A América já tem os seus menus "especial shutdown" mas não para os congressistas

As principais vítimas dos desentendimentos no Congresso esperam com ansiedade o regresso à normalidade. O Governo precisa de dinheiro para pagar ordenados, mas os funcionários precisam de ordenados para pagar as contas. Por estes dias, em Washington, os alvos da fúria são os congressistas

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Se 800.000 funcionários dos serviços do Governo federal ficam com os bolsos mais leves, os restaurantes respondem com o menu "especial shutdown" — "Sanduíche de carne de porco grátis para todos os funcionários do Governo se houver paralisação. Uma por dia e é necessário apresentar identificação", anunciaram na segunda-feira, no Twitter, os proprietários de um restaurante da cidade de Alexandria, no estado da Virginia, a uma dezena de quilómetros do Capitólio.

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Se 800.000 funcionários dos serviços do Governo federal ficam com os bolsos mais leves, os restaurantes respondem com o menu "especial shutdown" — "Sanduíche de carne de porco grátis para todos os funcionários do Governo se houver paralisação. Uma por dia e é necessário apresentar identificação", anunciaram na segunda-feira, no Twitter, os proprietários de um restaurante da cidade de Alexandria, no estado da Virginia, a uma dezena de quilómetros do Capitólio.

O Governo ficou mesmo parado e o negócio do Pork Barrel BBQ ficou mais movimentado. Mas nem todos têm direito à oferta: "Congressistas excluídos."

Quarta-feira, segundo dia de cofres vazios para o pagamento de serviços não-essenciais pelo Governo da maior potência do mundo, e a incredulidade dos cidadãos transformava-se em raiva, em desespero, mas também em humor, uma seta apontada à forma como o trabalho de uma parte dos representantes do povo levou à falta de dinheiro para os salários de uma parte dos trabalhadores que os elegeram. "Apresente a sua identificação e obtenha um desconto de 10% em sopas e saladas", lê-se num cartaz do restaurante Soupergirl, em Washington, que partilhou uma fotografia no Facebook. Para os congressistas também? A resposta é clara e lembra um dos quadros mais famosos da série Seinfeld: "No soup for you!"

Mas a paralisação do Governo norte-americano pode durar semanas, e quem fica semanas sem receber o ordenado por causa de um debate no Congresso que correu mal pode não ter o sentido de humor no menu preferido.

"Se eu não receber o ordenado até ao dia do pagamento da hipoteca, vou ter problemas", disse ao The New York Times Sherilyn Garnett, uma advogada do Ministério Público de 44 anos residente em Altadena, no estado da Califórnia. Tal como outras centenas de milhares de pessoas que se encontram na mesma situação, Sherilyn não precisa de vasculhar o vocabulário para encontrar as palavras que considera certas para descrever o shutdown anunciado na noite de segunda para terça-feira: "É uma estupidez, é mesmo muito estúpido."

E é uma questão que tem perturbado muitos cidadãos. "Não consigo perceber por que é que eles não pensaram nisto", disse ao mesmo jornal Tina Miller, uma funcionária do Governo federal na área da segurança pública, referindo-se ao membros da Câmara dos Representantes e do Senado e à Administração Obama.

A paralisação do Governo teve impacto imediato. Na manhã de terça-feira, até o site da Casa Branca recebia os seus visitantes com uma mensagem esclarecedora sobre o fosso aberto entre republicanos e democratas: "Porque o Congresso não cumpriu a sua responsabilidade de aprovar um orçamento, grande parte do Governo federal está paralisado."

Nesta quarta-feira, segundo dia da paralisação, nem havia dinheiro para esclarecer dúvidas. Jornalistas e outros cidadãos que tentavam obter alguma declaração ou explicação da Casa Branca podiam pensar que tinham ligado por engano para uma qualquer empresa de telecomunicações: "Olá, ligou para o gabinete executivo do Presidente. Pedimos desculpa, mas devido à falta de fundos não podemos atender a sua chamada. Assim que o orçamento for reposto, as nossas operações serão reatadas. Por favor, ligue quando isso acontecer."

Visitar Washington “de fora”
O primeiro shutdown do Governo norte-americano em quase 20 anos — o último foi repartido entre o final de 1995 e o início de 1996, durante a presidência de Bill Clinton — tem as consequências óbvias da falta de dinheiro para pagar ordenados e do impacto no turismo devido ao encerramento de museus e parques nacionais, por exemplo. Mas há muitas histórias que passam ainda mais ao lado das discussões políticas entre a ala mais conservadora do Partido Republicano, a ala menos conservadora do Partido Republicano e de ambas com o Partido Democrata e a Administração Obama.

O shutdown é também a história de Danny Aiello, um polícia reformado de 71 anos de idade. A mulher, Mildred, morreu de cancro faz hoje um ano, e Danny recebeu da filha, do genro e do neto um presente para o animar: uma viagem de quatro dias a Washington. Questionado pelo The Washington Post sobre se quatro dias são suficientes para ficar a conhecer a cidade, Danny Aiello disse que sim — mas "só do lado de fora". "Sinto-me abatido. Era suposto ser uma viagem divertida para todos nós. Estava mesmo ansioso por isto", lamentou.

Ninguém sabe ao certo quanto tempo vai durar a paralisação — a última, a de meados da década de 1990, durou 28 dias intercalados. Mas já todos sabem quanto vai custar à região de Washington. São 200 milhões de dólares por dia, ou quase 150 milhões de euros.

E o pior é que pouca gente vislumbra o fim deste shutdown, provocado por uma divisão política e ideológica em relação à reforma do sistema de saúde. "Só conseguimos resolver uma questão de princípios por uma razão muito boa — como um acordo que se possa vender aos próprios partidários como sendo suficientemente bom para chegar a um compromisso. Os dois lados estão muito longe de chegarem a esse ponto neste momento. E é difícil imaginar que possam chegar a um compromisso baseado em princípios nos próximos tempos", escreveram os jornalistas Chris Cillizza e Sean Sullivan no The Washington Post.