EUA e Rússia chegam a acordo para eliminação de armas químicas na Síria
Regime de Bashar al-Assad obrigado a entregar "lista detalhada" do arsenal no prazo de uma semana. Acordo afasta ataque imediato dos EUA, mas Washington continua a dizer que um incumprimento terá "consequências".
O acordo alcançado neste sábado prevê a entrada de inspectores das Nações Unidas na Síria nas próximas semanas, "antes do fim de Novembro", e trava um ataque militar imediato por parte dos EUA.
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O acordo alcançado neste sábado prevê a entrada de inspectores das Nações Unidas na Síria nas próximas semanas, "antes do fim de Novembro", e trava um ataque militar imediato por parte dos EUA.
Os pormenores do plano foram divulgados pelo secretário de Estado norte-americano, John Kerry, e pelo ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, no final de uma ronda de negociações em Genebra, na Suíça, que começou na quinta-feira.
Os dois responsáveis anunciaram os pormenores do acordo numa conferência de imprensa conjunta, em que a principal questão foi a decisão sobre o que fazer no caso de o regime de Bashar al-Assad não cumprir os seus compromissos.
O ministro russo afirmou que o acordo alcançado neste sábado entre os dois países não contém nada que preveja o uso da força; o secretário de Estado norte-americano disse que os EUA e a Rússia não têm nenhum pré-acordo sobre medidas específicas a aplicar se Bashar al-Assad faltar com a palavra.
Ainda que o acordo alcançado entre Washington e Moscovo não se refira directamente ao uso da força, os dois responsáveis comprometeram-se a apresentar uma resolução no Conselho de Segurança que deixe em aberto o recurso ao Capítulo VII da Carta das Nações Unidas se o regime sírio não cumprir o estabelecido.
O Capítulo VII da Carta das Nações Unidas prevê "a interrupção completa ou parcial das relações económicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radioeléctricos, ou de outra qualquer espécie, e o rompimento das relações diplomáticas", mas também dá ao Conselho de Segurança a possibilidade de "levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a acção que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais".
"Não pode haver espaço para jogos, ou qualquer coisa a menos do que um cumprimento total por parte do regime de Assad", afirmou John Kerry. "Se for implementado na sua totalidade, este plano pode fornecer mais protecção e segurança ao mundo", declarou.
O acordo prevê que a quantidade e o tipo de armas químicas devem ser definidos e o arsenal deve ser colocado sob controlo internacional "rapidamente"; a Síria tem uma semana para entregar uma lista detalhada do seu arsenal; procedimentos extraordinários, ao abrigo da Convenção das Armas Químicas, vão permitir uma "destruição expedita"; a Síria deve facilitar o acesso "imediato e sem restrições" aos inspectores; todas as armas químicas têm de ser destruídas; a ONU vai fornecer apoio logístico e o cumprimento [deste acordo] será controlado ao abrigo do Capítulo VII [da Carta das Nações Unidas].
Oposição síria critica acordo
O Governo francês foi o primeiro a reagir ao acordo alcançado entre EUA e Rússia, considerando-o um "avanço importante". O ministro dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, disse que Paris terá ainda de "analisar o relatório dos inspectores da ONU sobre o massacre em Damasco, que vai ser apresentado na segunda-feira".
Mas o general Salim Idriss, líder militar da Coligação Nacional Síria, de oposição a Bashar al-Assad, descreveu o acordo como uma iniciativa russa para dar mais tempo ao regime sírio. "Não há nada neste acordo que nos interesse", declarou Salim Idriss. Apesar do desagrado, o responsável disse à agência Reuters que as suas forças vão colaborar para facilitar o trabalho dos inspectores da ONU.
Esta promessa foi contrariada pelas declarações de outro líder rebelde, Kassem Saadeddine, um comandante do Exército Livre da Síria em Alepo. "Que o plano Kerry-Lavrov vá para o inferno. Rejeitam-lo e não vamos proteger nem deixar entrar os inspectores na Síria."
No texto do acordo assinado neste sábado, EUA e Rússia comprometem-se a "trabalhar de perto" em conjunto para garantir a segurança dos inspectores – juntamente com a ONU e com "as partes" envolvidas na guerra civil –, mas deixam claro que a principal responsabilidade neste capítulo cabe ao regime sírio.
No terreno, o sentimento entre os apoiantes dos rebeldes é também de desilusão. "O regime [sírio] está a matar pessoas há mais de dois anos com todo o tipo de armas. Assad usou armas químicas seis ou sete vezes. A matança vai continuar. Nada vai mudar", disse à agência Reuters um activista num subúrbio de Damasco controlado pelos rebeldes. "O ponto mais importante é o acto de matar, não interessa quais são as armas usadas", disse.
Segundo a mesma agência de notícias, a televisão estatal síria transmitiu em directo a conferência de imprensa de John Kerry e Sergei Lavrov, com comentários de que o regime de Bashar al-Assad está satisfeito com o acordo alcançado.
Conferência de paz no horizonte
Na sexta-feira, os representantes dos EUA e da Rússia anunciaram que vão voltar a encontrar-se no fim do mês, numa data próxima da reunião anual do Conselho de Segurança da ONU, a 28 de Setembro. O objectivo é avaliar a possibilidade de se retomarem os esforços com vista à realização de uma conferência sobre a paz na Síria.
Kerry deixou bem claro que a organização de uma conferência de paz dependia dos resultados do diálogo com Lavrov em Genebra – se o acordo aprovado neste sábado for cumprido, EUA e Rússia poderão virar as suas atenções para o fim da guerra civil no país, que já fez mais de 100.000 mortos em dois anos e meio.
A proposta para a realização de uma conferência de paz sobre a Síria não é nova. Nos últimos meses – antes das notícias sobre o uso de armas químicas –, os EUA e a Rússia tentaram chegar a acordo para sentar à mesa muitos dos envolvidos na guerra directa ou indirectamente, mas nenhuma das partes aceitou fazer cedências.
Washington exige que uma conferência deste género contecontar com a participação de um grupo de 11 países europeus e árabes – conhecido como os "11 de Londres", todos defensores da queda do regime de Bashar al-Assad – e da oposição síria reconhecida pelo Ocidente; Moscovo exige que o Irão – apoiante de Assad – tenha lugar na mesa de negociações, algo que os EUA não se mostraram dispostos a aceitar.