidade sem precedentes. Esquece-se das raízes por causa de um paradigma que não montou e de que não tem culpa.
Os números dizem que 120 mil portugueses saíram daqui só em 2012. Muitos dos que ficam dizem que os novos emigrantes fugiram. Do País, da situação difícil, dias duros dias. O Grilo não fugiu. Lutou e zarpou. Mergulhou no mar de emigrantes, fez-se ao largo e buscou a sua oportunidade, o seu lugar na aldeia global. Ainda está para o encontrar mas não quer ter mais nada a ver com este canto da Europa.
Alguém lhe tirou o gozo de aqui viver. Os resistentes por cá ficam. Lutam e crêem que é aqui, neste lugar, que hão-de ser felizes. Se alguém não os obrigar a fugir à procura de dias melhores. Como fizeram ao Grilo. Os que ficam dizem adeus, até sabe-se lá quando. Foi isso que fizeram aos resistentes que ficam. Como a mim, que me tiraram o melhor amigo.