Um dia de Verão, um poema e a Igreja de Santa Maria

A Igreja de Álvaro Siza é a obra de arquitectura com a linha do horizonte mais intensa e silenciosa

Foto
Manuel Roberto

-Entremos!

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

-Entremos!

Lá fora o dia atingiu o pino e o sol doura as serranias avistadas de uma longa e delgada janela horizontal, as paredes são caiadas de um branco pálido e o chão é revestido de madeira clara a condizer com as cadeiras da plateia, agora vazia. Ao fundo, avista-se um jogo de planos, uma parede curva que se desdobra numa parede lisa rasgada por uma claraboia de luz tímida. É a Igreja de Santa Maria, projectada pelo arquitecto Álvaro Siza, localizada na pequena cidade do Marco de Canaveses.

A Igreja nasce entre um bairro camarário, uma pequena e bucólica capela e a avenida principal da cidade. Um volume branco pousa sobre um envasamento de granito circundante, como de um templo grego se tratasse, distando da avenida com algum tráfego e implantado-se num terreno com desnível de cotas.

À entrada, a grande porta é sete ou oito vezes maior do que os vultos dos crentes que ainda se perfilam, após mais uma homilia. No exterior não existem sinais de cruzes ou outros signos, o acesso é marcado “com um grande eixo longitudinal muito claro, com uma grande porta a meio e, de cada lado, como que duas torres que se elevam”. ( “Álvaro Siza, Uma questão de medida”, Entrevistas com Dominique Machabert e Laurent Beaudouin)

No interior, à esquerda, o longo janelão personifica a linha do horizonte, possível símbolo da ligação entre o mundo terreno e o profético; do lado oposto, à direita, a parede parece desmaterializar-se num manto com pregas de luz, que esvoaça ao sabor do vento.

O poema “Se houvesse degraus na terra…”, de Herberto Hélder acompanhou-me nesta visita, como um guia, ou melhor, é uma cábula preciosa para compreender a plenitude desta obra de arquitectura, tão importante na arquitectura religiosa contemporânea Portuguesa.

O altar é sereno e mistura-se com o som da água que bate no chão frio de mármore, lá atrás, no baptistério. Um convite ao silêncio, só interrompido pelo bater intempestivo dos sinos que me dão o “sentimento” de ter estado durante uma hora a observar, pensar, respirar no silêncio e finalmente escrever estas frases descritivas do que observo e sinto.

-Um exercício em nada penoso!

-“Se houvesse degraus na terra…” eles seriam o longo janelão que foca o plano do céu recortado pela silhueta das montanhas. A Igreja de Álvaro Siza é a obra de arquitectura com a linha do horizonte mais intensa e silenciosa.