Retoma não significa que a crise esteja a ser ultrapassada
Wolfgang Munchau deixou uma visão pessimista da evolução da crise.
O crescimento económico que decorre do aumento das exportações, em Portugal e nos países do euro, não será suficiente para inverter a tendência da crise e a zona euro continuará condenada a um crescimento lento enquanto não forem resolvidas as questões da dívida e do sistema bancário, disse ontem o colunista do Financial Times, Wolfgang Munchau, intervindo no encontro Presente no Futuro, organizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, e que teve início esta manhã em Lisboa.
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O crescimento económico que decorre do aumento das exportações, em Portugal e nos países do euro, não será suficiente para inverter a tendência da crise e a zona euro continuará condenada a um crescimento lento enquanto não forem resolvidas as questões da dívida e do sistema bancário, disse ontem o colunista do Financial Times, Wolfgang Munchau, intervindo no encontro Presente no Futuro, organizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, e que teve início esta manhã em Lisboa.
O influente colunista deixou uma visão pessimista da evolução da crise: defendeu que as instituições europeias tal como estão não conseguiriam lidar com uma falência de um banco como o Lehman Brothers e que cinco anos após o início da crise, as verdadeiras causas desta continuam por resolver, pelo que a alternativa é mais anos de crescimento lento.
Para Munchau, os países da zona euro estão a adoptar uma estratégia de convergência com a Alemanha; todos têm que ser como os alemães e apostar nas exportações.
“Toda a gente está a exportar mais e os países que eram deficitários estão a crescer. Não creio que essa estratégia seja sustentável. Depende de os americanos continuarem a ter grandes défices. E países como a china vão querer importar menos”, disse. “É preciso resolver a crise bancaria para haver crescimento.”
A mesma ideia – de que há uma pequena retoma mas há um “mas” associado a ela . aplica-se ao caso português. Em Portugal houve um aumento de exportações significativo. São as boas notícias e muita coisa mudou nos últimos anos. Mas antes de pensar em crescimento e que a crise acabou, temos que ver onde estamos.”
“Não temos união monetária mas sistema hegemónico que dependa na convergência com a Alemanha sem resolver o problema da dívida. Se não houver solução, a crise durará muito tempo”, referiu, mantendo que é necessário existir um enquadramento que permita a um país sair do euro sem sair da União Europeia. Mas sobre a possibilidade de uma mudança na orientação da zona euro, lembrou que “dentro de quatro anos haverá um outro governo alemão”, uma vez que, perante a expectativa de uma reeleição de Angela Merkel, as coisas vão continuar como estão.
Mas o que a Alemanha possa vir a fazer, seja com que governo for, é visto com cepticismo pelo economista José Manuel Félix Ribeiro, - um dos comentadores da intervenção de Wolfgang Munchau - para quem os germânicos não estão em condições de liderar a Europa do euro. E ninguém os pode levar a mal por isso.
“A Alemanha está a liderar a europa não por vontade própria mas pelo maior erro da política externa francesa dos últimos anos, quando a França pediu a Alemanha que entregue o marco a troco da reunificação alemã”, defendeu. O euro existe por causa desse erro histórico e surgiu num momento em que a Alemanha, consumada a reunificação, achou já não estar obrigada a continuar a financiar a Europa, como se fosse uma reparação pelos custos da II Guerra. Félix Ribeiro acrescentou que a Alemanha construiu um “euro light”, sem mecanismos de defesa eficazes contra crises, “para não lhes virem pedir mais dinheiro”.
Por isso, o euro funciona como uma ilusão. “Quando os portugueses entraram para o euro pensavam que era um avião. Quando a crise começou, compreenderam que era um planador. Não tinha motores”. E acrescentou: “a Alemanha pôs-nos na casa de correcção”.
Félix Ribeiro disse ainda que a Alemanha tem o problema de se pensar a si própria como “uma pequena economia aberta”, enquanto os seus parceiros europeus, menos poderosos, como os britânicos, os franceses, os italianos e os espanhóis, pensam-se como potências médias.
“Alemanha não pode liderar porque pensa e comporta-se como se fosse uma pequena economia aberta, que têm que ter um livro de regras muito rigoroso para não implodir.”
Para Félix Ribeiro, não é a Berlim que os portugueses têm que ir pedir contas pela crise em que se encontram. “A Alemanha faz muito bem em agir da forma como está a agir”. O problema português, disse, e a razão pelo declínio do crescimento do país, é a economia portuguesa “ter deixado de ter uma função na economia global”, por causa da globalização e do alargamento da economia para Leste, que afastou os investidores alemães.
O eurodeputado Paulo Rangel, que também participou no encontro como comentador da intervenção de Munchau, divergiu da análise do jornalista a defender que a retoma, mesmo que ténue, dará espaço de manobra aos decisores para introduzir mudanças políticas.
O social-democrata lembrou ainda que os riscos da crise não são apenas económicos mas políticos. Lembrou os riscos separatistas na Catalunha e na Escócia ou situações de tensão no Leste europeu, entre países como a Hungria ou a Roménia, por exemplo, que teriam conduzido a conflitos armados se não fossem membros da União Europeia.