Fenprof diz que novo estatuto do ensino privado é ilegítimo e ilegal
Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação também critica cheque-ensino
“Trata-se de uma mudança radical do papel do Estado, constitucionalmente definido, e do lugar que, pela Constituição da República, está atribuído ao ensino particular e cooperativo.” Em comunicado, a federação pede aos grupos parlamentares “para que chamem o diploma à discussão na Assembleia da República, e, também, que requeiram a fiscalização sucessiva da sua constitucionalidade, caso o Presidente da República não requeira a sua fiscalização preventiva”.
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“Trata-se de uma mudança radical do papel do Estado, constitucionalmente definido, e do lugar que, pela Constituição da República, está atribuído ao ensino particular e cooperativo.” Em comunicado, a federação pede aos grupos parlamentares “para que chamem o diploma à discussão na Assembleia da República, e, também, que requeiram a fiscalização sucessiva da sua constitucionalidade, caso o Presidente da República não requeira a sua fiscalização preventiva”.
Também a Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação (CNIPE) acusou o Governo de “proteger as escolas privadas”.
O secretário do CNIPE, Rui Martins, diz que aquilo que considera ser a concretização do cheque-ensino “não faz sentido”, acrescentando que a decisão “deve ter sido tomada por causa dos compromissos que o ministro da Educação e o Governo assumiram”.
“A escola é obrigatória até aos 18 anos e não percebemos esta medida, que visa proteger as escolas privadas, que não têm alunos, pois as famílias não têm dinheiro”, sublinhou, criticando ainda o facto de a CNIPE nem sequer ter sido ouvida.
Já a Fenprof diz que o Governo quer destruir a escola pública, “designadamente através da transformação do ensino particular e cooperativo num sistema concorrencial com o ensino público”. Tudo para cumprir o corte de 4700 milhões de euros na despesa com as funções sociais do Estado e para “favorecer os interesses dos empresários dos colégios (e não dos alunos e das suas famílias), através da transferência, sem restrições, de verbas do Orçamento do Estado para os cofres das instituições privadas”.
O novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo aprovado pelo Governo consagra “a liberdade de escolha” das famílias e “abandona a preponderância absoluta do papel do Estado”. As palavras são do ministro da Educação Nuno Crato e foram proferidas no final do Conselho de Ministros.
Uma das novidades, disse, é que “o Estado não se restringe a apoiar turmas, como existe neste momento com os contratos de associação, mas também apoia alunos, o que abre um caminho mais directo a uma liberdade de escolha e a uma concorrência entre escolas e entre sistemas”.
Nuno Crato nunca mencionou a palavra “cheque-ensino” — modelo que prevê um financiamento directo do Estado às famílias que optem por colégios particulares em vez de escolas públicas e com o qual já disse, no passado, concordar. Mas, no final da sua apresentação, foi questionado sobre se as novas regras aprovadas constituem uma espécie de “cheque-ensino”, dado a cada aluno. Afirmou, citado pela Lusa: “O cheque ensino já existe neste momento, é uma tipologia genérica, uma verba que segue o estudante, em vez de ser distribuída à escola.”
Questionado sobre se as famílias podem optar por uma escola privada, mesmo tendo vaga numa pública na mesma localidade, Nuno Crato disse: “O princípio da concorrência e o princípio da escolha é exactamente esse.” E reforçou: “A decisão é da família e não do Estado.” Quanto à liberdade, “causa sempre polémica”.
Sem entrar em muitos detalhes, o ministro garantiu que algo vai mesmo mudar na forma como o Estado se relaciona com os colégios, nos ensinos básico e secundário. Este é “um diploma de princípios a partir dos quais vão ser estabelecidos uma série de regulamentos e portarias que vão concretizar estes princípios”, disse. “Este diploma contribui para recentrar o papel da responsabilidade central na educação das famílias, chama à intervenção a sociedade civil, abandona a preponderância absoluta do papel do Estado e prescreve a autonomia e a descentralização.”
Aeep elogia medidas
O novo estatuto “corresponde a um dos objectivos estratégicos que estavam no programa do Governo”. E citou-o: “Desenvolver progressivamente iniciativas de liberdade de escolha para as famílias em relação à oferta disponível, considerado os estabelecimentos de ensino público, particular e cooperativo”.
Mal Crato acabou de falar, a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (Aeep) saudou a medida em comunicado. “O novo estatuto é um diploma fundamental para o desenvolvimento futuro do ensino particular e cooperativo. Cria novas áreas de liberdade e inovação que o sector utilizará para a melhoria contínua do serviço educativo que oferece a todos. Trata-se de um momento importante que antecede o início de uma nova era.”
Actualmente, já há milhares de alunos que frequentam o ensino pré-escolar, básico e secundário em escolas privadas com financiamento público. Uns porque estudam em colégios com contratos de associação (celebrados em zonas onde não havia oferta educativa pública suficiente). Outros porque são de famílias carenciadas e beneficiam de um outro tipo de apoio, os contratos simples. São cerca de 49 mil, no primeiro caso, e 20 mil, no segundo.
Em declarações ao PÚBLICO, Rodrigo Queiroz e Melo, director executivo da Aeep, aplaude os princípios aprovados nesta quinta-feira, que reforçam o papel da figura dos contratos simples “como instrumento de apoio às famílias”.
“Ficamos agora a aguardar a regulamentação”, diz, explicando que se espera que com o novo estatuto haja um “alargamento dos contratos simples” e que estes passem a ser usados para apoiar não apenas alunos de famílias carenciadas que optam pelo privado, mas também “famílias da classe média”, porque, até agora, na prática, “os contratos simples só apoiavam famílias carenciadas”.
Outra mudança elogiada por Queiroz e Melo tem a ver com o aumento da autonomia das escolas. “A liberdade de escolha das famílias não se consagra apenas podendo elas escolher entre público e privado, consagra-se podendo escolher entre projectos educativos diferentes. É isso que faz sentido: liberdade de escolha na diversidade.”
O diploma agora aprovado vai ser enviado para promulgação do Presidente da República, após o que será publicado em Diário da República. A regulamentação será feita gradualmente para que a partir do ano lectivo 2014/2015 se possa aplicar “progressivamente este sistema”, disse o ministro.