Fogos e eucaliptos
Acontece que esta ligação não está verificada empiricamente em um único estudo científico sobre o assunto, apesar de haver muitos estudos sobre a matéria que dizem o contrário.
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Acontece que esta ligação não está verificada empiricamente em um único estudo científico sobre o assunto, apesar de haver muitos estudos sobre a matéria que dizem o contrário.
Paulo Fernandes escreveu um artigo esclarecedor: “Combining forest structure data and fuel modelling to classify fire hazard in Portugal”.
De uma forma muito fundamentada, Paulo Fernandes demonstra que um povoamento florestal pouco gerido e com elevada densidade de matos reage ao fogo de forma semelhante, independentemente da espécie dominante, afastando-se do comportamento face ao fogo de outros povoamentos com intensa gestão do sub-bosque.
Dos cerca de 800 mil hectares de eucalipto em Portugal, cerca de 150 mil são geridos pelas celuloses, de forma muito intensiva. Os outros cerca de 650 mil são maioritariamente de pequenos produtores que ou não os gerem, ou os gerem de forma muito pouco intensiva (com excepções).
No fogo do Caramulo, que terá atingido uma área próxima de 14 mil hectares, cerca de sete mil seriam eucaliptal, puro ou misto com pinheiro. Menos de cem hectares dos eucaliptais ardidos estavam sob gestão das celuloses (que conseguem taxas de prevalência de fogo que são um quarto da média do país).
Se houver montado em que o sub bosque não é gerido, não havendo uso agrícola ou de pastoreio, pode haver fogos de 20 mil hectares em sobreiro, como no ano passado, na serra do Caldeirão.
Sempre que houver eucaliptais, pinhais, sobreirais e carvalhais pouco maduros, igualmente sem gestão de sub-bosque, poderá arder dias seguidos.
O relevante é a estrutura do povoamento e a quantidade e densidade de combustível disponível para arder, não é a espécie dominante.
Quer isto dizer que o melhor para Portugal seria ter eucaliptais geridos pelas celuloses (ou com o mesmo modelo de gestão) em todo o lado, visto ser esse modelo de exploração que gera recursos suficientes para pagar uma gestão intensa do sub-bosque?
Não, de maneira nenhuma.
Portugal seria um país, na sua maior parte, triste e desinteressante, como são os eucaliptais industriais.
Seria um país mais eficiente na produção de eucalipto (poderíamos produzir mais eucalipto em menos área) e na gestão do fogo, e isso seria positivo.
Mas será com certeza mais positivo conseguirmos melhorar a gestão de eucalipto nas zonas onde ele está e se justifica, mantendo, no entanto, a diversidade de usos e o mosaico que caracteriza a nossa paisagem.
Portugal não é um país de vocação florestal – em tempos repeti que Viriato era pastor, não era lenhador – mas um país que pode produzir floresta, de preferência com a eficiência das celuloses, desde que saiba integrar pastorícia, agricultura, conservação da biodiversidade e etc..
Pretender que os fogos resultam ou são, de maneira relevante, negativamente influenciados pela produção de eucalipto, é uma premissa totalmente falsa que promove o desperdício de esforços a combater moinhos de vento.
O que não ajuda a encontrar as soluções óptimas de gestão do território, com equilíbrio de usos, sustentabilidade económica e justiça na distribuição de ganhos e perdas.
Declaração de interesses: cerca de 5% dos meus rendimentos provêm do sector das celuloses, sendo os restantes 95% provenientes de sectores que detestam profundamente o eucalipto, pelo que este artigo pode estar influenciado pelo meu interesse pessoal em dizer mal do eucalipto.
Este artigo de opinião de Henrique Pereira dos Santos esteve assinado, por engano, com o nome de Ricardo Garcia. A ambos as nossas desculpas.