2015: Valter Hugo Mãe, Afonso Cruz e Valério Romão terão pseudónimos escandinavos

Prevejo que Valter Hugo Mãe, Afonso Cruz e Valério Romão escolham pseudónimos escandinavos e quadrupliquem a venda dos seus livros em Portugal

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Fui desafiado a escrever sobre este tema: “O que será a literatura daqui a dois anos?”. A tarefa revelou-se de dolorosa execução, pois não prevejo nada de bom.

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Fui desafiado a escrever sobre este tema: “O que será a literatura daqui a dois anos?”. A tarefa revelou-se de dolorosa execução, pois não prevejo nada de bom.

A informática já ocupa muito tempo na nossa vida: lemos em computadores, "ereaders", "tablets" e (cada vez menos) em papel.

A informação chega a todo o lado. A literatura, também… Mas duvido muito que assim seja no futuro.

Nos próximos dois anos, ou seja até 22-09-2015, prevejo que Valter Hugo Mãe, Afonso Cruz e Valério Romão escolham pseudónimos escandinavos e quadrupliquem a venda dos seus livros em Portugal. Mantêm exactamente a mesma qualidade, mas são muito mais acarinhados pela crítica literária e, em consequência, pelos leitores.

Alguma crítica literária continuará a desvalorizar a escrita de Gonçalo M. Tavares. Enquanto isso, o autor vai escrevendo, publicando, vendendo, sendo lido, traduzido, e ganhando prémios.

O PM será fotografado com o livro de Camilo Lourenço, “A Inutilidade do Ensino da História”, e um outro de Rita Ferro, “A menina é filha de quem?”, Prémio PEN 2012.

António Lobo Antunes continuará a ameaçar deixar de escrever, enquanto produz mais livros iguais aos outros. Saramago continua a ser o único português a ganhar o Nobel da Literatura.

E chegamos a 22-09-2015

Daqui a dois anos, a produção e recepção de literatura serão consideradas crimes de desobediência.

O governo reeleito ordenará a eliminação da Literatura dos programas escolares. A falta de utilidade dos livros, segundo o governo, obriga a que os alunos transformem os livros em papel reciclado para fins de exportação. Perdeu-se demasiado tempo em actividades lúdicas e nada produtivas. “Produzir e não ler! Eis o caminho a escolher!”

Os leitores emigram, e o governo congratula-se com a medida tomada. “Entregamos o país aos úteis, a quem produz!”, afirma o PM. As eleições são adiadas “até o povo estar devidamente informado”, segundo o exemplo de outros referendos concretizados pela UE.

A sede da Fundação Saramago torna-se um lugar de refúgio para leitores clandestinos.

Os reformados são chamados ao activo. Ficarão responsáveis por formar rolos de papel higiénico reciclado. Este é o produto mais exportado. Em todas as casas-de-banho da Europa há um rolo “Produziert in Portugal”.

Inspirado nos computadores “Magalhães”, o governo promove a produção do tablet “Salazar” para uso desde o ensino primário ao universitário.

A abolição do livro crê-se como definitiva.

No entanto, esses mesmos tablets serão usados para captar as páginas de internet P3 e Ípsilon, suplementos do jornal Público, tais como os avós captavam as rádios e tvs piratas.

A literatura subsiste nos ficheiros informáticos e é divulgada através da oralidade, nos encontros clandestinos. Passadas algumas décadas, essa literatura oral será escrita nesse objecto de culto e tão resiliente: o livro. 

No dia da libertação, o escritor libertará a palavra e o povo será, novamente, livre:

“Levanta-te e lê”, dirá.