Bloco de Esquerda pede acção criminal contra Rui Machete
João Semedo considera que pode estar em causa um crime de falsas declarações. O ministro já veio dizer que foi uma "incorrecção factual".
Em causa está uma carta enviada a 5 de Novembro de 2008 [e revelada no último sábado pelo Expresso], no quadro da primeira comissão de inquérito parlamentar às falhas de supervisão no BPN, e onde Machete nega, entre outros factos, ter sido accionista do SLN (então dona do BPN) e cliente do banco, o que não se veio a confirmar.
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Em causa está uma carta enviada a 5 de Novembro de 2008 [e revelada no último sábado pelo Expresso], no quadro da primeira comissão de inquérito parlamentar às falhas de supervisão no BPN, e onde Machete nega, entre outros factos, ter sido accionista do SLN (então dona do BPN) e cliente do banco, o que não se veio a confirmar.
No requerimento, o Bloco de Esquerda lembra que os depoentes nas comissões de inquérito estão equiparados às testemunhas no Código de Processo Penal. “Neste sentido estamos perante um crime de falsas declarações”, lê-se no texto.
O deputado subscritor do requerimento, João Semedo, argumenta que a “falsa informação condicionou a intervenção dos deputados, o desenvolvimento da audição do Dr. Rui Machete e a actividade da comissão”. A informação prestada em 2008 pelo social-democrata ao Bloco de Esquerda “impeliu e influenciou os deputados a não o questionarem a respeito das acções da SLN de que fora titular até 30 de Agosto de 2007”, ao contrário do que aconteceu com outros accionistas ouvidos por aquela comissão. “É inaceitável uma situação desta natureza na qual comprovadamente foi facultada uma informação falsa pelo Dr. Rui Machete”, segundo o requerimento.
As comissões de inquérito enviam obrigatoriamente as conclusões dos trabalhos para o Ministério Público, mas o Bloco de Esquerda considera haver matéria que era então desconhecida para voltar a dar conhecimento às autoridades.
O caso Machete, que entre 2000 e 2009 desempenhou funções de liderança do Conselho Superior (consultivo) da SLN/BPN, rebentou no início de Agosto quando, em declarações ao PÚBLICO, o actual ministro dos Negócios Estrangeiros confirmou ter sido accionista do grupo liderado por Oliveira Costa. “Na minha carteira de investimentos constaram, efectivamente, as acções da SLN no montante referido [25 496] adquiridas ao valor nominal (um euro) e vendidas nas datas referidas (até 2007) ao BPN por 2,5 euros cada”, disse o ministro.
Apesar dos valores de aquisição e de venda dos títulos da SLN/BPN terem sido revelados pelo próprio Machete, o ministro acabaria semanas mais tarde por vir esclarecer que se tinha enganado nos preços e que comprara as acções a 2,2 euros (e não a um euro, o que lhe teria rendido uma mais-valia de 150%).
Isto depois de o Expresso ter questionado o facto de Machete ter comprado as suas acções a um preço inferior às que foram na mesma altura adquiridas pela Fundação Luso-Americana de que era presidente, o que configuraria uma eventual ilicitude. Machete ao vir esclarecer, com factos, que tinha comprado as suas acções ao mesmo preço das da Fundação pretendeu clarificar a situação.
Na mesma notícia do PÚBLICO de Agosto, Machete revelou igualmente ser cliente do BPN: “ Quando vendi as acções ao BPN pedi que me creditassem o valor na minha conta do BPN”. Na carta enviada em 2008 à Assembleia da República o ministro garante nunca ter sido depositante do BPN.
Entre 2000 e 2009 Machete foi membro e presidente do Conselho Superior da SLN (um órgão consultivo). No quadro da primeira comissão de inquérito parlamentar ao BPN, durante uma audição, o deputado socialista Afonso Candal perguntou-lhe se “alguma vez teve recebimentos em numerário, nomeadamente no que respeita a senhas de presença no Conselho Superior, ou através de qualquer tipo de depósito em conta sua ou em qualquer outro instrumento financeiro relevante ou não relevante”.
Machete respondeu: “Todos os membros do Conselho Superior eram remunerados com senhas de presença pagas; agora não posso precisar se eram pagas em numerário ou em cheque. Penso que houve uma altura em que o banco abriu umas contas e, depois, passou a pagar em cheque, visto que algumas pessoas, como era o meu caso, não queriam ter contas no banco.” Sobre o valor das senhas de presença, contou que “devia ser à volta de 1250 euros por reunião”. À pergunta de Candal se “esse montante por reunião era pago em dinheiro…” Machete confirma: “Em dinheiro.”
Na mesma altura, o ministro contou aos deputados que o Conselho Superior da SLN se reunia de forma irregular e juntava sobretudo accionistas, assim como que Oliveira Costa “ia lá dizer de sua justiça” e “apenas o que queria”. Por essa razão, possuía escassa informação. Em 2009, Machete manteve várias conversas com o ex-governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, a quem manifestou dúvidas e perplexidades sobre o grupo.
No passado sábado, a edição electrónica do Expresso revelou a carta enviada em 2008 por Machete ao Parlamento a garantir “que nunca teve acções da Sociedade Lusa de Negócios”, declaração que João Semedo, do BE, classificou de “uma redonda mentira”.
Na sequência, Semedo pediu a demissão do ministro dos Negócios Estrangeiros. A "prova documental e irrefutável", relacionada com a carta dirigida por Semedo em 2008, “deveria resultar em consequências do foro político e a que o Parlamento não poderia ficar indiferente”.
Rui Machete já veio, de novo, admitir ter cometido uma “incorrecção factual” ao escrever, na carta de 2008, nunca ter tido acções da Sociedade Lusa de Negócios, mas disse não haver qualquer intenção de o ocultar.